sexta-feira, 10 de julho de 2009

A musa "desagradável" do folk


Odetta

A voz dos movimentos pelos Direitos Civis. Não. Não é exatamente quem vocês devem estar pensando. A voz dos movimentos pelos Direitos Civis tinha que nascer no Sul e ser negra, e se chamar Odetta Gordon. Tinha formação clássica, mas preferiu cantar spirituals e blues, cair na estrada e aprender com músicos mambembes canções que, em uma década, se tornariam o repertório do revival do gênero folk em terras americanas, a partir da segunda metade dos anos 50, com o retorno dos Weavers às paradas, depois de anos de perseguição provocados pelo Macartismo.

No volume primeiro de suas suas Crônicas, Bob Dylan disse, a respeito do gênero musical em que ele gravitou, no início de sua carreira: "o que eu tocava (fim dos anos 50) eram canções com letras fortes e atrevidas, e você não precisa de pesquisas de opínião para saber que elas não combinavam com nada das rádios".

De fato, canções de protesto nunca possuíram nenhum appeal comercial, pelo menos até que aparecesse gente como Harold Leventhal e Albert Grosmann, que conseguiram transformar o folk em um negócio prá lá de rentável.

Mas tudo isso não faria sentido se não fosse o revival do gênero, que floresceu no fim dos anos 50, possibilitou o surgimento do Festival de Newport e o surgimentou de uma nova geração de artistas, influenciados por leadbellys e guthries.

E o mais importante de tudo — se não fosse o surgimento do Movimento pelos Direitos Civis. Era preciso que nascessem canções com uma temática realista, por que não dizer, "desagradável", que incomodasse. E o folk era a doença fácil que eles precisavem pegar. Dylan, em suas memórias, diz achar que a América precisava passar por isso:

— Falando em termos práticos, a cultura dos anos 50 era como um juiz em seus últimos dias de magistratura. Estava prestes a desaparecer. Em um período de dez anos, tinha lutado para se erguer & então se esborracharia no chão. Com canções folclóricas incrustradas na minha mente como uma religião, isso não impórtava: as canções folk transcendiam a cultura imediata — escreveu.

Mas ele sabia qual era o limitee o alcance daquele tipo de música: "ou eu mandava (com o material temático) as pessoas embora ou elas chegavam mais perto para ver qual era. Não havia meio termo. Havia um monte de cantores melhores (...) o folk era a maneira de eu explorar o universo, eram imagens, e as imagens valiam mais do que qualquer coisa que eu pudesse dizer".

Esse era mais ou menoso caso de Odetta, de quem Dylan sempre foi um admirador confesso. Ela era uma força da natureza, ventava, relampejava, chovia, ardia, com o seu jeito de cantar & o seu vibrato trovejante. Não era bonitinha e frágil como Joan Baez. Podia tanto fazer as pessoas chegarem mais perto quanto as mandarem embora. Mas mesmo as que se afastavam ficavam incomodadas. Odetta não causava frission, perturbava. Basta ver sua memorável performance interpretando Water Boy no documentário No Direction Home, do Martin Scorcese. Ela canta como se estivesse furibunda, mal contendo uma mágoa incontornável, uma dor indissimulável.

Odetta pode ser comparada a Herry Belafonte: surgiram exatamente na mesma época, eram artistas negros e, embora tivessem crescido em centros urbanos(ela em Los Angeles & ele em Nova Iorque), a sua música tinha profundas raízes no folk.

No entanto, ele fez mais sucesso (principalmente cantando calipsos, como Jamaica Farewell). É que Belafonte tinha um gravíssimo defeito: não incomodava como Odetta. Odetta perturbava, trovejava, relampejava, era um vendaval, uma borrasca, um tsunami sonoro. Todos queriam chegar mais perto para ouvir o Day-O de Belafonte. Mas Odetta mandava todo mundo embora. Essa era a virtude de Odetta: ela era desagradável e sublime.

Todo mundo? Não. Quem permanecia para "ver qual era", acabava se apaixonando por Odetta. Ela podia fazer você derrubar bastilhas e decaptar marias antonietas. Ela criou uma geração de entusiastas de ouvintes e jovens músicos, do Kingston Trio até o próprio Bob Dylan (que o fez largar o rock em favor do folk), que não sossegou enquanto não decorou de cor e salteado um disco que ninguém mais ouve hoje: Odetta Sings Ballads and Blues.


O disco

Lançado em 1956, é o seu primeiro trabalho solo e é um punhado de canções tradicionais, reelaboradas por ela ao violão. A primeira parte compreende temas que vão do blues ao gospel — com exceção de Santyanno, uma conhecida canção do mar (cross the river from Liverpool, heave away, Santy Anno, around Cape Horn to 'Frisco Bay, 'way out in Californio), que depois seria regravada pelo Kingston Trio — mas numa versão inferior, ou seja, "agradável". Mas a versão de Odetta vale pelo disco inteiro. O lado B é mais voltado a spirituals como I'll Be On My Way e God's Gonna Cut You Down. Um clássico.


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Um comentário:

Anônimo disse...

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