quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Um feixe de cevada


A capa

O Traffic encerrou suas atividades em meados de 1969 e, desde então, a vida dos seus ex-membros virou uma novela rocambolesca: Steve Winwood resolveu se juntar a dois remanescentes do Cream (que também havia acabado um pouco antes), Eric Clapton e Ginger Baker.Com Ric Grech, criaram um super-grupo, o Blind Faith.

Além de amalagarem as tendências musicais de suas antigas bandas, também introduziram nela o espontâneo germe da efemeridade. Duraram um disco (excelente) e uma mega-turnê (tumultuada). Além disso, Clapton caiu de arrufos com um dos conjuntos que abriam os shows para o Blind, a Delaney, Bonnie And Friends (ali conheceria Duane Allman, mas essa é outra história) e meio que deixou os seus companheiros em segundo plano.

O Faith acabou, Clapton começou a criar o Derek And The Dominos, e os remanescentes do Traffic agora se envolveriam com outro breve projeto com Mick Weaver — Mason, Capaldi, Winwood And Frog.

Também efêmero, durou apenas algumas apresentações ao vivo pela BBC no programa do John Peel. Nesse meio tempo, Steve, Ginger Baker e Ric integraram mais um projeto “super-banda-efêmera”, a Ginger Baker’s Air Force, um mistão do Blind Faith com o Traffic. Cansado dessa dança das cadeiras musical, Winwood resolveu voltar ao estúdio; dessa vez, para investir em um trabalho solo.

Porém, contudo, todavia, à medida em que Jim Capaldi e Chris Wood foram recrutados para trabalhar no disco, ele acabou se transformando no quarto álbum do Traffic — John Barleycorn Must Die.



Sem Dave Mason e muito distante dos arroubos psicodélicos dos anos 60, John Barleycorn é uma incursão muito interessante dentro do universo do jazz rock sem, no entanto, se tornar um trabalho hermético ou prolixo. Um exemplo é a instrumental Glad, um dos temas mais instigantes do LP, com seus solos de piano e de sax (por parte de Wood, um excelente e pouco exaltado solista, diga-se de passagem — talvez um dos maiores solistas de sopro da história do rock).

Freedom Rider lembra vaga mente o Spencer Davis Group da fase soul de I’m a Man — assim como em Empty Pages. Na triste Stranger To Himself, Winwood toca todos os instrumentos (esse era o seu objetivo inicial, ao conceber o álbum).

A acústica John Barleycorn (com um fingerpicking excelente de Winwood num folk 12 cordas), a mais conhecida (e sem dúvida a mais bonita) (e mais conhecida) do disco, é uma canção folclórica inglesa do Século XVI, que se refere à tentativa de um homem de se livrar do vício da bebida) inspiraria o livro Memória de Um Bebedor, de Jack London, mas isso também é outra história). Na verdade, trata-se de um mito que representa (explica através de) uma metáfora da morte da cevada, ou da colheita para o nascimento da bebida.

Baseada na canção, a ilustração da capa é um feixe de cevada. Sem muita pretensão, Wood, Steve e Capaldi fizeram uma verdadeira obra-prima e, de quebra, o melhor disco do Traffic.



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terça-feira, 7 de setembro de 2010

Led Zeppelin III e o "Espaço Vital"


Capa


Depois de quase três anos vivendo entre quartos de hotéis, palcos e conexões aéreas intermináveis, Jimmy Page e Robert Plant decidiram entrar numa vibe mais low profile e tirar férias...para trabalhar. De qualquer maneira, o objetivo principal era sair daquele mundo estressante do jet set, de turnês e viagens para mudar de ares. O local escolhido para esse exílio voluntário foi um sítio do Século XIX em Bron-Yr-Aur, recando calmo como uma vivenda campestre, no País de Gales, onde o jovem Plant costumavaam passar as férias com a família, nos anos 50. Assim como aconteceria com os Stones, aquele bucólico local ficou marcado pela passagens dos membros do Led Zeppelin.

Aí lá, eles resolveram ficar isolados e procurar anovos rumos para a sua música. A começar pelo fato de que não havia eletricidade ali – o que os forçou a compor desplugadamente em guitarras acústicas. A transa musical deles agora estava em procurar novas influências musicais, desde a música celta ate novos tipos de afinações, inspirados em trovadores como Roy Harper e Davy Graham – que fez a cabeça de muita gente naqueles tempos, até Bert Jansch, poeta escocês cujo primeiro disco fez escola.

De certa maneira, Plant sempre rejeitava o rótulo simplista “heavy” para a sua música (isso vocês sabem), defendendo que ele concebia uma sonoridade acústica para o Led. Logo, não foi difícil para a banda incursionar pelo mundo do acústico (cuja segunda parte do álbum é dedicada).

Tanto que o próprio trabalho de John Bonham no álbum é mais discreto, com relação aos seus bolachões antecessores. E, com efeito, tais elementos incidiram sobre as novas composições da dupla principalmente no estilo das melodias folk (como That’s The Way, com uma profusão de violões e mandolins que soavam como os antigos discos do Buffalo Sapringfield e, como não poderia deixar de ser, a crítica logo associaria o novo som do Led ao de Crosby, Stills, Nash & Young) ou eficientes abstrações country-rock, como Bron-Yr-Aur Stomp, tão longe da bizantina pauleira dos primeiros trabalhos, causasse estranheza em certos fãs.

A própria experiência de experimentar afinações diversas, ao estro de Davy Graham possibilitaram temas tão peculiares como a sonoridade de Hats to Roy Harper, onde Page conseguia fazer um violão rascar quase feito uma guitarra velha de cordas puídas, como aquele sunburt do Robert Johnson. em suma, esse tipo de produção resume bem o que é um trabalho eficiente e criativo de produção, composição e, principalmente, ambição.

Parêntese: Eu, nunca tinha parado para ouvir a guitarra do Page (vergoha total, desculpem) e as produções nos primeiros discos com uma visão mais, vamos dizer assim, despida de fanatismos de fãs de primeira ordem. É estranho porque eu deva ter torcido várias vezes o nariz para eles porque eles faziam um sucesso bestial de crítica e de público e absolutamente eu achava que o melhor em matéria de estética rock se resumisse ao padrão musical dos Beatles. Depois eu fui ouvir coisas como Hendrix e realmente eu achava bestial ouvir o Hendrix.

Mas a impressão que eu tenho hoje, a despeito de todo o talento dele era que era ou em parte tolhido pelas produções do Chas Chandler, e de fato, era,porque ele tinha uma concepção musical de criar em cima da guitarra que não cabe num espaço de três minutos. E, de fato, acho que foi uma luta para que os então músicos de rock do futuro conseguissem desdobrar produtores tacanhos ávidos por bandas de sucesso e criar o próprio trabalho à vontade, montando estúdios próprios e conseguindo criar contratos favoráveis no sentido demonstrar que era possível criar além dos ditames do mercado e mostrar na prova dos nove que o público também estava mudando. Só que eu pego o exemplo do Hendrix porque acho que ele tinha a noção de “espaço vital”, mas os discos acabavam se tornando meio que colcha de retalhos, como o Eletric Ladyland, que eu acho sensacional, contudo não tinham uma direção definida.

Enfim, eu tracei esse paralelo Hendrix/Page porque acho que,semquerer comparar o trabalho do Led e do Experience,acho que o Page pôde ter a liberdade de pegar a agressividade do Hendrix e a compliexidade musical de discos comoo Ladyland para gardar aquilono cabedal que é a música do Led Zeppelin, ou seja, quando eu ouço o trabalho de guitarras da banda do Plant, eu vejo o Hendrix, além do Hendrix, mas noutro sentido,o de encaixar e distribuir passagens e riffs de forma mais escorreita. E claro que, ao contrário do Jimi, que entrava em conflito com o Chas, oPage tinha carta branca da gravadora e do empresáriopara ouvir um: "vai lá e faz o que você quiser no seu disco, eu sei do que voc~eé capaz". Hendrix, como todos sabem, tinha quase tudo contra ele, e fazia música acima de tudo, e desapareceu quando emfim iria,por exemplo, tero seu próprio estúdio, a fim de obter ampla liberdade criativa. Ele foi barrado pela vida quando estava finalmente na demanda do seu espaço vital.

E eu sinto que o Page, com o conhecimento que ele adquiriu com os Yardbirds, foi um cara que teve a noção exata de aprender com o que ele via ao redor, e como produtor, ter sido capaz de empreender esse passo à frente dentro do rock, pegando todos os elementos necessários para elaborar essa nova estética sonora, no sentido que as músicas do Led Zeppelin tinham uma tendência a se tornarem longas, assim como os seus álbuns não um hit singles pack, mas uma produção que encerra-se em si mesmo, como algo definido, mas ao contrário do Hendrix, que se perdia em experimentações, e nesse sentido ele foi vital para o desenvolvimento da guitarra e técnicas de distorção, e outras coisas e ele naturalmente fez canções excelentes, mas caberia a outros pegarem as armas. Nesse sentido, acho que, pegando o exemplo do Led/Page, ele conseguiram chegar na exata essência de criar canções longas, mas serem estritamente econômicos na forma, enquanto exuberantes e diversos em cada arranjo.


E acho curioso imaginar que realmente se paga o preço por ousar, ou nem tanto: a idéia é justamente essa,pelo menos numa época em que era necessário abrir portões para criar a música, diferente de hoje, quando não iria me referir ao fato de que a produção musical e inferior, mas a verdade é que tudo se diluiu, e todas as estéticas foram desfraldadas. O que resta é a memória.

O terceiro do Led eu acho sensacional, muito embora eu ache o folk inglês, ou pelo menos de raiz celta (vide Pentangle, por exemplo), eu acho difícil de ouvir, e isso é evidente e abundante no III. Mas o Led Zeppelin conseguiu adaptar esse tipo de música à sua maneira, ou seja, mais reconhecível de quem já conhecia a música deles, mas claro que, na época, houve relativa resistência à uma banda de hard rock desplugar-se. Mas esse era o espírito "espaço vital" para criar.

E a repercussão de Led Zeppelin III perante a crítica e público foi controversa. Plant diz: “eles nos paravam, e perguntavam: onde vocês querem chegar com isto? Onde está Whole Lotta Love parte 2?”, lembra. “Eles queriam que nós soassemos como o Paranoid, do Sabbath!”. De fato, não deixava de ser uma injustiça. Afinal, o disco tem o seu lado elétrico, com Immigrant Song e o blues épico Since I’ve Been Loving You, com um trabalho longe de qualquer suspeita de John Paul Jones num Hammond – um tanto díspar do bucólico lado 2. enfim, a história cuidou de dar o devido valor a Led Zeppelin III. E acho que é o melhor álbum para começar a conhecer a música da banda de Robert Plant (o primeiro também).





Vocês já ouviram ele, mas link nos comentários.