terça-feira, 29 de junho de 2010

O Álbum Branco de Dylan

Em fins de 1969, o New York Times largou essa nota:





O artigo era a respeito da considerável repercussão que um álbum lançado no mercado negro (um bootleg) norte-americano, contendo material inédito de Bob Dylan. O disco, intitulado Great White Wonder, cuja concepção (era branco e duplo)remete ao White Album, dos Beatles, havia sido destaque na Rolling Stone em junho do ano anterior, em outro artigo, Dylan's Basement Tape Should Be Released.

O disco caiu nas ruas e a notícia dá conta de que a gravadora do autor de Blowin' In The Wind, a Columbia, ia tomar todas as medidas necessárias, cabíveis e possíveis a fim de tirar aquele escandaloso disco das lojas.

A história é a seguinte: em 1967, no auge do Verão do Amor, Dylan foi morar no mato nos arredores de Nova Iorque. Pessoal da antiga banda de apoio dele, os Hawks, que tinha relação como empresário dele na época, o Al Grosmann, acabou indo também para lá, e armaram um Q.G num casarão cor-de-rosa que entraria para a história do rock.

O porão da casa virou um estúdio improvisado. O bando ficou boa parte do verão e do outono gravando, compondo material novo &/ou fazendo covers de temas folk antigos, tudo gravado em rolo. Gravaram mais de cem músicas. Muita coisa os Hawks não sabiam se eram do Bob Dylan ou covers, mesmo. Mas era só clicar no Play/Rec e pagar para ver...


A capa

Dylan saiu de lá no fim de 67 para gravar seu próximo disco, o John Wesley Harding, um trabalho totalmente apsicodélico. O curioso é que, para isso, ele dispensou os Hawks e o que ele gravou, com um grupo de Nashville (como fizera com o Blonde On Blonde), não tinha nada a ver com aqueles demos do porão.

O resultado da brincadeira foram rolos e rolos de música. Parte do material inédito seria mandado para a editora musical dele e de Grosmann, a Dwarf. Esse mesmo material foi passado para acetato — e eis que o astuto Grosmann não se fez de rogado: mostoru as novas canções para outros artistas (alguns empresariados por ele), que se interessaram em levar para o disco.

Assim se deu: por exemplo, o Fairport Convention gravou Million Dollar Bash, Manfred Mann registrou Mighty Quinn; Peter, Paul And Mary gravou Tears Of Rage, os Byrds, por sua vez, fizeram a festa: gravaram You Ain't Goin' Nowhere and Nothing Was Delivered e Wheel's On Fire.

Os Hawks — agora já batizados como The Band — gravaram Tears Of Rage, Wheels On Fire. George Harrison, que era amigo do Dylan, ouviu esse material e mostoru para seus três amigos. Diz-se que a idéia das sessões do Get Back foram inspiradas pelas sessões de Woodstock. De forma descompromissada, inclusive, ele e o Paul gravaram respectivamente I Shall Be Released e Please Mrs. Henry, na Apple.

A questão era justamente tentar entender porque depois de um ano, as gravações não foram lançadas oficialmente pela Columbia, e por que elas se diseminaram como sífilis pelo meio musical de forma endêmica. Quando a Rolling Stone se perguntou por qual razão as fitas não tinham um destino lógico, parte delas saiu na famosa versão bootleg, o Great White Wonder.

O disco, concebido por algum colecionador norte-americano, caiu nas lojas em 69. Ele passa por três fases do compositor.

A primeira, é uma gravação caseira, de 1961, onde ele toca parte do seu repertório do começo da carreira, que se assemelha naturalmente com o seu primeiro álbum: Candy Man, Ramblin' 'Round, Black cross, Ain't Got No Home, Death of Emmett Till e duas que foram lançadas oficialmente, See That My Grave Is Kept Clean e Man of Constant Sorrow.

A segunda cobre já a fase "elétrica", com material inédito do Bringing All Back Home: If You Gotta Go, Go Now (Or Else You Got To Stay All Night) e Sitting On a Barbed Wire Fence.

A terceira finalmente traz a peça de resistência do Álbum Branco de Dylan: highlights dos tapes de Woodstock, antes registrado em acetato: I Shall Be Released, Open The Door, Homer, Too Much of Nothing (que Petr Paul And Mary gravaram), Nothing Was Delivered e a belíssima Tears of Rage — composto em parceria com Rick Danko e que se tornaria um clássico com a The Band.

Esse material passou a ser pirateado largamente nos anos seguintes, e o Great White ganharia uma segunda parte. Dylan decidiu regravar oficialmente algumas canções, como I Shall Be Released e You Ain't Going Anywhere, que saíram no Greatest Hits II, de 71.

Em 1975, a fim de tentar estancar a pirataria infrene, a Columbia remixou parte dos masters de 1967, regravando alguns instrumentos e incluindo coisas que não nasceram oficialmente em Woodstock, como Katie's Been Gone e Bessie Smith, que são da The Band/Hawks e lançaram o conhecido The Basement Tapes.


O oficial

Detalhe é que, mesmo que objetivo e conciso, a versão oficial deixou muita coisa de fora. Um exemplo é Quinn The Eskimo, que só foi lançado pela CBS na coletânea Biograph, de 1985. E, a rigor, nenhuma versão do Great White Wonder é idêntica a do Basement Tapes. Outro: I Shall Be Released, cujo título é o mote do artigo da Rolling Stone, aparece no GWW mas não saiu no elepê duplo de 75.

E é claro e cristalino que, depois de quarenta anos, esse bootleg — considerado como um dos primeiros da história, junto com o Kum Back, dos Beatles e outros, possui apenas valor histórico: muito desse material viu a luz do dia no Bootleg Series 1961-1991.





Link nos comentários.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Com vocês, os Coasters


Single de Searchin'


É impossível não falar dos Coasters sem falar da própria história
de um gênero musical que obteve grande sucesso nos anos 50, o Doo-wop.

Mesmo que possa ser considerado datado, como quase todo o repertório típico da parada 'jovem' dos anos 50, em especial o rhythm'n blues daquele tempo, esse estilo musical está imbricado à sonoridade daquela que foi a primeira dentição do rock. O rock que, desde a sua gênese, nunca escondeu o seu conûbio fundamental com a música afro-americana.

Contudo, o Doo-wop como estilo — um conjunto vocal negro, inspirado nas harmonias do gospel, já existia pelo menos duas décadas antes. Mas foi justamente nos anos 50, no auge da efervescência do rock'n roll que ele floresceu, a ponto de emoldurar a trilha sonora de toda uma geração.

Para tanto, basta pegar algo como a trilha sonora original do filme American Grafitti (dirigido por George Lucas, em 1973, aqui no Brasil, conhecido como Loucuras de Verão). O estilo marcante é a harmonização de vários vocais como baixo contínuo ao cantor principal, geralmente à capela — o que explica a origem onomatopáica do gênero.

A partir de meados dos anos 50, começaram, a surgir vários desses conjuntos, na maioria capitaneados pelo programa do antológico Alan "Moondog Freed, na rádio WAKR de Akron Ohio para toda a América. Freed foi o pioneiro em divulgar grupos afro-americanos do tipo e se tornaria célebre por divulgar o rock nos tempos da Ten-Ten Wins, em Nova Iorque.

O Doo Woop conseguiu atingir o mainstream com grupos como The Moonglows, The Penguins (com o mega sucesso Earth Angel) e o mais conhecido de todos, The Platters (Only You, Twilight Time, The Great Pretender, entre outros).

Na esteira desta voga, vários outros nasciam por todos os casntos, caiam de árvores, escorriam pelas paredes: The Marcels, The Drifters, The Moonglows, Clovers, The Dominoes, The "5" Royales, The Flamingos, The Dells, The Cadillacs.

Os Coasters


Tirando os Platters — que era hors concours, é claro, o conjunto que mais se destacou naquele tempo (levando-se em conta que era ligeiramente difícil diferenciar todos eles) foram os Coasters.



O quinteto, em 1958

Isso se deveu, com efeito, por dois fatores: o primeiro, pelo estilo escrachado e bem-humorado de Carl Gardner e Billy Guy na forma de interpretar as canções; segundo, porque eles tinham na retaguarda ninguém menos que Jerry Leiber e Mike Stoller como compositores.

A colaboração entre Leiber-Stoller e os Coasters começou ainda na Spark Records, em 1955, quando elss e chamavam The Robins. O primeiro sucesso foi Smokey Joe's Cafe. O single chamou a atenção dos executivos da Atlantic Records, que os contratou (seriam estrelas da subsidiária da Atlantic, a ATCO), dando liberdade total para a dupla de compositores e a banda. O quarteto se formaria definitivamente com Obie Jesse and Will "Dub" Jones.

Jerry e Mike, que se notabilizaria como o grande negócio da indústria fonográfica de então e a maior (e prolífica) fábrica do rock em termos de composições originais, atingindo mentes e corações dos jovens da América como um golpe de florete. Os Coasters, por sua vez, seriam os intérpretes de temas inesquecíveis, com letras nonsense tipo "pergunta-e-resposta", tais como Charlie Brown, Young Blood, Searchin' e Yakety Yak, por exemplo.

- And then he grabbed her!

- And then...?
- He tied her up!
- And then.........????
- He turned on the bandsaw!
-And theeeeeeen, and theeeen...??



O destino de todas elas era, invariavelmente, o Top 10 da Billboard. Along Came Jones, Little Egypt (Ying-Yang), Three Cool Cats. Framed, por exemplo, brincava com Stop-time Chicago Blues de Willie Dixon e Muddy Waters (Hootche Cootchie Man, Mannish Boy), assim como Riot In Cell Block #9.

E a maioria delas já nascia clássica, recebendo dezenas de regravações. Searchin' viraria standard de várias bandas dos anos 60. Riot In Cell Block #9 foi regravada pelos Beach Boys, nos anos 70. Youngblood fez parte do repertório dos Beatles no começo da carreira. Poison Ivy" (#1 por um mês na Billboard R&B) & "Little Egypt (Ying-Yang). Poison Ivy foi gravada pelos Rolling Stones, em 1964.



Como aconteceu com a maioria dos astros do rock dos anos 50, o sucesso dos Coasters diminuiu á medida em que o gosto musical do público foi mudando e o rock foi perdendo muito de sua força, até que uma época desapareceu com ele — pelo menos por um hiato de tempo até a segunda onda, a partir da Invasão Britânica. O último grande sucesso Leiber-Stoller do grupo foi Love Potion No. 9 (mais conhecida pela versão de outro conjunto Doo Wop, os Clovers), em 1959.

Os Coasters acabaram, mas sua música permaneceu no repertório de toda banda de rock a partir de então. O próprio prestígio que suas canções gozavam ao serem reinterpretadas por gente como Spencer Davis Group, Searchers, Lovin' Spoonful, Jim Kwensky Jug Band, Monkees, Righteous Brothers, além de Beatles, Hollies e Stones, mostram como seu estilo transcendeu sua própria origem, e orientou a performance dos conjuntos de rock a partir dali.

A banda passou por várias formações desde então, se apresentando em revivals da música dos anos 50. Eles se apresentam regularmente até hoje.





Link nos comentários.

terça-feira, 22 de junho de 2010

A Love Supreme *


"Louvação a alguma divindade",
diziam os críticos

Em 1962, em Paris, fugindo de uma incontrolável legião de admiradores, um saxofonista negro escapou de um pub onde havia tocado e surpreendido a todos com a sua música.

Enquanto todos o procuravam para bisar mais um de seus números, ele havia se enfiado numa quitanda, há algumas quadras dali. Comprou duas maçãs. Levou o embrulho no bolso para comer sozinho em seu quarto escuro no hotel. O tímido saxofonista era o norte-americano John Coltrane (1926-1967).

Retraído, seus hábitos circunspectos impressionavam os repórteres, que pareciam não acreditar que aquele homem simples e solitário que dava respostas lacônicas foi capaz de mudar a história do jazz em apenas cinco anos.

Dentro de cena, porém, ele se transformava: era um profeta musical, munido de um sax tenor e uma paleta cheia de cores imaginárias, que iam da fúria doutrinária do be-bop à fina delicadeza quase displicente do cool. Sob os holofotes, o nosso herói frugal se transformava num gigante inexpugnável.

Coltrane nasceu numa pequena cidade da Carolina do Norte, chamada Hamlet. Foi morar na Filadélfia quando era adolescente. Ali ele travou conhecimento com o sax e estudou em dois conservatórios diferentes. Conheceu o rhythm’n blues. Viu Laster Young e Johhny Hodges (o lendário saxofonista de Duke Ellington) tocar. Pouco depois, o vemos como membro da banda do “revolucionário” do bop, Dizzie Gilespie, o maior divulgador do estilo.

Só ficaria famoso quando foi guindado à banda de Miles Davis, já nos anos 50, como o sideman do “pai do cool” em momentos inesquecíveis, como a versão daquele quinteto de Miles tocando versões clássicas de clássicos como “Autumn Leaves” e “Stella by Starlight”.

Já careta, Davis expulsou o jovem John do quinteto, que havia se viciado em heroína. Ocorre que, naquele momento, a papoula era a musa inspiradora de quase todos os músicos de jazz, de Charlie Parker a Stan Getz. Mesmo desempregado, teve talento suficiente para chamar a atenção de Thelonius Monk, que o convidou para integrar seu conjunto.

Foi quando ele teve a sua revelação espiritual. Abandonou as drogas — até o cigarro — e passou a estudar muito cultura e religiões orientais. Também ouviu muita música africana e indiana, numa incansável busca de um ponto de equilíbrio existencial. Aliás, essa procura consumiria o resto de sua vida e carreira. Nesse sentido, Coltrane passou a canalizar todo o tipo de busca e experiência particular na sua música. Mais idéias, mais energia, mais notas, mais acordes, mais tudo.


Com Miles

Até então, ele era apenas um bom solista, influenciado por Dexter Gordon. Alguns o questionavam: achavam Sonny Rollins mais “independente”, com mais personalidade, mas definido como saxofonista do que Trane, que, para seus indecisos detratores, tinha um certo “bloqueio” nas suas improvisações e indecisão quanto ao caminho a seguir. E ele sabia muito bem as suas limitações.

Foi quando Charlie Parker morreu — e toda uma época desapareceu com ele. Agora, com Monk, ele teve que repensar todo o seu talento e se adequar ao estilo do autor de “Round Midnight”.

O que realmente o diferenciava era a sua curiosidade intelectual e capacidade de transpor códigos diversos em seu código musical. No fim de 1957, cheio de idéias, acabou retornando à Miles, desta vez regendo um sexteto. Trane era outro. Parecia mais definido e decidido: as frases saíam do sax tenor exuberantes, subversivas, em torrentes de notas vertiginosas, ásperas, provocativas. Em setembro, ele também já dirigia sessões fonográficas com seu nome.



Nesse mês, veio à lume o primoroso Blue Train (com Lee Morgan duelando com o solo no trompete, Paul Chambers no contrabaixo, Kenny Drew no piano e Phily Joe Jones na bateria). Aqui, Trane demonstrou que arquitetava novos espaços em sua música, fazendo uso de temas condutores que ficavam quase irreconhecíveis sob um congestionamento de frases torturadas, e que cuja melodia se disseminava por toda a banda, intercalando com momentos de total introspecção.

Sua música era alicerçada no dinamismo do be-bop, mas com um fôlego mais amplo e profundo. Com Miles, ele se afirmou num verdadeiro craque, capaz de converter platéias com seus solos e ombrear sus arte com Rollins ou Getz, seus pares de sax tenor. Mais: John chegou a influenciar membros da banda, como “Cannonball” Adderley.


Um Passo à Frente

Mais livre com relação ao seu estilo, ele iria retomar a tradição do jazz em Giant Steps, de 1960. Dentro do código do seu instrumento, nada lhe parecia estranho. Era possível ouvi-lo dialogar com todos os paradigmas do sax, mesmo que, naquela altura, era evidente que ele já havia superado a todos os que o precederam — sem contar os seus próprios músicos.

Ainda assim, Giant Steps não significava uma ruptura. Hoje, sua fórmula até soa como se fosse superada mas, em 1960, parecia algo latente, ardente, inquietante. De mero aprendiz, Coltrane era um mestre que levitava e movia montanhas, tocando em todos os registros.

Extenuado de executar sempre os mesmos acordes simples, John optava cada vez mais pela anarquia sonora. Nesse momento, ele via que deveria dar um passo à frente, mesmo que o seu vanguardismo fosse taxado de carência de técnica. Agora, ele precisava apenas de um bom conjunto, que avalizasse o seu ambicioso projeto musical.



No ano seguinte, encontramos John Coltrane com sua própria banda: um quarteto, formado pelo “irmão” McCoy Tyner ao piano; Jimmy Garrison no contrabaixo e Elvin Jones — um mestre nos ritmos complexos — castigando os couros.

Eles lhe dariam um impulso análogo à Mitch Mitchell e Noel Redding para Jimi Hendrix. O solista é colocado em uma posição ideal, com um baixo contínuo riquíssimo e estimulado pela potência do acompanhamento rítmico. A partir de então, ele passou a tocar também o sax-soprano (aquele que tem o corpo reto, e que marcou época especialmente com Sidney Bechet, o velho mestre de New Orleans).

Apesar de não ser afeito a vibratos, como Bechet, foi com esse instrumento que ele gravou “My Favourite Things”, uma pequena valsa do “My Fair Lady” que se transformou no “cavalo de batalha” de John Coltrane, e que influenciou toda uma geração de músicos — inclusive de rock n’roll.



Falando em rock, um exemplo de como a música “coltraneana” ia além do pequeno e fumacento mundo dos artistas de jazz para chegar aos ouvidos insuspeitos de insuspeitos artistas de gêneros diversos, o guitarrista Robby Krieger, dos californianos The Doors, que mimetizou o formato do solo entre sax e piano na concepção do conhecido e extenso instrumental de “Light My Fire”. O tema chegou às paradas de sucesso, apesar da extensão da faixa, que contava com mais de doze minutos, muito maior e inextrincável do que “It’s Now or Never”, o número 1 de Elvis Presley naquele ano. Santana e John McLaughlin também eram devotos da religião de Coltrane.

Este, por sua vez, chegou a fazer uma versão de “A Love Supreme”. O curioso é que muitos acabaram conhecendo o saxofonista através dessa sincera “homenagem”.

Quando admitiu ter chegado a um modelo elementar para a sua música, Coltrane colocou sua profunda fé religiosa para conciliar o contraditório de viver numa sociedade que segregava negros e os colocava no banco de trás dos ônibus, e que viu um negro e um branco tocarem jazz juntos apenas em fevereiro de 1948, numa apresentação memorável no Town Hall de Nova Iorque, com Jack Teagarden e Louis Armstrong. Trane nunca expressou o que sentia sobre isso, mas era explícito que ele via e sabia de tudo — ele confidenciava em suas canções.

Sua trincheira contra os problemas do mundo era a sua teoria estética, onde ele podia lidar com todas essas coisas. Também foi o saxofonista quem certamente “inventou” a chamada world music muito antes de que alguém pensasse em rótulos. Foi a busca de uma linguagem universal que o fez amalgamar códigos sonoros de várias partes — Oriente, África, Espanha.



Muito antes dos hippies, John ouvia Ravi Shankar, de onde elaborou a sua fase modal. Sua curiosidade intelectual lhe fazia ultrapassar ciclos que, em pouco tempo, transcenderiam as barreiras do jazz.
Em meio à efervescência do rock, “My Favourite Things” fez com que Coltrane se tornasse uma estrela, ganhando mais dinheiro que Miles Davis, tocando algo alienígena aos ouvidos dos jovens de sua época. Logo o jazz, que mais parecia uma música feita para músicos.

Ele hipnotizava suas platéias com seu sax-soprano e sua sonoridade de encantador de serpentes e se transformou em mito — mais ele pouco ou nada se importava. O importante para ele era apenas a sua música. Porém, seus músicos, e boa parte de seu público, compartilhavam daquela sua crença — quase mística. Se antes Coltrane conseguia mover montanhas com sua música, agora ele seria capaz de andar sobre as águas com o estro de seus solos indecifráveis. É notável, ainda hoje, ver a química do lendário quarteto de Trane.

Era algo além de uma execução musical comum.


Um Cosmopolita

Eles estão no palco ou no estúdio, tocando. Mas parecem estar muito longe dali. O piano de McCoy Tyner parecia fazer desenhos nas nuvens com as mãos, para que o sax desenhasse o céu azul a cada síncope do baixo de Garrison. Elvin Jones parecia premeditar cada movimento de Tyner, e eles criavam uma seção que formava o imenso tapete vermelho onde as linhas melódicas de John singravam heróicos, como os argonautas e suaves, como o sol pela vidraça, onde predominavam as chamadas sheets of sound (traduzindo como “folhas” ou “camadas de som”), que se compunham de longas frases de notas rápidas, e que seria uma espécie de marca registrada daquele estilo.

— Durante certo tempo, eu me preocupei com acordes —, disse Coltrane a Jean Clouzet para a revista francesa Cahiers du Jazz.

— Agora, — continua ele — começou para mim o período modal. Se toca muita música modal na África, onde ela tem um destaque extraordinário”, explicou. “Mas, se estendermos o olhar para qualquer país, Escócia, China ou Índia, veremos que é sempre esse gênero de música que se expõe. Existe uma base comum. E é isso o que me inspira como meta — revelou.

Foi dessa pesquisa e dessa fase “cosmopolita” que nasceram álbuns como Ole Coltrane, Africa (com a colaboração de Eric Dolphy na flauta) e Africa Brass.


Um Clássico. Ou melhor "o" apocalipse do jazz


Em 1964, ele começa uma nova fase em sua carreira: a partir daí, com sua larga experiência dentro dos esquetes possíveis no espectro de possibilidades técnico-expressivas e o horizonte cosmopolita de sua linha de pensamento musical fizeram com que ele elaborasse a sua profissão de fé, a sua liturgia sonora: A Love Supreme.

Obra-prima por excelência, momento único da música. Como se fosse um missal de notas e sons, o álbum é dividido em quatro partes — Aknowledgement, Resolution, Pursuance e Psalm. Uma execução sagrada e secular, algo como uma Missa Solemnis, segundo Coltrane. Mais que um jazzista, para os críticos, Coltrane era um pregador sem palavras, ou por outra: sua palavra se valia da linguagem jazzística no sentido de uma “panevangelização” de sentimentos elevados através da música.

Os temas tecnicamente já expõem a nova realidade modal. Como apregoaram os críticos, uma louvação a alguma divindade, onde o poder de Deus pode também ser ouvido como uma afirmação do poder criativo da humanidade. De qualquer maneira, a sua visão mística já estava instaurada, de tal arte que seria um componente constante na carreira de Coltrane até o fim de sua carreira. Como disco, A Love Supreme bateria todos os recordes de vendagem para um gênero tão “difícil” e o seu alcance de público foi algo inimaginável, transcendendo a esfera dos meros diletantes da sua música.


Acima de tudo...

Mesmo oriundo do bop, ele já trazia em si a semente de uma partitura aberta, sendo um precursor do free jazz antes de seu papa, Ornette Coleman, e um membro do gênero com Ascencion, quando se une a músicos “free” como o baterista Rashied Ali, os saxtenoristas Archie Shepp e Pharaoh Sanders, numa orgia sonora de 38 minutos. Sanders foi o sucessor de Eric Dolphy, que morreu em 1964.

Nesta fase, nos últimos trabalhos de Coltrane, Om, Kulu Sê Mama e Meditations. O primeiro álbum é uma incursão pelo universo indiano (“Om” é uma palavra que designa divindade); Kulu..., de raiz africana, traz ênfase na parte rítmica, onde John faz uso de mais um baterista (Frank Butler). Meditations, seu canto de cisne, é um missal composto de notas musicais.

Aqui, a forma como ele evoluiu do jazz elementar para a liberdade absoluta de criação. Ascension é sua segunda obra-prima desse período, quando Trane viaja para além da harmonia tonal, e sua música se torna uma partitura aberta, às raias do impressionismo abstrato.


Blue Train

Os registros fonográficos posteriores de John Coltrane se resumiriam a aparições ao vivo, como o clássico Live at Village Vanguard Again. Com o tempo, a única mudança na banda foi a entrada de Alice McLeod — segunda esposa do compositor — no lugar de McCoy Tyner. Porém, as coisas mudariam a partir de então: durante uma excursão japonesa, em fins de 66, Trane começou a sentir dificuldades de andar. Mesmo doente, ele se recusou a ser internado.



O problema continuou, entre alguns show esporádicos e sessões de gravação, até julho de 1967, quando ele realmente teve de ser conduzido a um hospital em Long Island. O diagnóstico: infecção hepática aguda.

Morreu um dia depois, em 17 de julho. Amigos disseram que, na verdade, foi sua timidez quem o matou. Ele não teve coragem de pedir ajuda a qualquer médico e, quando foi compelido a tal, era tarde demais.


Coda

Para Coltrane, que havia colocado o gênero que nasceu nos tempos de Buddy Bolden e dos creoles de New Orleans num patamar espiritual, segundo alguns de seus amigos, restava apenas ultrapassar a última porta. Sua morte — em pleno auge — foi certamente a maior perda no mundo do jazz depois de Charlie Parker. A diferença entre ele e “Bird”, porém, estava na simplicidade e o caráter sóbrio, taciturno e introspectivo de sua atitude como homem e músico.

Sobre este aspecto do compositor, escreveu o crítico André Francis: “em tudo a vida de John Coltrane é exemplar. Nenhum escândalo, nenhuma fraqueza, quase nenhuma anedota frívola: música, isso sim, acima de tudo”.




Blue Train (Blue Note, 1957)

1. Blue Train
2. Moment's Notice
3. Locomotion
4. I'm Old Fashioned (Jerome Kern)
5. Lazy Bird

A Love Supreme (Impulse!, 1964)

1. Acknowledgement
2. Resolution
3. Pursuance
4. Psalm

* Texto publicado pelo blogueiro originalmente em 2004, no site www.rabisco.com.br (adaptado)



Links nos comentários

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Moon In June


Clássico do Soft Machine


Antigo reduto calvinista e católico, Cantebury, é o berço e túmulo de do dramaturgo elizabetano Crhistopher Marlowe, a cidade onde fica a catedral de San Thomas Beckett, para onde os personagens do clássico livro de contos de Geoffrey Chaucer rumam para peregrinação e é a terra do Soft Machine.

Por conta deles, e de outros conjuntos como Gong, Gilgamesh e Caravan, ela se notabilizou, nas últimas décadas, por ser o lugar onde nasceu uma das cenas musicais mais singulares de todos os tempos.



Misturando incialmente Freejazz (no começo dos anos 60) e psicodelismo e música concreta num segundo período (fim da mesma década), esta cidade, localizada no extremo sudeste da Inglaterra entrou par a história da música pelo seu caráter vanguardista. Já o Soft Machine, como integrante desse “movimento”, passou por todas as suas fases.

O Third, de 1970, é o paroxismo da experiência sonora empreendida por Robert Wyatt e grande elenco. Disposta como uma suíte em quatro partes, o álbum (originalmente um vinil duplo) explora, dentro da linguagem do jazz fusion todas as possibilidades do gênero, num sentido cognato ao que Miles Davis buscou em Bitches Brew.

A diferença reside no fato de que o (então, com adição de músicos especialmente para o disco) septeto britânico utiliza elementos oriundos do rock e da música concreta — e uma estética que seguia mais os passos de John Coltrane da última fase, como do disco Sun Ship, por exemplo — ao passo que Miles optava por africanismos e fundamentos que ele trouxe da própria escola do jazz, onde ele nasceu e se fortaleceu.

Pois Third cria um duelo sonoro entre uma seção eletrônica, com sintetizadores (um Hammond e um Hohner Pianet) e tape loops (utilização de cortes de gravações de rolo ao contrário) e outra, baseada em instrumentos de sopro (dois sax, um alto e um soprano, flauta, clarinete) e cordas (um violino, mais precisamente em Moon In June).

A coltrneana e totalmente aestética Facelift foi originalmente gravada ao vivo, porém foi remixada em estúdio (o que explica os loops em sua coda).

Slighty All The Time, por sua vez, é uma mini-abertura, onde a primeira e terceira partes (a segunda é uma espécie de retorno do motivo musical original) são assinadas por Mike Ratledge e a central, uma (espécie de) cadenza intitulada Noisette, é de autorias do baixista Hugh Hopper (embora motivos da segunda parte aparecem na terceira — algo estritamente diverso do modelo clássico.

Moon In June se diferencia dos primeiros movimentos por flertar com a estética do progressivo e por não ser totalmente instrumental; também seria a última vez em que o Soft Machine comporia algo para a voz humana. Por destoar do conjunto, a banda não se interessou pela produção a faixa (embora Hooper tenha contribuído), e Wyatt (a composição é dele) teve que fazer praticamente tudo sozinho.

Third, em sua excelência de transição dentro do proejeto do Soft Machine, foi o último a trazer elementos da fase psicodélica/progressiva que os caracterizava: a partir do Fourth (1971) e, depois, sem a colaboração de Wyatt, a banda iria incluir cada vez mais instrumentistas de jazz e dedicar-se à esse gênero, nos trabalhos seguintes.



Link nos comentários

quarta-feira, 16 de junho de 2010

O mundo aos seus pés


Primeiro lugar por quatro meses


Carole King é uma cantora e compositora
de mão cheia que pode ser comparada a Burt Bacharach. E, como o autor de I’ll Never Fall In Love Again, ela demorou um bocado de tempo para lançar-se numa carreira solo.

E eles têm mais em comum: ambos começaram estritamente como compositores e de cançonetas pop inocentes porém extremamente elaboradas, e que faiam sucesso na voz de conjuntos vocais idem típicos do começo dos anos 60.

E se Bacharach tinha Hal David, Carola tinha Gerry Goffin: juntos, eles se tornaram uma espécie de Lerry Leiber-Mike Stoller do pop ou, mais precisamente, a versão urigrudi de outro memorável casal de compositores do Nashville Sound, Felice and Boudleaux Bryant.

Juntos, o duo Geffen-King criou boa parte da trilha sonora dos anos 60, em temas como Will You Still Love Me Tomorrow, Chains, Natural Woman, He Hit Me, Crying In The Rain, Up On The Roof, One Fine Day, I’m Into Something Good, Pleasant Valley Sunday (The Monkees), Wasn’t Born To Follow (Byrds, que faria sucesso na trilha do filme Sem Destino).

A despeito de todo o talento, ela só havia se aventurado a cantar suas próprias canções uma vez, anos antes, em 1962, com It Might As Well Rain Until September.

No entanto, por ainda viver na diadura do Tim Pan Alley, quando o papel do compositor/cantor não fosse uma realidade no mundo pop, ela só voltou a apostar as fichas de novo em 1970, com o álbum Writer.

Embora aclamado pela crítica, não vendeu nada. A coisa mudou quando ela lançou Tapestry: foi um verdadeiro pandemônio.



Carole King conquistou multidões cantando de uma maneira simples, como ela é, sem floreios, e conseguiu com isso impor um modelo que muitas outras tentavam mas batiam na rede pelo lado de fora, como Laura Nyro (que, injusta e infelizmente, ainda é um tanto desconhecida do grande público) e abriu caminho para outras, como Carly Simon, por exemplo.

Em Taperstry, ela ainda conta com a ajuda de bons amigos, o intrépido James Taylor (que já havia colaborado antes, em Writer) nos violões, Danny Kortchmar (músico de estúdio, que havia trabalhado com ela tanto quando ela compôs um trio, chamado The City, quanto na parte acústica de Sweet Baby James, de Taylor) e Joni Mitchell, a musa blasé do folk, no coro.

Irretocável no tocante a arranjos e letras, Tapestry é um verdadewiro “hit singles pack”, uma feliz rescolta de belas canções — uma melhor que a outra. Desde velhos sucessos, como Will You Still Love Me Tomorrow (originalmente gravada pelas Shirelles) e (You Make Me Feel Like a) Natural Woman, clássico na voz de Aretha Franklin, ganharam versões mais lentas e intimistas.

Além desses, há os petardos It’s Too Late, So Far Away, Beautiful, a contagiante I Feel The World Move, Where You Leave e You’ve Got a Friend, que seria coverizada por James Taylor e grande elenco.

De quebra, como não poderia deixar de ser, Tapestry ganhou quatro (merecidíssimos) Grammy: álbum do ano, melhor performance vocal feminina, melhor canção para It’s Too Late e canção do ano, para You’ve Got a Friend.



Link nos comentários

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Goodbye And Hello


A capa


Tim Buckley conheceu Larry Beckett na universidade de Loara, em Orange County, na California, em meados dos anos 60. Influenciado pelo amigo, ele formou um conjunto folk que fez uma breve carreira pelo circuito musical de Hollywood. Foi quando, influenciado pelo interesse de Larry por poesia e literatura, o futuro compositor de Lorca chegou a conclusão de que os estudos não iam lhe conduzir a parte alguma.

Com Beckett e Jim Fielder no baixo, eles criaram um grupo no estilo Kingston Trio, que misturava poesia beatnik e números musicais em suas apresentações. Numa destas tertúlias, o baterista do maluco beleza Frank Zappa, Jimmy Carl Black, gostou do que viu: indicou o jovem Buckley ao empresário do Mothers Of Invention, Herb Cohen. A banda era os Bohemians.

Os e3xecutivos da Elektra conheceram o conjunto de Tim na noite nova iorquina do verão de 66. Porém, se interessaram por ele, e não pela banda, que inluía Lee Underwood e Beckett. Jack Holzman decidiu gravar um disco com ele, aproveitando a onda do folk-rock que estourava nos auto-falantes ianques desde o ano anterior.

O corolário disso tudo foi o álbum homônimo do Buckley, que agradou a todos menos a ele próprio, que era eclético demais para ou ser rotulado ou sem imposto a uma fórmula mágica de sucesso. O disco era OK, mas Tim queria ir além. Mais além, manteve a parceria com Larry, que seria o seu parceiro constante a partir dali.

O trabalho mais notável — ou melhor, a primeira obra-prima do duo sob os auspícios do violão rascante e da voz altissonante de Buckley, Goodbye And Hello, sairia em 1967. Por indicação de Cohen, dessa vez a Elektra teve que substituir o porra-louca Paul Rothchild (que depois trabalharia com os Doors) em favor de Jerry Yester, membro do Modern Jazz Quartet e futuro guitarrista-suplente do Lovin' Spoonful, em razão da saída do demissionário Zal Yanovsky.

Desta feita, Goodbye And Hello soa bem mais natural e muito mais cru que o elepê de estréia do compositor. O selo deu todo aval a Tim e ele criou um desfile singular de temas e estilos musicais.

O álbum já dava alguma mostra do que seria o Buckley quase onírico e anti-comercial dos seus trabalhos setentistas. Aqui, contudo, elle ainda singrava na mesma simetria do folk-rock que era a voga. Algumas faixas ainda têm o blend de suas prineiras canções, aqui como em No Man Can Find The war (cujo tema sombrio se tornaria moeda corrente nos anos seguintes), Pleasant Street, com a guitarra vadia de Underwood ou Phantasmagoria In Two, com efeito as mais "udigrudis" do disco.

O destaque — como se fosse possível destacar algo que não fosse o todo de Goodbye And Hello, são as pequenas suítes musicais, como o jorro poético de Goodbye And Hello ou o dramático e furibundo virtuosismo vocal de I Never Asked To Be Your Mountain. Para causar mais assombro, Tim Buckley usa capotraste na maioria das canções do disco, fazendo com que sua voz atinge os píncaros sonoros.

O destaque da produção de Yester no álbum se deve ao fato de conseguir exprimir com uma base instrumental diversa exatamente aquilo que cada canção exija, como a espineta em Knight-Errant, dando um ar elizabetano ao tema, ou o lavor de joalheiro na parcussão de Hallucinations, um happening em spoken word.

Ou então apenas a guitarra gitana nua com o acompanhamento da harmonica, na introspectiva e melancólica Once I Was, a mais bela de Goodbye And Hello. Tim tinha dificuldade em fazer pestana devido a um acidsente na mão esquerda, o quer transaformaria o seu jeito de tocar violão, de uma forma mais 'suja', caracterizada pelo seu trabalho acústico numa 12 cordas.



A despeito de toda a divulgação que a Elektra fez para duvulgar o disco, ele não chegou a chartear na Billboard 100. Aliás, não passava pela cabeça do intrépido Buckley formar uma legião de fãs ou de lançar blockbusters no mercado, conectados com o gosto do público. Pelo contrário, a cada disco, ele iria se tornar um compositor 'difícil', até decidir voltar ao planeta Terra, já no fim de sua breve carreira, interrompida por uma overdose de heroína, em 1975.

No entanto, com o passar do tempo, Goodbye And Hello se tornaria um dos grandes clássicos subestimados em seu tempo, mas o mesmo tempo cuidaria de restituir-lhe o seu verdadeiro valor.



Link nos comentários

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Vinícius, Baden, Haig & Haig


Os Afrosambas


Diz a lenda que tudo começou na boate Arpége, no Leme, Zona Sul do Rio. O poeta Vinícius de Moraes foi a esta conhecida casa noturna dos tempos da saudosa boemia bem vestida das noites cariocas do tempo da Bossa Nova prestigiar o velho amigo, Antônio Carlos Jobim, quando descobriu, pálido de espanto, o talento jovem e ligeiramente desconhecido de um exímio violonista de Varre-e-Sai, que atendia pelo curioso nome de Baden Powell de Aquino, e que fazia algum sucesso pela voz de Lúcio Alves, com o seu “Samba Triste”, em parceria com Billy Blanco.

O poetinha ficou impressionado com o estro do rapaz. “Vi aquele molequinho entrar para tocar com a orquestra — era o Badeco” — contou, certa vez. Como se não bastasse a qualidade do rapaz como intérprete, impressionava ao então embaixador brasileiro em Montevidéu o ecletismo do moço, que ia de “My Funny Valentine” a “Estúpido Cupido”. Então o célebre autor do “Operário em Construção” fulminou o garoto com a proposta de fecharem ali mesmo uma parceria musical.


O violonista ficou tão assustado com aquele convite à queima-roupa que, na primeira oportunidade, sumiu do mapa.

Outras lendas dão conta que Baden e Vinícius se conheceram através de Silvinha Telles, na boate Jirau; outros afirmam que foi através de um amigo comum, o empresário Nilo Queiroz, que reuniu a dupla no seu apartamento, na Avenida Atlântica. Depois de tocar quase toda a obra de Villa Lobos no pinho, o poeta lhe fez o pedido. Apesar de fortuito, como são todos os enlaces (a vida é a arte do encontro), a verdade é que daquela parceria saiu um grande cancioneiro, que compreende pelo menos cerca de cinqüenta números, que vai desde “Berimbau” e “Samba em Prelúdio”, desde então clássicos da Bossa, até a série de músicas inspiradas no folclore afro-brasileiro, que foi tardiamente reunida em um disco conceitual, em 1966, pelo mítico selo Forma, de Roberto Quartin, sob o singelo nome de Os Afro-sambas.

Convite aceito, Badeco se mudou para a casa de Vinícius, e produziram uma safra inicial de vinte e cinco canções, tudo regado com o melhor uísque escocês. Daqueles serões no Parque Guinle, saíram sucessos como “Consolação”, “O Astronauta” , “Formosa” (gravada por Cyro Monteiro), “Você sobrinho de Nonô”, “Só Por Amor” (esta gravada por Odette Lara pela Elenco), “Samba da Bênção” e “Tempo de Amor”(ou o “Samba do Veloso”).

Mas e os Afro-sambas?

Pouco antes de travar conhecimento do Baden, o “poetinha” ganhou um disco, intitulado Sambas de Roda e Candomblés da Bahia. Em pouco tempo, aquele despretensioso bolachão transformaria o criador da “Balada das Arquivistas” e do “Orfeu da Conceição” no “branco mais preto do Brasil, na linha direta de Xangô”. Aqueles temas baianos o impressionaram, ao mesmo tempo em que o próprio Baden rumava à este mesmo caminho, quando fora apresentado ao capoeirista Canjiquinha que conduziria Badeco a terreiros, rodas de capoeira ao mesmo tempo em que lhe apresenta os sagrados cânticos do candomblé.

O poeta se assomara pelo místico; Baden, pelas novas harmonias.


À parte, naqueles três meses, estiveram enfurnados compondo e secando vinte caixas de uísque Haig (trazidas pela mala diplomática). O ciclo de canções temáticas eram o amálgama daquele estado de transe místico provocado pelo porre, mais o exótico Sambas de Roda e Candomblés da Bahia (presente de Carlos Coqueijo, amigo do poeta) e a influência do maestro Moacyr Santos (“tu que não és um, és tantos”, como diz o “Samba da Bênção”), que era professor do violonista. Após muito ouvirem e assimilarem os temas, eles começaram a compor.

Todas vinham de parto normal, bonitas e risonhas: “Bocochê”, “Canto de Xangô”, “Canto de Iemanjá”, “Tempo de Amor”, “Lamento de Exu”, “Canto do Caboclo Pedra Preta”, “Tristeza e Solidão”, “Berimbau” e o “Canto de Ossanha” (certamente é o mais conhecido, e foi lançado em 1966 por Elis Regina no seu programa O Fino da Bossa , depois lançada em compacto, no mesmo ano).

Contudo, o projeto do álbum, com a série de temas afro, ao contrário das demais canções, que logo se tornariam standards da MPB, foi parar na gaveta. Só quatro anos após o encontro etílico-musical no Parque Guinle é que esse ciclo seria registrado em disco pela Forma, de Roberto Quartin.

A Forma era um selo pequeno (como a Elenco), mas os álbuns eram sofisticados ao extremo, assim como os lançamentos, quase que escolhidos a dedo — antes,a gravadora havia lançado Eumir Deodato ( Inútil Paisagem ), Bossa Três ( Novas Estruturas ) e Moacy Santos (o revolucionaríssimo Coisas ). Agora pretendia entronizar a música de Baden e Vinícius.

Em estúdio, Quartin chamou Guerra Peixe para os arranjos, teve a primazia de gravar em disco todos os instrumentos característicos do candomblé (afoxé, agogô, atabaques) com os do samba tradicional. A despeito do intenso zelo na composição das músicas, o registro das canções ganhou um espírito despojado: parece todo ele um registro caseiro e espontâneo (mais tarde, Baden Powell renegaria esta gravação, alegando justamente o fato de que a produção soa precária demais), que lhe empresta um sonoridade única.

Para a sessão, produzida em janeiro de 1966, Baden e Vinícius convidaram o Quarteto em Cy e um grupo de amigos, ou melhor dizendo, de “um coro de músicos amadores”. Compõem o grupo Nelita e Teresa Drummond, respectivamente a então esposa do poeta e a namorada de Badeco. Integram a entouràge vocal ainda Eliana Sabino (filha do escritor), Otto Gonçalves Filho e César Proença, amigos da intrépida dupla, e a iniciante atriz Betty Faria.

O disco - Em “Canto de Ossanha”, Vinícius murmura os versos com tom de súplica, acompanhado do violão, da marcação do aro da bateria e do afoxé, e de Betty Faria na “resposta”, e dos solos de sax barítono e tenor. O coro entra no refrão, junto com o pandeiro. “Canto de Xangô” tem um tema simples, mas que vai sendo desenvolvido por todo o corpo de músicos, e vai crescendo ao longo dos seus seis minutos. Vinícius é quem canta, acompanhado do Quarteto em Cy.


Destaque maior para a percussão e a exposição do tema, feita por Baden. “Tristeza e Solidão”, por sua vez, está mais dentro do espírito da Bossa, é certamente a mais bonita do disco, sem contar o diálogo entre a voz sumida de Vinícius os desenhos vocais do Quarteto.

“Tempo de Amor”, samba tradicional, com grande desempenho de Badeco ao violão, enquanto o baterista Reizinho castiga os couros. Instrumental, a lírica “Lamento de Exu” é outro belo momento do disco, e traz Baden solitário, acompanhado ao longe por atabaques, e por Cybele entoando a melodia. Já “Canto do Caboclo Pedra Preta” é o afro-samba mais afeito ao rótulo, tanto em letra quanto em música. Vinícius apresenta o tema sozinho, depois todos o acompanham, com a percussão em primeiro plano.


A dupla em ação


Novo sincretismo - Produção excelente, em número e qualidade, embora esteja devidamente integrada ao espírito “carioca” do samba que a Bossa Nova catalisou à sua maneira.

Ou seja, a despeito do forte apelo dos temas folclóricos, os Afro-sambas não deixam de ser um produto do que Powell e Vinícius queriam traduzir, isto é, ali se encontra a visão particular do que eles assimilaram e traduziram como tal.

Nesse sentido, o poeta explica, no texto da contracapa do disco, que as antenas de Baden lhe permitiram o “novo sincretismo” de “carioquizar dentro do espírito do samba moderno, o candomblé afro-brasileiro dando-lhe ao mesmo tempo uma dimensão mais universal”. Noutro trecho, ele diz que “nunca os temas negros de candomblé tinham sido tratados com tanta beleza, profundidade e riqueza rítmica”.



Sobre isso, é importante o registro que, talvez desde “Na Pavuna” (com Almirante, em 1930), não se fazia uma gravação com tantos instrumentos rústicos de percussão (atabaques, bongôs, agogôs, afoxé, etc). Outra curiosidade é que as antenas de Baden só realmente travariam contato com as “raízes afro-brasileiras” de fato quando o violonista finamente foi à Bahia, onde passou seis meses e, de lá, voltava com outro sucesso, “Lapinha”, esta, por sua vez, feita sob outra parceria: a de Paulo César Pinheiro.

No entanto, o grande corolário dos Afro-sambas e do encontro do violonista e do poeta foi que, depois daqueles noventa dias, a vida de ambos mudaria para sempre: Badeco deixava de ser aquele modesto garoto de subúrbio, que discretamente tocava no conjunto de Ed Lincoln, e dava as suas “anônimas” canjas no Plaza para se tornar um músico de renome internacional.

Já o outrora versejador místico e diplomata andava a passos firmes rumo a uma carreira (muitos não sabem, mas o bissexto Vinícius estreou em disco em 1932, com “Loura ou Morena” em parceria com os Irmãos Tapajós) como compositor popular.






Publicado no site Rabisco, em 2006. Link nos comentários

domingo, 6 de junho de 2010

O Maior Show de Rock


At Fillmore East só no nome:
a foto foi tirada em outro lugar


Contratado como guitarrista freelancer pelo mítico estúdio Muscle Shoals, no Alabama, Duane Allman, então trabalhando lá como músico de apoio (um “pé de boi”, vamos dizer assim) foi destacado para viajar até Nova Iorque, em janeiro de 1969, para participar de uma sessão de gravação com a cantora Aretha Franklin. Lá, junto com o baixista Jimmy Johnson, ele assistiu a uma apresentação meteórica de Johnny Winter.

Na platéia, ele prometeu ao amigo:

— Em um ano, eu vou estar tocando aqui.

Proféticass palavas: nesse meio tempo, ele voltou ao Alabama, e teve a chance de formar uma nova banda (a anterior, Hour Glass, não deu muito certo).

Chamou seu irmão Gregg, mais Barry Oakley, Dickey Betts e Dickey Betts e Jai Joghanson e formou a The Allman Brothers.

Em novembro daquele no, se lançavam em disco. O segundo, de 1970, apenas conformou o que o primeiro já mostrava: uma banda de blues-rock versátil e completa, sem contar a própria sombra do talendo do auto-didata Duane, por muitos considerado o segundo maior guitarrista da história (atrás naturalmente apenas de Jimi Hendrix no gênero e pau a pau com Winter, por exemplo).

Conforme Duane vaticinara em dezembro de 1969 ele tocou com a banda no Fillmore East. Porém, a apresentação mais notável do sexteto ocorreu em março de 1971, e que se tornaria o mais aclamado disco deles, At The Fillmore East.

Partindo da concepção do blues, eles conseguiram transcender o gênero que os fixou, além de mostrarem, da forma mais exuberante, um dos maiores shows de rock de todos os tempos. A introdução que Duane faz de Statesboro Blues, cover de Blind Willie McTell é de arrepiar e explica porque Clapton fez questão de coloca-lo no Derek And The Dominos.



Whipping Post, a faixa que originalmente encerra o disco de estréia da banda, passa de cinco minutos em estúdio para uma versão éíca de mais de vinte minutos que, no entanto, não se vê o tempo passar, em suas variações de tempo e sucessões de artes de baixo, guitarra e Hammond (tocada por Gregg), que vai do blues-rock elementar ao cúmulo do progressivo, emoldurados pelo tempo delirante que Barry e Betts fazem com o contrabaixo e a bateria, numa performance delirante e assustadoramente genial.

In Memory Of Elizabeth Reed, também com a sua variação de tempos, por sua vez vai para os lados do rock latino de Carlos Santana, com uma linguagem deliciosamente jazzificada, onde prepassam os solos de Duane e Betts, o autor da música, que saiu originalmente no Idlewild South.

A guitarra de Duane viaja num solo extenso e livre, que depois é interseccionado por Gregg no órgão, lembrando vagamente a versão de My Favourite Things interpretada por John Coltrane, uma década antes.

A mesma estrutura coltraneana guitarra-teclado-guitarra eles usam em Hot Lanta, a primeira faixa do álbum. A versão de palco de In Memory Of Elizabeth Reed é tão acachapante que a platéia fica muda quando a banda encerra o tema, abruptamente.

Nunca o Fillmore East havia visto nada igual — e isso que o próprio Jimi Hendrix havia tocado lá no Ano Novo de 1969, com a Band Of Gypsies (e que também virou disco). E os dois shows que compõem At The Fillmore East, gravados dias 12 e 13 de março, seriam os últimos daquele templo do rock nova iorquino.

Em junho, ele fecharia suas portas (pelo menos, em grande estilo). At The Fillmore East também seria o canto do cisne de Duane Allman, que partiria seis meses depois do seu lançamento.





Link nos comentários

Emmylou Harris - Pieces Of The Sky


A capa



Emmylou Harris levou uns cinco anos para fazer sucesso
da noite para o dia. Explica-se: compouco mais de vinte anos, ela já havia aprendido todas as canções de Pete Seeger e de Bob Dylan e era ardorosa fã de Joan Baez. Mudou-se para Nova Iorque e, enquanto levava a vida como garçonete, dava canjas nos pequenos clubes do circuito alternativo do Village.

Em 69 ela conheceu o compositor Tom Slocum. A parceria não durou muito — um casamento efêmero e um disco, Gilding Bird (que nunca saiu oficialmente em formato digital).

O álbum passou batido, apesar de ser um trabalho interessante: a sua Waltz of the Magic Man, por exemplo, é excelente.

Contudo, ela não fez sucesso e deixou a Big Apple para viver em Maryland, porém sempre se apresentando com um pequeno regional. Foi lá que o baixista Chris Hillman, ex-Byrds e, naquele momento histórico, membro dos Flying Burrito Brothers, 'descobriu' a moça.

Pensou em colocá-la no lugar do demissionário Gram Parsons, mas preferiu indicá-la ao ex-parceiro,que estava à procura de uma voz feminina para os seus Fallen Angels e estava em vias de gravar seu primeiro LP solo, GP. A dupla se encaixou como a corda e a caçamba em shows memoráveis e no disco póstumo de Gram, Grevious Angel.

Na verdade, o álbum seria um duo com ele e Harris (e é); porém, a viúva do compositor, num ataque de ciúmes, resolveu sacá-la dos créditos e de qualquer aparição na contracapa.

Mais uma vez, a promissora arte de Emmylou passou desapercebido de cítica e público. Mas pior que isso foi perder Parsons, um parceiro musical de tamanho quilate que ela não encontraria jamais algo parecido.

Ficou a lembrança da atitude de Gram coimo pesquisador do country e do seu trabalho no sentido de modernizar o gênero, não se prendendo a paradigmas imutáveis e caducos. De volta a estaca zero, Emmylou voltou para Washington D.C e criou uma nova banda.

Foi quando Linda Ronstadt sugeriu que ela deixasse a fria e sisuda capital ianque e voasse rumo ao ensolarado oeste, e tentasse algo em Los Angeles, que tinha uma cena musical promissora para uma artista idem.

Através de Linda, em 1975, ela finalmente conseguiu um contrato com uma grande gravadora, a Warner. Naquele mesmo ano, Harris lançava o seu segundo debut, Pieces In The Sky. Acontece que,com o tempo, ela resolveu tirar Gilding Bird do 'seu' catálogo, e Pieces... seria as suas definitivas boas vindas.

Talvez sua atitude possa ser explicada pelo fato de que o primeiro elepê fosse apenas um disco de formação, um reflexo de uma cantora que já havia sido absorvida pela nova artista que ressurgiu de toda a musicalidade adquirida naqueles anos que separam a sua estréia até o capítulo 3 em sua carreira.

E, com efeito, Pieces Of The Sky é mais transcendente do que um simples disco de uma cantora country: é um trabalho singular que exarceba toda a sensibilidade musical de alguém que vai além da simples interpretação.

Fora isso, Emmylou esbanja versatilidade, indo do country convencional (mesclando compositores da antiga e da nova geração, como Bottle Let Me Down, de Merle Haggard, ou a chatíssima Coat Of Many Colours, de Dolly Parton e a adorável Bluebird Wine,do novato Rodney Crowel) para covers de artistas díspares ao universo do hillybily (ouça a tocante e langorosa versão dela para For No One, dos Beatles), além de canções próprias, como Boulder to Birmingham, uma emocionamnte homenagem à Gram Parsons, seu mecenas. O disco não vendeu horrores se comparado à sua mega-produção (a Hot Band era uma legião de músicos de vários naipes, escolhidos por ela e pelo produtor, Brian Ahern), mas o single If I Could Only Win Your Love (cover da conhecida canção dos Louvin Brothers) chegou ao quarto lugar na Billboard Country.





Link nos comentários

sábado, 5 de junho de 2010

Roque Tedesco


A capa

O Krautrock foi um movimento de rock de vanguarda que eclodiu na Alemanha no fim dos anos 60 e que abarcou diversas tendências do gênero entronizado por Elvis Presley nos anos 50 mais outras tendências que desaguavam na pororoca musical do começo dos anos 70, como a música concreta, eletrônica, a psicodelia e o progressivo.

O nome era uma brincadeira com a expressão "kraut", ou algo como chucrute, mais ou menos como os soldados aliados chamavam os militares do exército alemão. Algo como os nossos Pracinhas da FEB faziam ao chamar os homens de Hitler de "tedescos". Seria algo como rock tedesco — ou coisa parecida...

Mal comparando, era uma espécie de cognato ao estilo que surgiu na Cantebury do Soft Machine, só que em Essen, mais ou menos na mesma época.



Ou seja, mesmo ligeiramente afastados, ambos os movimentos chegavam ao mesmo denominador comum e aos mesmos resultados musicais. Essa nova onda trouxe bandas do estilo do Tangerine Dream, Triunvirat, Cosmic Jokers e do Faust, mas o maior produto do Kautrock foi o Can. No seu segundo álbum, Tago Mago, eles levaram todas as virtudes do novo estilo ao extremo, numa suíte musical dividida em duas partes.

Na primeira, nas faixas Paperhouse, Oh Yeah e Hallelwjah, eles ainda estão próximos do código do rock convencional; na segunda parte do álbum (duplo), principalmente em Aumgn e Bring Me Coffee Or Tea, eles se concentram numa viagemmusical sem precedentes, onde emvários momentos eles chagam às raias do hermetismo.

Contudo, o que parece ser algo aleatório esconde um trabalho cíclico e disciplinado, fruto de dias e dias de extensas jam sessions.

O segredo é que os membros do Can consegiram improvisar um estúdio em um castelo de um excêntrico colecionador de arte em Colônia, e ele lhes deu aval para que ensaiassem à vontade sem se preocupar com aluguel.

E, á medida em que iam tocando, muito do material executado era gravado edaquele caos nasceu Tago Mago.

Para a época, pelo menos, era o que havia de mais incomum, isto é, fora do âmbito do jazz e da música clássica (pós Stockhausen), ninguém chegaria perto do que eles conceberam dentro da esfera do rock. Como o soft machine, eles abdicavam cada vez mais de trechos vocais, fazendo um disco essencialmente instrumental.

Só por isso mesmo, Tago Mago preenche aquele puído estereótipo do disco sucesso de crítica e uma espécie de evangelho para os músicos das gerações posteriores (John Lydon, Bobby Gilespie e Thom Yorke são três exemplos de músicos beatificados pelo disco) mas desconhecido e subestimado pelo grande público.




Link nos comentários

terça-feira, 1 de junho de 2010

A berceuse de si mesmo


Capa


Conhecido aqui por baladas românticas e melosas de rádios tipo “vitrolão” de freqüência modulada, como Only a Dream In Rio, James Taylor começou como músico clássico e, no auge da boemia do nova-iorquino Village dos anos 60, virou um roqueiro da pesada.

Formou uma banda – a Flying Machine que não desandou. Taylor começou a se afundar em seu primeiro contato com heroína. Quando a barra de fato piorou, ele decidiu mudar de ares: foi para Londres.

Lá, conheceu o músico e produtor Peter Asher, através de contatos com ex-produtores seus. Asher era irmão da namorada de Paul McCartney e acreditou no trabalho do músico norte-americano. Quando os Beatles fundaram o seu próprio selo, eles resolveram apostar em um artista não britânico. O disco, apesar de interessante, não vendeu bem.

A carreira desandou, ele teve uma recaída com drogas em fins de 1968, a Apple começou a fazer água junto com o ânimo do quarteto de Liverpool e James voltou para os Estados Unidos, fixando-se no cenário musical californiano.

Ainda sofreu um grave acidente de moto, fraturando as duas mãos, fato que o fez permanecer recluso por vários meses. A maré de eventos funestos só iria mudar quando ele conseguiu um contrato novinho em folha com a Warner.

Contando com o auxílio de Asher, que também se mudara para a América, ele compôs Sweet Babe James, que seria as suas boas vindas ao universo do disco. O álbum deslanchou — ainda mais com o sucesso do single Fire And Rain, e a mudança do seu estilo musical, mais introspectivo e suave, com arranjos acústicos de extrema qualidade.

A música-tema, uma berceuse, é uma triste canção que fala de um cara solitário, à margem do misantropismo, perdido no tempo, como lágrimas na chuva, tendo por companhia um cavalo pastando.

“Verdes profundos e azuis/são asa cores que eu escolhi/você não vai me deixar triste em meus sonhos”). O impacto foi tão grande que, junto com Sweet Baby James, foram exumados tanto o seu debut fonográfico quando os tapes que ele gravara com a Flying Machine e marcaria o seu estilo com a sua voz marcante e seu estilo ímpar de dedilhar o violão.

Fire And Rain fala de sua experiência em clínicas de reabilitação para dependentes químicos e dos tempos em que ele procurava alguma saída para toda aquela ciranda de insucessos e frustrações que o cercava, é triste de doer — ainda mais quando ele fala e solidão, depressão e da perda de sua amiga mais próxima, Suzanne Schnerr.

A parceria com Danny Kortchmar rendeu uma seção acústica sublime, como no blues Oh Baby, Don't You Loose Your Lip on Me e uma das versões mais bonitas do clássico do compositor americano Stephen Forster, Oh Suzannah, em forma de uma doce balada.


Link nos comentários.