domingo, 30 de agosto de 2009

O Disco que Você Merece


O logo clássico

Era uma vez um Bando da Lua que gostava de Bossa Nova. Aloysio de Oliveira (1914-1995), cantor e compositor, estava na berlinda após deixar a direção artística da Philips (hoje Universal). Antes, porém, ele havia deixado o emprego de produtor da EMI-Odeon porque a gravadora estava dispensando todo um grupo de intérpretes promissores como Roberto Menescal, Carlos Lyra, Sérgio Ricardo e Sylvia Telles em favor de João Gilberto. Na verdade, a gravadora sabia que, cedo ou tarde, as pessoas iriam cansar de ouvir aqueles cantores de voz pequena e de arranjos exóticos e que, além do mais, não tinham nenhuma tradição musical frente ao público. Ele próprio tinha certeza disso, embora não acreditasse que o movimento deflagrado por João Gilberto fosse apenas um modismo passageiro.

Pelo contrário, seu faro indicava que seria possível trabalhar com toda essa gente, porém dentro de um conceito completamente novo. Assim nasceu a gravadora Elenco, selo que se tornaria símbolo da Bossa Nova e de bom gosto musical, e que se primava por lançamentos originais e de alta qualidade artística.

Aloysio foi crooner do lendário regional que acompanhava Carmen Miranda entre as décadas de 30 e 50. A partir de 1942, ele passou a trabalhar como consultor musical, ator e dublador nos estúdios de Walt Disney, assinando a direção musical de desenhos como Alô Amigos e Você Já Foi à Bahia?. Com a morte de Carmen, em 1957, ele retornou ao Brasil, para assumir o departamento artístico da Odeon e da Philips.

Agora, em 1962, Oliveira tinha experiência suficiente para manter a sua própria gravadora. Conhecendo as dificuldades de divulgação e distribuição de discos, sua idéia inicial era de fundar a Elenco como subsidiária de alguma grande gravadora, interessada em trabalhar com um selo temático, como as norte-americanas Prestige e Verve eram especializadas em jazz.

Não poderia contar nem com a Odeon, nem com a Philips, das quais havia se demitido justamente por dispensarem a Bossa Nova de seu catálogo. Procurou a CBS, porém não obteve sucesso.

Decidiu fazer tudo sozinho. Procurou Flávio Ramos, seu amigo e produtor musical, mas acabou ficando sem parceria, tempos depois. Tudo o que Aloysio tinha agora era o seu idealismo e a sua turma de artistas promissores.

Se do estúdio para fora, ele não tinha muito jogo de cintura, colocou todas as suas forças na concepção musical dos discos. Para completar a idéia, ele escolheu o fotógrafo Chico Pereira (Odeon) e César Villela como diretor de arte.

Juntos, o trio foi responsável pela proposta — que muitos julgaram revolucionária — de criar um fetiche gráfico nas capas dos álbuns: fotografias com sombra, três cores (preto, branco e vermelho), espaços brancos para o lay-out “respirar”, letras com formatos e tamanhos comuns, de capa para capa, e um logotipo onde o “N” da palavra “Elenco” era um holofote. O “fetiche visual” das capas marcaria época e provocou uma legião de imitadores.

O estilo também servia como uma espécie de gestalt para os consumidores, que podiam reconhecer um disco da Elenco a milhas de distância. O maior fenômeno, porém, foi o êxito da publicidade involuntária: a Elenco foi a única gravadora brasileira cujos discos eram procurados nas lojas pelo selo. O sujeito chegava no balconista, e perguntava: “tem alguma coisa da Elenco, aí?”. Tinha até um slogan: “O Disco que Você Merece”.

Durante a sua fase áurea, de 1963 e 1966, o selo editou cerca de sessenta títulos, a maioria deles dentro da proposta de gravar e divulgar autores e intérpretes de Bossa Nova e congêneres.

No início, foi difícil de arranjar dinheiro. Em uma questão de meses, a Elenco já estava dando um relativo lucro ao seu idealizador. Porém, o verdadeiro crédito de Aloysio era artístico: “não havia contratos”, confidenciou ele, em depoimento ao jornalista Tárik de Souza, em 1990.

“Os artistas confiavam em mim e no projeto”, disse certa feita Aloysio de Oliveira. Segundo ele, todos os músicos recebiam royalities, que seria bom se os discos tivessem prensagens estratosféricas e vendas idem, o que jamais aconteceu.



Odette e Vinícius: o primeiro lançamento

Havia dois problemas um tanto bizantinos: sozinha, a Elenco só tinha capacidade de distribuir pequenas tiragens de, no máximo, 2 mil cópias – o que hoje seria piada, seria o mesmo que nada. Se tivesse que prensar mais de 10 mil discos, aí não haveria pernas para distribuir os discos fora do Rio de Janeiro.

O destino da gravadora foi selado em seu nascedouro. Se tivesse distribuição garantida só em São Paulo e em mais algumas capitais, com certeza ela teria durado muito mais tempo e chegada a mares nunca dantes navegados. Mas não foi o que aconteceu, a Elenco surgiu para viver no Rio mesmo. O catáçogo depois seria relançado em parte, quando o selo foi adquirido pela Companhia Brasileira de Discos, a partir de 1967.

Por outro lado, a maioria dos remanescentes da Bossa Nova havia migrado para a Philips que, com o tempo, seria a gravadora que divulgaria a maior parte dos intérpretes de MPB. A Philips também havia tirado de Aloysio o seu maior sucesso, que era Nara LeãO; foi o tiro de misericórdia. Por sua vez, a Bossa paulista estava toda na RGE, como Alaíde Costa ou Edson Machado.

A Elenco, que não tinha divulgação, agora não tinha mais nem elenco. E o verdadeiro mercado promissor, e que consumia aquele tipo de música, agora era mesmo Europa e a América.

Com o tempo, a marca “Elenco” foi adquirida pela BMG Ariola, que chegou a lançar discos com o selo, embora não houvesse nenhuma relação com a Elenco original, enquanto os fonogramas foram parar na Philips. Já na era do CD, em 1991, a Polygram, novo nome da Philips, relançou os álbuns mais importantes do selo, com som remasterizado. O projeto ganhou nova edição em 1996, dessa vez com capas novas, fato que desagradou muita gente. Hoje, todos esses discos estão novamente fora de catálogo, esperando que alguém os reedite.

erm seu pouco tempo de vida, a Elenco lançou poucas coletâneas. A mais interessante e representativa do seu catálogo chegou a ser prensada em estéreo, na época. A Kaleidosicópio é um pequeno porém interessante exemplo da produção do selo nos seus tempos áureos. Começa com Garota de Ipanema, do primeiro LP de Tom Jobim,que foi lançado nos Estados Unidos pela Verve, com o nome de Composer Of Desafinado; Você e Eu, com Sylvinha Telles e Baden Powell no violão; Berimbau com o poetinha Vinícius, numa interpretação singular; Maria Moita com Nara, no disco que fez o morro descer para a Avenida Atlântica; Rio, de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli, executado pelo próprio Menescal, com seu conjunto, do LP Surfboard; Lennie Dale, o homem que "inventou" Elis e Simonal, do seu álbum ao vivo, cantando uma versão particularíssima (misturando Inglês e Português) de Corcovado; Maysa (também ao vivo), derretendo corações com Fim de Noite, do Chico Feitosa, a melhor da coletânea; Sérgio Ricardo, do disco Sr. Talento, com a existencislista A Fábrica; Baden ao violão, com o Samba do Avião, do LP À Vontade, de 1963; Lúcio Alves se rendendo à Bossa Nova com outro clássico da dupla Menescal-Bôscoli, Ah, Se Eu Pudesse, com aranjo do maestro Gaya; Só Por Amor, fruto etílico da parceria de Baden e Vinícius, na performance deliciosamente prá lá de blasé de Odette Lara. Por fim, Chris Connor ao vivo, com I Concentrate On You (que Sinatra gravaria com Jobim, em 1967). Detalhe que a introdução de I Concentrate é similar que Tom Jobim criou para Se É Tarde Me Perdoa, do segundo disco do João Gilberto, O Amor, o Sorriso e a Flor, de 1960.

Link nos comentários e créditos ao Zeca Louro, do Loronix, que foi quem ripou o vinil.

sábado, 29 de agosto de 2009

A musa blasé do Flower Power


Melanie


O mundo inteiro comemorou, esse mês, a passagem dos quarenta anos do mítico Festival de Woodstock, ocorido entre os dias 15 e 18 de agosto de 1969. Houve momentos marcantes, protagonizados tanto por personagens consagrados, como Jimi Hendrix em sua versão beligerante de Star Spangled Banner, Janis Joplin, que dispensa apresentações, o Who mostrando Tommy em primeira audição, a apresentação impecável de Crosby, Stills, Nash e Young, no auge de sua criatividade, cuja consequência direta seria o ótimo álbum Deja Vu; Joe Cocker cantando With a Little Help From My Friends ou Ritchie Havens fazendo seu violão soar quase como uma guitarra com Freedom, Country Joe fazendo todo mundo cantar o hino de protesto Fixin' To Die Rag.

Houve aqueles que tinham tudo para estourar no palco, mas suas respectivas performances deixaram a desejar, como o Creedence Clearwater Revival, que se apresentou de madrugada e o som não ficou como John Fogerty desejava — tanto que ele pediu para que fosse excluído do documentário; o Grateful Dead, que era imbatível no palco, acabou tocando apenas quatro músicas, porque o sistema de som estava péssimo e os instrumentos davam choque o tempo todo. Houve, no entanto, os subestimados que acabaram roubando a cena, como Santana, com Soul Sacrifice, o Sly And The Family Stone, o Canned Heat e o Ten Years After...

Mas houve aqueles que ninguém quase se lembra que tocaram em Woodstock: Sweetwater, Quill, Keef Hartley Band, Arlo Guthrie, John sebastian — que foi convidado para assistir os shows nos bastidores (ele morava em Woodstock), entrou de improviso, porque o palco estava molhado no sábado de manhã e a produção do Festival o convidou para tocar umas quatro canções enquanto o staff passava o rodo no palco. No fim das contas, ele ganhou cachê, apareceu no filme tocando Younger Generation e ainda apareceu no LP duplo.

Mas da trupe dos subestimados em Woodstock, eu destaco uma cantora que tocou na sexta, dia 15, antes do Arlo Guthrie — Melanie Safka. Nascida no Queens, em Nova Iorque, ela era daquela geração Newport, jovem, idealista, esquerdista e tipicamente urbana, que foi influenciada pelo folk rural e que floresceu na boemia bem vestida do Greenwich Village, no começo dos anos 60, junto com Fritz Richmond, Mel Lyman, Geoff and Maria Muldaur, John Sebastian, Mama Cass, Zal Yanovsky e muitos outros.

Do próprio estilo espirituoso das jug bands que tocavam nos bares da moda no Village, Melanie também herdaria esse lado bem humorado nas suas canções. Com a diferença que, com o surgimento do flower power, ela acabou se tornando uma hippie — porém de boutique. Depois de lançar alguns singles pela Columbia, Sarka assinou com a Buddah Records, que era uma extensão da nova iorquina Kama Sutra (a mesma do Lovin' Spoonful), e que era essencialmente um selo alternativo.

Mesmo gozando de um relativo sucesso nas paradas americanas, Melanie foi estourar mesmo na França, com Bobo's Party, e na Hplanda (!) com Beautiful People. Com o montante de defecções para se apresentar em Woodstock, (Joni Mitchell, Byrds, Doors, Spirit, Bob Dylan...), ela conseguiu uma brecha. Tocou apenas quatro músicas, tarde da noite. quando tocava Beautiful People, o público a acompanhava com isqueiros acesos. Infelizmente, não existe registro da cena, mas aquilo ficou na retina de Melanie que, dias depois, inspirado naquele momento singular, compôs Lay Down (Candles In The Rain), que se tornaria o seu primeiro grande sucesso americano, no verão de 1970.

Candles In The Rain era a cara de Melanie: hippie, sempre usando um hábito marrom, com cara de menina despenteada, com uma voz estridente, que vagamente lembrava Janis Joplin e Joni Mitchell, mesmo que passando desapercebida em Woodstock, ela começou a aparecer a partir dali. Seguindo Lay Down — que chegou ao sexto lugar na Billboard, vieram Peace Will Come (According To Plan) e um belíssimo cover dos Rolling Stones, Ruby Tuesday.

Se ela passou desapercebida em Woodstock, recebeu as verdadeiras boas vindas para a platéia britânica que a assistiu,pela primeira vez, no Festival da Ilha de Wight, em 1970. Além dessa, Melanie foi pioneira em outro festival, o de Glastonbury, e que existe até hoje.

Quando ela resolveu ampliar os horizontes musicais, Safka abandonou a Buddah e fundou o seu próprio selo, a Neighborhood Records. A mudança deu certo: foi na Neighborhood que ela conseguiu o seu primeiro número 1 na Billboard, com Brand New Key, provavelmente a sua canção mais conhecida, e que chegou a vender 3 milhões de cópias em todo o mundo, em 1971.



Por conta da letra, ligeiramente maliciosa (ela diz que ganhou patins e precisa da chave do namorado), Brand New Key foi banida em algumas estações de rádio; porém, a estratégia saiu pela culatra, e a polêmica só ajudou a catapultar o compacto para o topo das paradas.

Mesmo com o fim da moda hippie, Melanie ainda enfeixou alguns singles pelos 70 afora, como Ring the Living Bell e Nickel Song. Os tempos mudaram, mas ela continuou naquele mesmo estilo peculiar riponga que a entronizou. O curioso é que hoje, passados quaranta anos de Woodstock, Melanie Safka continua na ativa, com suas vestes hippie e empunhando seu violão parta cantar aquelas adoráveis canções dos anos 60, como se o tempo não tivesse passado. E não passou, mesmo.



The Very Best Of Melanie

1. Ruby Tuesday
2. Brand New Key
3. Nickel Song
4. What Have They Done to My Song Ma?
5. Beautiful People
6. Any Guy
7. Close to It All
8. Mr. Tambourine Man
9. Baby Day
10. I Don't Eat Animals
11. Lay Lady Lay
12. Pebbles in the Sand
13. Save the Night
14. Gardens in the City
15. Christopher Robin Is Saying His Prayers
16. Good Book
17. Carolina on My Mind
18. Somebody Loves Me
19. Leftover Wine
20. Lay Down (Candles in the Rain)
21. Peace Will Come (According to Plan)




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sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Beatles Para Americano Ver


O Something New, de 1964

Aproveitando que o assunto é Beatles, me lembrei do primeiro disco importado dos Fab Four que eu achei garimpando pelos sebos da vida, o Something New, da Capitol. Naquela época eu já devia ter praticamente toda a discografia brasileira do quarteto, incluindo as coletâneas. Mas não tinha nada de estrangeiro.

Foi quando eu descobri que a coleção norte-americana tinha uma peculiaridade: a disografia britânica deles foi pulverizada em discos de onze faixas, de forma a aproveitar ao máximo o material lançado na Ingleterra em compactos e extended-plays (singles de quatro faixas). A despeito de passar por cima dos álbuns originais, do ponto de vista mercadológico, a idéia da Capitol (subsidiária ianque da EMI) era de uma lógica irrefutável.

Numa época em que um long-play (exceto os de jazz, naturalmente) era nada mais, nada menos que um punhado de canções, não havia diferença, pelo menos do ponto de vista do ouvinte/consumidor em mudar a ordem das músicas ou a foto da capa, desde que fosse tudo feito de forma estratégica, a ponto de chamar a atenção e vender.

É claro que a Capitol observava que havia uma ligeira diferença entre a, vamos dizer assim, cultura do disco de um país para outro. E a maioria dos lançamentos do selo, via de regra, sempre vinha com onze ou doze faixas, ao passo que, no caso particular dos Beatles, eles lançavam discos de quatorze músicas, fora o material inédito em singles e EPs. Pois num tempo em que a Beatlemania grassava na América, se eles não se aproveitassem disso para vender LPs como nunca seria um atestado de burrice, então, ponto para eles.

Para se ter uma idéia, só em 1964,por exemplo, enquanto, na Inglatera, John, Paul, George e Ringo lançaram dois discos, nos Estados Unidos, o número subiu para cinco, sendo um duplo (o Beatles' Story, tremendo caça-níquel, com todo o respeito).

Essa sangria desatada só estancaria quando o próprio quarteto se rebelou contra isso, porém da forma mais sutil: reza a lenda que a capa do polêmico Yesterday And Today,onde o quarteto aparece sorrindo alegremente de jaleco, cercado de postas sangrentas de carne e de bonecas quebradas era um protesto contra o esquartejamento que a Capitol draconianamente infringia ao trabalho deles.

Mas houve um outra forma de protesto, porém mais sutil. Em 1967, a banda lançou um álbum que, com efeito, era "imexível": o Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band. Como eles iriam mexar com uma pretensa obra de arte? Como alterar uma capa modelar daquelas? E como mudar as faixas, se elas estão quase todas entrelaçadas? Aquilo colocou qualquer teoria fonograficamente mercadológica em xeque.

Aliás, depois do advento do proto-disco conceitual, pelo menos dentro do gênero, o próprio mercado passou a perceber que, além do fato de que um álbum não é apenas uma rescolta de canções, havia vida inteligente dentro do rock.

Porém, se a sanha da Capitol em vender discos tinha os seus pontos negativos, havia alguns pontos positivos. Um deles é alguns desses LPs dos Beatles entre 1964 e 1966 vinham com capas belíssimas, muitas faixas tinham mixagens diversas das versões britânicas (e que eram relançadas aqui no Brasil) e, o mais interessante: a gravadora criou uma forma de realçar mecanicamente os tapes originais, utilizando um processo de reequalização das faixas num "mock stereo" que, em tempos de vinil, era algo prá lá de supimpa.

O nome desse maldito sortilégio sonoro era um tal de "Full Dimensoinal Stereo". Era mais ou menos o mesmo que o Phil Spector fazia na Philies nos seus compactos. A diferença é que, enquanto Spector mixava tudo de forma artesanal, a Capitol usava pura tecnologia. O objetivo era o mesmo: fazer com que o som Hi-Fi soasse melhor do que o da concorência e, naturalmente, soase melhor no broadcasting dos seus artistas no éter.

No caso particular dos Beatles, esses álbuns da Capitol, embora ordinariamente feitos para vender, ganharam uma aura mítica que perdura até hoje. Tanto que, devido à pressão dos próprios fãs, mesmo depois do relançamento padronizado da discografia britânica em CD no mundo inteiro depois de 1988, a velha discografia americana foi relançada em formato digital, em 2004.

O curioso é que o fetiche dos audiófilos em cima desses discos transcendeu a própria fidelidade do CD. Mesmo que a remasterização digitalizada fosse (quase) impecável, faltava algo ali. Era o maldito Full Dimensional Stereo! Mesmo que o estéreo fosse (em algumas faixas) forjado em duofônico (um canal realçando o grave e o outro, o agudo), a delícia em ouvir aquelas canções em vinil e com aquele som característico - fora o fato que a qualidade do próprio bolachão era melhor do que a inglesa e a brasileira era uma experiência única, especial, inefável e intransferível.

Eu particularmente me flagrei disso quando ouvi o Something New pelaprimeira vez. O disco, lançado logo após o sucesso do filme A Hard Day's Night, era o exemplo típico do que a Capitol fazia com o meterial dos Beatles: a espinha dorsal do LP é o lado B da trilha do filme. Porém (ah, porém), como nos Estados Unidos a United Artists lançou o disco metade instrumental e a outra metade o lado A (ou seja, as músicas que aparecem na película), sobraram as seis faixas da versão britânica (o Something New tem três músicas do filme, também). Somadas à estas, eles juntaram material do EP britânico Long Tall Sally (que não saiu nos Estados Unidos) e a versão alemã dos Fab para I Want To Hold Your Hand (Komm, Gib Mir Deine Hand) e, zás, eis o disco.

Fora a qualidade do Full Dimensional Stereo, o Something New, que foi lançado em versões estéreo e mononatural, em cada uma delas trazia mixagens diferentes das originais. Na versão mono, I'll Cry Instead não é editada, e é maior que a conhecida When I Get Home tem vocais diferentes da original. E no formato estéreo, várias faixas, como If I Fell, têm vocal dobrado na introdução.

Outra curiosidade é que a Parlophone (selo da EMI inglesa) lançou o Something New numa edição limitada apenas para venda onde havia bases americanas na Europa Continental e essa edição é raríssima. E a outra (a última, prometo) é que o LP ê que ficou nove semanas no segundo lugar da Billboard — saiu também pela Odeon alemã.


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terça-feira, 25 de agosto de 2009

Off The Beatle Track


Paul McCartney, George Martin e George Harrison, em 1965

O disco Off The Beatle Track é o primeiro de uma série de álbuns temáticos que Sir George Martin realizou com a música dos Beatles. O produtor britânico, cujo nome está rigorosamente imbricado com o trabalho do quarteto de Liverpool, era originalmente maestro do pequeno selo Parlophone que, a partir dos anos 50, era especializado em música clássica. O máximo que a gravadora se permitia dentro do universo pop era gravar discos de humor, com gente como Peter Sellers e Shirley Abicair. Nos anos 60, Martin dedicidu que a Parlophone deveria investir num gênero que estava em profusão — o rock.

Foi através de Sid Coleman que ele travou contato com Brian Epstein, que era empresário de um grupo do gênero. através dele, George ficou sabendo que os quatro haviam sido limados da Decca/London, e pediu à Brian o tape que eles haviam gravado. Ao ouvir, Martin achou que eles estavam longe de serem promissores, mas viu algum arrojo de originalidade nos vocais de John Lennon e Paul McCartney — embora achasse que Paul soasse demasiadamente como um pastiche de Elvis.

quatro meses depois do enxcontro com Brian, Martin marcou uma sessão com os Beatles nos estúdios da Parlophone, em Abbey Road. George não participou da gravação, apenas deu o veredito, no fim. Achou que eles não tinham canções boas o suficiente, e sugeriu que eles gravssem um tema sob encomenda, How Do You Do It. Eles gravaram, mas não gostaram do resultado: não queriam cantar material alheio, dizendo que eles tinham o seu próprio repertório. "Nós temos esas canções aqui e queríamos gravá-las", disse McCartney a Martin, na ocasião. Ele tinha certeza que How Do You Do It estouraria — tanto que ela acabou chegando ao primeiro lugar, mas com outra banda empresariada por Epstein e produzia por George, o Gerry And The Pacemakers, em 1963.

Em resposta, insistiram em gravar Love Me Do e mostraram Please Please Me para Martin. A primeira canção (com P.S I Love You de lado B) foi lançada como balão de ensaio e se saiu bem nas paradas, chegando ao 17o lugar. O próximo passo era lançar Please Please Me. Martin não queria fazê-lo, e ainda queria que eles tocassem músicas sob encomenda — algo muito comum na época (mais do que hoje).

Contudo, diante da insistência de John e Paul, ele topou. Please Please Me chegou ao segundo lugar, e Martin começou a desconfiar que os Beatles eram promissores de fato. Mais do que isso, eles demonstraram que podiam ser mais do que meros intérpretes, compondo o seu próprio material e, de quebra, transformando a subestimada Parlophone numa máquina de sucessos dentro do pop, algo que ele ruminava há algum tempo, desde que ele produziu compactos do The Vipers Skiffle Group, em 1961.

O resto é história: o êxito comercial dos Beatles cresceu numa progressão fulminante. From Me To You chegou ao primeiro lugar, She Loves You também, e o corolário de tudo isso foi, como se sabe, o single I Want To Hold Your Hand, que foi o passaporte para que o quarteto tomasse a América de assalto, no começo de 1964, instaurando o que se convencionou chamar de... Beatlemania.


A capa

Foi no auge do sucesso 'americano' dos Beatles que George Martin produziu o primeiro disco com a sua assinatura — antes, ele havia lançado material próprio sobre pseudônimo — o Off The Beatle Track. Nada mais é que uma compilação de canções dos Beatles do começo da carreira.

Martin lançou o disco no lastro da produção das canções que ele havia gravado para a trilha sonora original do filme A Hard Day's Night que, no entanto, só foi lançado nos Estados Unidos e no Canadá. Na trilha, Martin criou arranjos interesantíssimos para And I Love Her (que virou um bolero) e Can't Buy Me Love (que ficou ligeiramente coltraneana, inspirada na versão do saxofonista americano para My Favourite Things) e This Boy que, no filme, viou o tema de Ringo (Ringo's Theme).

Em Off The Beatle Track, além de se render ao talento dos quatro garotos que ele outrora subestimara, ele elabora arranjos em seu estilo particular. Aqui, Can't Buy me Love virou um be bop requintado, Don't Bother Me, um twist e I Want To Hold Your Hand, um chá-chá-chá.

em 1965, no mesmo estilo de A Hard Day's Night, Martin também faria a trilha original do filme Help! e, é claro, o famoso (e controverso) lado B da trilha do filme Yellow Submarine, que nove entre dez beatlemaníacos detestam.





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domingo, 23 de agosto de 2009

It's Smoke Time!



A vez primeira que eu ouvi falar do The Smoke (acima) foi numa coletânea random pirata, tosca mas muito bem bolada, feita por um sebo daqui de Porto Alegre, chamada Best Of Underground Light. A seleção, inspirada num programa que o próprio dono da loja levava ao ar na Unisinos FM de São Leopoldo, tinha mais ou menos o espírito do que se convencionou chamar de Nuggets, ou seja, bandas obscuras — e subestimadas — dos anos 60.

Naqueles tempos pré-internet, se já era quase tarefa de gincana achar esse tipo de material de alternative rock sessentista, imagine conseguir qualquer informação a respeito deses conjuntos que, em geral, mal emplacavam singles o suficiente para fechar um long-play.

Aquela seleção que eu tive em mãos dava um apanhado geral do que se fazia além do mainstream da época, principalmente bandas do fim dos anos 60, como It's a Beautiful Day, Laghonia (peruana, por incrível que pareça), Nirvana (o original), Argent (projeto que o tecladista dos Zombies, Rod Argent, criou após a dissolução do quinteto) e o The Smoke, além de muitos outros.

Muito tempo depois eu fui conseguir um disco do The Smoke — o único, aliás, que saiu em 1967. A minha surpresa é que eu sempre tive referências à eles como uma banda alemã, mas depois fui ver que eles eram ingleses de York, e tiveram várias formações, a mais conhecida delas se intitulava Five Chords.

O curioso era justamente isso: a banda emplacou a maioria dos seus sucessos na Europa Continental, embora tivesse uma imagem fortemente vinculada à Swinging London e à banda do estilo do Small Faces ou até do The Who, embora o Smoke fosse mais eclético e com uma linguagem rock menos agressiva e bem mais pop.

No começo, eles eram capitaneados por Mick Rowley e Phil Peacock, num duo chamado Moonshots, depois apenas The Shots. Com o advento da Invasção Britânica, eles mudaram o som de R&B para algo mais próximo do mod. Formaram um quinteto e conseguiram um contrato com um produtor independente, que conseguiu levá-los ao disco pela Columbia inglesa. Descontente com as mudanças, Peacock saiu do Smoke, e eles permaneceram como quarteto, com Mal Luker na guitarra base, Zeke Lund no baixo e Geoff Gill na bateria.

Trocaram de empresários, e assinaram com Ron e Reg Kray que, para azar deles, tinha boa fama no submundo inglês, e não entendiam nada de música. Logo, o Smoke teve extrema dificuldade em conseguir tocar em clubes londrinos, dado a incúria da dupla de gângsters. Sorte que, com o acordo firmado com o editor musical, Monty Babson, eles tinham copa franca para compor e ensaiar em seu estúdio — uma disponibilidade de equipamento e de tempo de estúdio que talvez só os Beatles tivessem.


Promo de My Friend Jack

Foi nessa época que eles mudaram de nome para The Smoke e criaram o seu maior sucesso, My Friend Jack, bem ao estilo agressivamente mod daqueles meados dos anos 60 e que mais tarde seria rotulado como punk psicodélico — referências à drogas, distorção e power chords à cotoveladas. Para azar deles, o compacto saiu em fevereiro de 1967, e foi abafado pelo suceso de Penny Lane/Stawberry Fields Forever, chegando apenas ao 45 lugar e, para piorar, por causa da letra, My Friend Jack foi banida da BBC, e ficou apenas três semanas nas paradas.

A sorte deles foi que a música estourou na Áustria, na França, na Suécia e fez sucesso suficiente na Alemanha, aponto do quarteto ser convidado a tocar no Beat Club, programa de tevê local, ao lado de Jimi Hendrix, The Who, Cliff Bennett & the Rebel Rousers. De quebra, ainda conseguiram uma turnê pelo país, junto com o small Faces e os Beach Boys naquele verão.

Tamanho sucesso exigiu que eles lançassem um disco por lá. E baseado na quantidade de material que eles haviam exaustivamente ensaiado e gravado no estúdio de Babson, em 1966, saiu o It's Smoke Time, um interesante crossover entre a psicodelia e o pop rock, com alguns momentos além do gênero, como em If The Weather's Is Sunny, uma quase Bossa Nova, que é sem dúvida uma das melhores do LP e que, no entanto, é totalemnte subestimada. Após o disco, eles se radicaram msucialmente na Alemanha e conseguiram assinar contrato com Chris Blackwell que, no entanto, queria que eles voltassem a gravar na Ilha. O Smike declinou e isso fez com que a história deles como banda inglesa fosse refugada para sempre. Mick Rowley ficou no continente e os demais viraram músicos de estúdio de Monty Bobson, em Londres.

My Friend Jack se tornaria sucesso do grupo de eurodance Boney M, em 1976. O único disco do Smoke, It's Smoke Time, ficou anos esgotado e só seria relançado em formato digital no fim dos anos 90.


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sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Ferry Cross The Mersey



Esse é o nome do filme e da trilha sonora original (foto) de mesmo nome — aqui no Brasil, a película foi solenemente intitulada de Os Frenéticos do Ritmo. O musical é estrelado por um quarteto de Liverpool, Inglaterra: Gerry And The Pacemakers. Eles surgiram bem na mesma época dos Beatles, e chegaram a dividir o palco com eles diversas vezes, antes do advento da Beatlemania.

Formado originalmente por Gerry Marsden (guitarra e vocal), Freddy Marsden (bateria), Les Maguire (piano) e Les Chadwick (baixo), eles estouraram nas paradas britânicas um pouco antes dos Fab Four. Também empresariados por Brian Epstein, eles gravaram uma canção (de Mitch Murray), chamada How Do You Do It, que foi recusada pela banda de John Lennon. O compacto foi primeiro lugar. Na sequência, eles enfeixaram mais dois: Away From You e I Like It.

Com isso, se tornaram celebridades da noite para o dia, puderam lançar um álbum — o How Do You Like It? — e conseguiram passagem reservada na Invasão Britânica. Catapultados ao estrelato e com visibilidade nos Estados Unidos (apareceram no Ed Sullivan Show), sob os auspícios do intrépido Epstein, depois dos Cavaleiros de Sua Majestade Britânica, eles foram convidados pela United Artists a estrelarem um longa.

Tanto o filme quanto o disco, aqui no Brasil, são muito difíceis de se encontrar. Como os dois únicos discos do Gerry And The Pacemakers aqui foram lançados pela Fermata, uma subsidiária da Odeon, depois que ela fechou, os fonogramas foram todos para o arquivo morto, e os dois discos estão esgotados há mais de quarenta anos.

Eu cheguei a topar em sebos todos os LPs dos Pacemakers lançados aqui, em 1964 e 65, respectivamente. A Fermata era uma liliputiana subsidiária da Odeon e que não tinha o mesmo approach mercadológico da irmã mais velha. Além disso, tinha em seu cast artistas quase obscuros ou subestimados pela Odeon. Para piorar, a qualidade da prensagem dos discos era inferior à da Odeon, mais parecida com a da Victor brasileira, ou seja, de qualidade de som regular prá ruim. O incrível é, depois de passar anos ouvindo o LP original em mono, escutar a versão digitalizada e ter a sensação de estar ouvindo outra coisa: faixas como This Thing Called Love ou I Love You Too com voz dobrada.

Ao contrário do que acontece na Europa, onde pequenos (porém eficientes) selos conseguiam direito para relançar material como esse — coletâneas de conjuntos dos anos 60 em geral ou discos esgotados e de importante valor histórico, aqui, por limitações comerciais e falta de visão (de interesse, eu diria) de mercado fizeram com que a única saída para a imensa maioria dos colecionadores fosse importá-los. Pelo menos, quando esse fenômenos tomou vulto, pelo começo dos anos 90.

Mesmo depois do advento da era do compact disc, a gravadora deles aqui (a EMI) não se interessou em lançar coletânea nenhuma do quarteto, ao contrário do que aconteceu, por exemplo, com seus co-irmãos ingleses, o Herman's Hermits e os Hollies que, ao contrário dos Pacemakers, conseguiram fazer mais sucesso em terras brasileiras. Os Hermits, aliás, fizeram sucesso suficiente a ponto de realizarem uma turnê aqui, em 1970 — mas isso é assunto para outra post...

No caso do Gerry And The Pacemakers, além do fato dos dois LPs aqui lançados permanecerem fora de catálogo, as únicas coletâneas que apareceram são de material "frio", ou seja, regravado pelo próprio conjunto, nos anos 80 (com outra formação, embora as capas enganem) e que saiu no Brasil pela extinta Brasidisc, um dos poucos selos — senão o único — que se interessou em se debruçar sobre esse material perdido dos anos 60 (e 50), mas que teve vida curta, já que ela acabou sob os escombros de um incêndio na própria fábrica, nos anos 90.

Ferry Cross The Mersey foi, sem dúvida, o ápice criativo do quarteto inglês. Marsden, o compositor da banda, queimou pestanas porque teve que fazer toda a parte deles no tocante à trilha sonora do filme. A história ia se passar em Liverpool. Reza a lenda que ele ficava por horas a fio diante do Mersey, buscando inspiração para a música tema. E nada.


Cartaz do filme

Ela acabou surgindo inesperadamente num átimo, quando ele estava no volante do seu carro, esperando a namorada para jantar. Saiu correndo para casa, com cara de "eureka", pegou a guitarra, lápis e papel, e assim nasceu Ferry Cross The Mersey, certamente a sua canção mais famosa — principalmente aqui no Brasil. No enbalo, ele escreveria as outras nove (apenas nove entrariam na película). O outro sucesso — e canção que abre o musical, é It's Gonna Be Alright (outro grande sucesso aqui, em 1965), e que teve a honra de ser regravada em versão brasileira pelo Renato e Seus Blue Caps (Você Não Soube Amar).

A música nada mais é que uma sublime declaração de amor àquela cidade, que fica ao noroeste da Inglatera, à margem esquerda do estuário do famoso rio. Os ferry boats, que fazem parte da moerna paisagem natural da cidade, realizam o transporte entre o Pier Head, em Liverpool e Woodside e Wallasey, do outro lado do Mersey.

People around every corner
They seem to smile and say
We don't care what your name is boy
We'll never turn you away

So I'll continue to say
Here I always will stay

So ferry 'cross the Mersey
'cause this land's the place I love


Ferry Cross The Mersey foi o ápice dos Pacemakers porque, depois da primeira onda da British Invasion, o pop mudou, e o quarteto de Gerry não conseguiu emplacar mais nada nas paradas ianques.

A Columbia (o selo deles na Inglaterra) não se interessou em lançar um terceiro álbum e muito do que foi lançado posteriormente por eles (em singles), junto com material esparso de EPs viraram discos "póstumos" nos Estados Unidos e, principalmente, no Canadá — onde a Laurie chegou a lançar um quarto disco, o Girl On a Swing, que não saiu em nenhum outro lugar do planeta. em 1966, o Gerry and The Pacemakers acabou, junto com toda a cena de Liverpool que emergeu lá por 1961-2 e que havia ganhado o mundo.



Os Pacemakers entraram no filme com apenas nove músicas porque a trilha sonora dos Frenéticos do Ritmo fechava em doze temas sendo, fora estas, um instrumental, a cargo da orquestra de George Martin (sim, ele era o produtor deles), a interessante All Quiet On The Merseyfront, uma com Cilla Black (uma das clássicas burtbacharachetes, Is This Love) e The Fourmost (I Love You Too). Na edição americana da trilha do filme, Cilla (que seria a primeira intérprete de Alfie) e o Fourmost foram suprimidos em favor de artistas de lá, e a capa original — com Marsden posando diante do rio Mersey sob um plúmbeo céu de chumbo — por uma capa sem graça, com uma foto da banda tocando no Cavern Club.




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segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Os 40 anos de Easy Rider




Esse é um dos discos que fez com que eu passasse a ouvir o rock sesentista do final da década — Eletric Prunes, Byrds, Hendrix, The Band, Country Joe, Canned Heat, Steppenwolf e congêneres. Ele me caiu em mãos de uma forma meio insólita: a mulher do zelador do prédio o abandonou e ele, de raiva, pôs toda a coleção de discos na lata do lixo.

Quando eu vi, não consegui acreditar. Então o porteiro me contou a história toda. Achado não é roubado, peguei o que se salvava da coleção e a trilha sonora do cult Easy Rider (foto) e que, asim como Woodstock, foi um fenômeno da contracultura (inesperado, pelos produtores, já que nenhum estúdio acreditou na produção) e que, assim como o Festival, esse ano fez 40 anos.

Quem criou a trilha foi o editor do road movie, Donn Cambern, que, enquanto trabalhava no filme, ouvia boa parte da sua coleção de discos e, ao invés de uma trilha para o longa, ele optou por uma seleção de canções da época.

Bob Dylan foi convidado a contribuir com uma faixa, It's Allright Ma (do Bringing All Back Home, de 1965), que foi utilizada na cena em que Peter Fonda (no filme, Wyatt) na cena em que ele pergunta à uma estátua da Virgem num cemitério, — como se interpelasse para sua mãe — por que ela "o abandonara".

(Parêntese: Peter não queria fazer tal cena de forma alguma, porque sua mãe, Frances Ford Seymour, havia se suicidado num sanatório. Porém, depois de muito esforço, Dennis Hooper — que queria usar a música justamente nesse momento — o convenceu a atuar).

Como Dylan não quis, Camben convidou Roger McGinn, dos Byrds, para que ele a interpretasse. Dylan apenas interviu mudando a letra, e depois a deu para Roger. Sua versão é mais rápida e mais curta do que a original, porém expressiva. McGinn também fez uma versão Ballad Of Easy Rider (mais bonita que a do álbum homônimo, de 1969) especialmente para a película.

Já os Byrds aparecem num tema, Wasn't Born To Follow (Carole King, que eles coverizaram no Notorious Byrd Brothers). A música passou batido na época do lançamento mas, em Easy Rider, virou mítica.

Dispensaria comentários citar os canadenses do Steppenwolf, que aparecem com The Pusher (na cena do tráfico), do country singer Hoyt Axton (também autor de Greenback Dollar) e com Born to Be Wild (créditos), do álbum de estréia da banda, de 1968.

O curioso é que, mesmo que no filme, The Weight apareça com a The Band, na trilha sonora, por problemas de liberação do fonograma original (a Capitol não liberou), eles optaram por colocar uma versão com o Smith (que mudou o tom original da música, de Lá para Sol Sustenido), que havia tido relativo sucesso (apenas um) com uma versão de Baby It's You, do Burt Bacharach. Na edição de luxo, lançada em CD, em 2004, a versão da The Band aparece no disco, junto com outros clássicos dos anos 60, como Get Together, Groovin e A Whiter Shade Of Pale, entre outros.

O Experience aparece com If Six was Nine, do Jimi Hendrix (do Axis: Bold As Love, de 1967), a segunda faixa do Lado B. Impressionado como resultado do filme, ele resolveu compor uma canção sobre o tema, Ezy Rider, que sairia no seu disco póstumo, Cry Of Love.

Destaque para os "coadjuvantes": he Holy Modal Rounders, um duo de folk psicodélico nova iorquino, toca If You Want To Be a Bird, do seu quarto disco, The Moray Eels Eat The Holy Modal Rounders (de 68), quando eles contavam com a participação de sam Shepard, que depois viraria ator. Fraternity of Man, com Don't Bogart Me (a expressão naturalmente remete ao hábido do Hunphrey Bogart de pendurar o cigarro na ponta dos lábios. Como os americanos criam verbo para tudo, inventaram o to bogart, que seria algo como ego´pisticamente não passar o "pito para o próximo", ou seja, fica subentendida o espírito da coisa). Nada gratuito, já que atores e produção fumaram juntos toneladas de maconha durante as filmagens...

Por último, o Kyrie Eleison é um excerto da versão psicodélica dos californianos do Eletric Prunes no quarto disco, Mass in F Minor, com coleboração com um arranjador eminentemente experimental e (portanto) pouco conhecido aqui, David Axelrod, que escreveu a partitura. O Kyrie é a abertura da missa.


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segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Cry For a Shadow


Capa da primeira coletânea do quinteto


O leitor conhece "Cry For a Shadow", dos Beatles? É uma homenagem à banda de rock mais popular da Inglaterra antes dos Beatles e a primeira do gênero a alcançar o topo das paradas britânicas — e tocando somente números instrumentais.

E "Cry For a Shadow" é uma brincadeira com o estilo do quinteto de Hank Marvin, já que os Beatles eram um quarteto instrumental — muito embora, havia o detalhe: assim como os Shadows, quando eles gravaram essa canção, em 1961, John Lennon e companhia eram o backing de Tony Sheridan (como Cliff Richard era o crooner), ou seja, no fim das contas, atuavam também como banda de apoio...

Para quem não conhece os Shadows, que têm uma extensa discografia, essa coletânea é um excelente parâmetro para medir o impacto do pioneiro quinteto inglês no universo do rock. Me lembro que era quase impossível achar qualquer compilação do cunjunto por aqui e, como sempre, era preciso recorrer à CDs importados a preços escorchantes, em importadoreas e sebos por aí.

Bem, lá por 1996, a EMI lançou aqui uma série, a Gold Collection, que exumava boa parte do catálogo antigo da gravadora, mas em coletâneas que eram mais para pegar aleatório e, como sempre, saíam de catálogo facilmente. Na série, saiu um disco dos Shadows, mas a seleção musical deixa a desejar.

Pega mais as canções que, via de regra, pagavam tributo mais ao gosto do ouvinte comum (e que eram mais conhecidos dos brasileiros, lógico) do que se debruçar em singles de carreira. Mas os Shadows eram mais do que uma coletânea: é impossível não querer correr atrás dos outros LPs originais, porque é puro easy listening (música de tiozão), cai no ouvido feito uma luva.

E o segredo era justamente esse: na mesma forma dos conjuntos de jazz, eles utilizavam uma base elementar com bateria, baixo, guitarra-ritmo e solo que destilava uma sonoridade que transcendia a esfera roqueira rockabilly e boogie woogie para reelaborar outros estilos em canções de arranjos sofisticados, e que iriam influenciar a música nas décadas seguintes.

Ao contrário dos conjuntos que acompanhavam crooners na década de 50, os Shadows trabalhavam como cinco instrumentistas concentrados nos arranjos. Claro que eles não fugiram à regra: no começo da carreira, acompanharam Cliff Richard (nem os Beatles escapariam de bancarem a banda de fundo, no princípio). Mas foi como banda instrumental que eles criaram uma legião de imitadores confessos — inclusive no Brasil, como os Jet Blacks, os Clevers e os Jordans.

Nesse meio tempo, houve a “revolução” da guitarra-baixo. Na década de 50, bandas de rock usavam os gigantescos contrabaixos de jazz, os “rabecões” que até faziam o solista roubar a cena, girando-o ou marcando o ritmo, não sem estrépito.

Da mesma maneira, o novo formato permitiu a disseminação de pequenos conjuntos, já que o baixista não precisava carregar o peso morto dos velhos “contrabaixões”. A formação clássica do grupo começava com Hank Marvin na guitarra-solo (aquele com o aro dos óculos estilo Buddy Holly), Tony Meeham (depois Brian Bennett) na bateria, Jet Harris (substituído por John Rostill) na guitarra-ritmo e John Farrar no baixo.

Tudo começou em 1958, quando Hank Marvin viajou de Newcastle para Londres, a fim de tentar a sorte com um grupo chamado Railroaders, num reles concurso de novos talentos na capital inglesa. Conseguiram o terceiro lugar, ficando atrás de um quarteto de jazz e uma cantora lírica. Foi lá que Marvin conheceu Brian que, à época, castigava os couros no The Velvets.

Após as apresentações, os demais integrantes dos Roaders voltaram para casa. Decidido a seguir como profissional, Hank ficou na capital para tentar a sorte.

Com Bennet e mais dois músicos que ele conheceu no certame, eles formaram os Five Cesternuts, liderados por Pete Chester. Chegaram a editar um compacto (“Teenage Love” / “Jean Dorothy”) e apareceram na televisão, mas não foram além disso.

As coisas mudariam no fim do ano. Cliff Richard, que fazia sucesso com “Move It”, estava agendado para cantar numa turnê com o duo norte-americano The Kalin Twins. Seu empresário procurou outro band-leader da época, Tony Sheridan (ele mesmo), pois precisava de um guitarra solo para o seu grupo de apoio, The Drifters. Terminaram assinado com Hank para a turnê.

Mesmo que o baixista original fosse Paul Samwell, ele foi logo substituído por Jet Harr. Desta forma, o conjunto assinou com a mesma gravadora de Richard, a Columbia. Tudo pronto, exceto por um detalhe: o nome.

Batizados em homenagem aos americanos do The Drifiters (“Under the Boardwalk”), quando Hank e sua turma ainda eram apenas músicos obscuros, agora eles corriam o risco de serem processados por seus ídolos, que começavam a fazer sucesso na Inglaterra àquela época.

Como eram apenas o “grupo de apoio” de Cliff, escolheram o nome The Shadows (sombras). À medida em que o acompanhavam, eles corriam por fora, lançando alguns compactos solos. O primeiro, com vocais (“Feelin' Fine” / “Don't be a Fool with Love”).

A partir do segundo, fariam apenas instrumentais, com a Stratocaster de Marvin como solista. Foi quando gravaram a clássica “Apache”. Um daqueles temas, típico de filme de faroeste, como aquelas cavalgadas de épicos western, estilo Hugo Montenegro ou Enio Morricone, atingiu o topo das paradas, surpreendendo a todos.

Mais: de cara, ficou seis semanas em primeiro lugar na Inglaterra, e só não conquistou a América porque o cantor Jorgen Ingmann pegou “Apache” e lançou em compacto simples nos Estados Unidos, frustrando qualquer chance de repetir o feito inglês de ser o número um na terra do Tio Sam. Quis o destino que os Beatles tivessem essa primazia, com “I Want to Hold Your Hand”, em 1964.

Lançado em 1960, “Apache” serie o debut de uma série de sucessos. Até 1963, os Shadows emplacariam mais cinco vezes no primeiro lugar (“Apache”, “Kon-Tiki”, “Wonderful Land”, “Dance On” e “Foot Tapper”) e permaneceriam nas paradas por sete longos e produtivos anos. O primeiro disco sairia em 61.

Outra marca importante: foi a primeira vez em que um grupo daquele estilo conseguia liderar a parada com um Long-Play — fato antes apenas conseguido por artistas de renome, como Nat King Cole ou Frank Sinatra, por exemplo.

Foi um pequeno passo que mudaria a concepção de música popular. Inspirados por eles, várias bandas de rock inglês resolveram decretar o fim daquele velho estilo “baixo-contínuo” de acompanhar crooners (alguns ligeiramente cafonas) que guardavam para si os louros da fama, enquanto os músicos do “trabalho sujo” ficavam sempre em segundo plano.

Os Shadows encheriam dezenas de discos com covers, regravações, inclusive muitas de outros estilos, mas sempre com o toque pessoal deles. Parte do repertório da banda se revezava entre o rock tradicional (“Runaway”, “The Wanderer”) e trilha sonora de western (“The High and the Mighty”, “The Savage”), esta talvez a mais convincente de todas. Por último, havia o exótico em reinventar velhas canções tradicionais que não tinham mais a ver com Matt Monro do que com Elvis, como fazia Frank Pourcell.

Muitos dos seus cultores pagam tributo a um quinteto que definiu uma forma de o guitarrista solo se sobrepor como músico, além de deixar uma marca registrada que era o retrato de uma época em que o rock se reciclava do rescaldo dos conturbados e rebeldes-sem-causa anos 50 para ganhar o mundo novamente. — Desta vez, para sempre.


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sábado, 8 de agosto de 2009

O disco "brasileiro" de Trini Lopez


A capa

Trini Lopez não é muito lembrado hoje em dia, mas ele fez um tremendo sucesso nos anos 60, especialmente no Brasil, onde ele liderou as paradas com suas canções em espanhol. Trini tocava no PJ em Los Angeles, quando foi descoberto por Don Costa.

O maestro achou incrível que um artista chicano com versões 'modernas' de boleros e mariachis conseguia lotar a boate e fazer com que centenas de pessoas cantassem La Bamba junto com ele.

Além disso, ele criou versões singulares de canções como If I Had A Hammer, do Pete Seeger, e America, do musical West Side Story. Foi prontamente contratado pela Reprise, selo fundado por Frank Sinatra no começo dos anos 60. Costa queria que Lopez transformasse os highlights do seu show em disco, e assim nasceu o PJ's, que ganhou uma sequência, mais ou menos no mesmo estilo do Whisky a Go Go, do Johnny Rivers.

A partir de 1964, Trini lançou vários discos temáticos, como o Rhythm and Blues Album, o Folk Album, Love Album e o que mais fez sucesso no Brasil (nos tempos da Jovem Guarda), o Latin Album. Claro que, pela proximidade da língua e o gosto que brasileiro tem por boleros(mais ou menos como ocorreu com Nat King Cole nos seus discos em espanhol), o Latin Album ficou meses no topo das paradas da TV Intervalo (alguém lembra?).

Desse disco são os clássicos - especialmente na voz dele, Perfídia, Angelito e Quando Calienta El Sol. Lopez regravou Granada (que já aparecia no PJ's, porém cantado em inglês. Além de El Reloj, Chamaka e Piel Canela. Outra que fez bastante sucesso, Angelito, chamaa atenção por ter um baixo fuzz, e Adelita, com um trabalho acústico incrível

O sucesso foi tanto que a maioria da discografia da Reprise saiu de catálogo, exceto o Latin Album, que foi reeditado várias vezes, porém a muito custo saiu em versão digital no Brasil.

Aliás, como não poderia deixar de ser, é praticamente impossível achar seus LPs originais em CD. E como não foram reeditados os outros, a maioria das cópias que as pessoas encontram em sebos são discos de época, ou seja, bastante raros.

Alguma coisa chegou a sair, mas geralmente fonogramas eram lançados em gravadoras fantasma, que apareciam e desapareciam do mercado. Ou, pior: eram regravações que ele fez nas décadas seguintes, e saiam em coletâneas pouco interessantes.

Assim como o PJ's, o Latin Album também ganharia uma sequência.




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