sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Rocks Off


A capa


No começo de 1970, o consultor financeiro dos Rolling Stones, Rupert Lowenstein, se reuniu com a banda, e anunciou: “acabou o dinheiro, não tem mais dinheiro”. Perplexos, os cinco descobriram que, mesmo faturando alto em concertos e vendas de discos, em seis anos, eles perderam muito mais do que ganharam.

Pior: se somado o montante de despesas, os impostos atrasados e o que lhes esperava no ano fiscal de 1971 (o então primeiro-ministro da Inglaterra, Dennis Healey, preconizava um aumento de taxas para os ricos em cerca de absurdos 90%, o que gerou uma debandada geral), a sua situação com a Coroa Britânica e as contas a pagar iam leva-los à falência em menos de seis meses.

A saída, para Lownenstein, era continuar produzindo discos em escala fordista, sair da Inglaterra e exilar-se em algum paraíso fiscal, e montar uma mega-turnê, onde eles deveriam se apresentar em mega-estádios, de maneira a estancar aquela sangria. O melhor lugar para se realizar uma série de shows daquela envergadura eram os Estados Unidos. O exílio?

Mick Jagger sugeriu Vilefranche-sur-Mer, em Saint-Tropez, na Riviera Francesa.Após o lançamento do álbum Sticky Fingers e de uma turnê britânica “de despedida”, em pouco mais de um ano depois, em abril de 1971, os Stones finalmente embarcaram para o sul da França. Além da bagagem usual, a consorte de Keith Richards, Anita Pallenberg e a futura esposa de Jagger, Bianca, levavam respectivamente seus respectivos herdeiros, Dandelion e Jade. Mas quem estava de fato prenhe — porém de idéias — era Richards.

Há pelo menos dois anos, ele vinha produzindo música à mão cheia — em parte, sobras de discos anteriores, gravados no Olympic Studios, além do material recente, gravado com o auxílio da sua intrépida Rolling Stones Mobile Studio, tendo no volante o não menos intrépido Ian Stewart. O QG musical seria Nelicôte, uma mansão (aliás, durante a segunda Guerra Mundial, Nelicôte se tornou um “headquarters” dos nazistas, durante o governo de Vichy) com ar de vivenda campestre e com vista para o Mediterrâneo.



Com uma vista paradisíaca, um staff de filme de Cecil B de Mille, um invejável recanto para o Verão, além, é claro de heroína e ópio de excelente qualidade, vindo da África, e montantes de cocaína, direto de Estocolmo, e uma adega gigantesca no porão, não havia lugar melhor para os Rolling Stones produzirem a sua obra-prima, o Exile On Main Street.

Lançado em maio de 1972, o disco não foi muito bem recebido, por parecer cru demais, quase uma pré-produção muito mal mixada (Mick Jagger sempre se ressentiu do trabalho de finalização dos tapes, em Los Angeles), como tempo, iria se render ao álbum mais experimental e criativo do quinteto britânico.



Exemplo típico de um trabalho onde se misturam contexto e ambiente propícios, o Exile nasceu para ser eclético, coletivo e épico. Para começar, se o álbum tinha um mecenas, ele era Keith Richards.

Como ele era o anfitrião, todos acabaram tendo que se render ao seu ritmo de vida, aos seus hábitos exóticos e ao seu processo de composição. Claro que isso gerou uma série de problemas que, no entanto, deram o charme fundamental ao Exile.

Sem contar com outro detalhe: em pouco tempo, Nelicôte se transformaria num ponto de encontro de amigos e desgarrados que apostavam em Saint Tropez para uma visita. Já na sua autobiografia, Keith Richards conta que o maior problema era conseguir mander os Stones juntos. Muitas canções acabavam virando esqueletos prontos a serem recheadas a posteriori; outras, com efeito, eram gravadas com Keith e qualquer um que estivesse à mão, Jim Price, Jimmy Miller e seu fiel escudeiro direto de Lubbock Texas, Bobby Keys.

Charlie fez questão de alugar um chatô a mais de 100 cuilômetros de Nelicôte, e se submetia compulsoriamente a fazer a viagem quase diariamente. Mick sentir ciúmes do clã de Richards, mais especificamente de Gram Parsons. "Ele não podia deixar de ser ele o tempo todo", diz o guitarrista, tentanto explicar por que Jagger lha causava mais problema s de ciúme do que qualquer namorada ou até mesmo Anita.



Na maior parte das vezes, a maioria acabava entrando no espírito da coisa, e até participando das improvisadas sessões de gravação.

Em junho, a unidade móvel chegava, enquanto Richards e técnicos de som montavam um estúdio no porão. Como todo começo, iniciar as sessões foi um parto á fórceps. Tudo o que fora outrora planejado foi jogado para o alto. Wyman e Watts apareciam com sua pontualidade britânica, mas tinham que se acostumar com os sumiços repentinos e demorados de Keith. Jagger não conseguia se ficar em Saint Tropez, porque Bianca detestava Anita.



E nem mesmo a natural afinidade entre eles serviu para que as músicas aparecessem. A coisa começou a mudar quando Glyn Johns (produtor e um dos idealizadores do projeto da Rolling Stones Mobile Studio) apareceu para tomar o lugar de Jimmy Miller e, á convite de Richards, Gram Parsons aportou ne Vilefranche-Sur-Mer.

De forma substancial, eles iriam influenciar bastante na sonoridade de boa parte do som do álbum. Parsons, então, que era um dos expoentes do que viria a ser chamado de country-rock, devido ao seu conúbio musical com Keith, naquele momento histórico, depois dos Byrds e dos Flying Burrito Brothers, iria imprimir a sua indelével marca no Exile On Main Street.

Um dos fatores primordiais era o espírito informal das sessões: feito um mecenas, Keith pôde suprir-se de excelentes músicos que lá apareciam. Dessa forma, Nelicôte catalisou musicalmente a música que foi provocado por aquele êxodo involuntário.

Outro notório junkie e seu parceiro de copo e de colher, Parsons virou um meio irmão par Richards (Keith havia dedicado Wild Horses a Gram, que a gravou antes dos Stones, no Burrito Deluxe). Da inspiração de ambos, nasceram alguns dos melhores momentos do disco: entre eles, Sweet Virginia e Torn And Frayed. Tudo, porém, Keef way of life, ou seja, em ritmo de férias. Isso sem contar os constantes problemas com a fiação, que os obrigaram a puxar um gato de energia elétrica da companhia de viação férrea e o calor insuportável do estio francês.

Até a alta temperatura iria influir na sonoridade do álbum: como não havia ar condicionado no estúdio do porão, era mais do que comum que os instrumentos desafinassem sensivelmente, a todo o momento. Isso fez com que muitas das bases gravadas na França soassem fora do tom, e isso pode ser percebido em Casino Boogie e Turd On The Run, por exemplo.

No ápice das gravações, Bill e Charlie desertaram em vários momentos e muita gente, para economizar tempo e dinheiro, acabava passando o veraneio em algum aposento de Nelicôte. E Mick? Radicado agora em Paris, ele aparecia às vezes, quando conseguia uma folga de Bianca, para tratar de negócios e de participar das sessões (embora a maior parte dos vocais fosse gravado apenas nas mixagens finais, nos Estados Unidos) Como até Glyn sucumbiu ao estilo de Keith Richards.

Músicas brotavam; muita coisa nascia do acaso, como Ventilator Blues (parceria com Mick Taylor e cujo nome se explica, em parte) e Happy, uma dos mais simples e geniais números de Keith, e que o acompanharia sempre no palco por anos afora.

Com a quase deserção de Watts e Bill, quem estivesse à mão acabava ocupando a vaga deles (Richards, fulo da vida pelo fato de seu baixista fazer corpo mole e ir tocar com o Manassas de Stephen Stills (onde chegou a compor alguma coisa), resolveu apagar quase tudo o que ele havia produzido em Saint-Tropez). Jagger, porém, vendo que, em pouco tempo, todo mundo em Nelicôte estava ao ritmo de seu irmão Glimmer, resolveu dar um jeito na bazófia. Mandou Parsons embora.

Contudo, as coisas mudaram com o novo contexto: o outono chegou, a mansão havia se tornado num conjunto habitacional, as doideiras de Richards e Anita começavam a chamar a atenção, a polícia e a vizinhança estavam começando a desconfiar daquela trupe de mambembes, os dias passavam mais rápido e o prazo de entrega do futuro álbum parecia estar adiado para o Dia de São Nunca.

O estopim da crise foram escutas que o guitarrista descobriu, em seu telefone, em Nelicôte. Com o ambiente ficando cada vez mais pesado, Keef, que já estava cobrando aluguel de seus hóspedes, dado o tamanho da conta que era sustentar aquela brincadeira, resolve embarcar com os Stones para Los Angeles.

O objetivo era terminar o Exile antes que o contrário acontecesse. Na América, era a vez de Jagger tomar as rédeas do projeto, já que, depois de meses de tanta boleta, Richards não conseguia se concentrar sequer para fazer a slide em Torn And Frayed. Ao mesmo tempo, o contato com o soul norte-americano (e, sem dúvida, a influência seminal de Billy Preston, nessa fase da produção) fez com que o lado de Mick nas gravações se imbuísse dessa virtude.

Muito disso pode ser ouvido em momentos como Let It Loose, Lovin Cup (que, como ocorrera com algumas bases, como All Down The Line, fora iniciada ainda em 1969, no Olympic Studios e, pelo fato de ter sido gravada em parte durante a vigência do contrato dos Stones com a Decca, acabou gerando um litígio interminável entre eles e o ex-empresário, Allen Klein) Stop Breaking Bown e, principalmente em Shine a Light.

Nessa fase, aliás, Mick foi o diretor artístico incansável (em Los Angeles, ele também iria tratar da montagem da turnê americana de 1972, a segunda parte do projeto principal, e colocar todos os overdubs que faltavam nas bases gravadas em Vilefranche-Sur-Mer, durante as alegres férias de Keef & sua turma), suprindo com maestria a carência de seus parceiros com músicos de estúdio. Bill Plummer, por exemplo, fez o baixo em temas como All Down The Line e Rocks Off que, embora tenha sido a primeira a vir á lume, ainda em Saint-Tropez, só foi finalizada em cima da hora.

Outra típica do estilo político (polido) de Jagger é Sweet Black Angel, uma bela homenagem à Angela Davis, uma professora da Califórnia que, ao proteger três fugitivos de San Quentin, virou uma fora de lei. Símbolo de protesto pelos direitos civis na época do surgimento dos Panteras Negras, da escalada da violência nos protestos estudantis, perpretado pela repressão policial, somado ao fato de ser de esquerda e de cor, muitos seguiram sua causa, por a considerarem injustamente perseguida.

Uma vez presa, ela se transformou numa espécie de, mal comparando, uma Rubin Carter de saias. Declarada inocente, em fevereiro de 72, Mick fez questão de colocar Sweet Black Angel no lado B do primeiro single do Exile, Rocks Off, num libelo que é um dos melhores momentos do disco.

Tumbling Dice, o segundo compacto e um dos highlights do álbum (e a cara do Exile), foi concebida durante as gravações do Sticky Fingers, mas da base, montada no porão de Nelicôte, até a mixagem final, é um mash up: o riff é de Keith, Jimmy Miller toca bateria por cima da de Watts, Jagger faz a guitarra-base, Taylor o baixo (Wyman tinha ido embora) e os backing são de Clydie King e Vanetta Fields que, com Shirley Goodman (da dupla Shirley And Lee, lembram?), deram o ar bluesy a várias das canções do disco.



E com Tumbling Dice, agora os Stones tinham um número 1 nas paradas e o ambiente propício para o próximo passo: invadir a América, vender discos, lotar estádios e salvar o leite das crianças.


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sábado, 18 de dezembro de 2010

He Touched Me


A capa

A música spiritual nos Estados Unidos
nunca foi exatamente um gênero à parte, ou relegado apenas à liturgia de celebrações cristãs.

Muito pelo contrário, é um gênero que ganhou proeminência com o advento do disco, a partir da primeira metade do Século passado, influenciou outros tipos de música e se deixou influenciar e ganhou um grande número de diletantes, independente de credo ou religião: o gospel ianque e, via de regra, quase uma instituição cultural, tal qual acontece com o country.

Elvis Presley cantando música religiosa? Sim: é claro e cristalino que ele é, foi e sempre será lembrado como o Rei do Rock. No entanto, as suas raízes musicais,como ele sempre destacou bem, estão cravadas justamente no gospel. Naquele tempo, o formato mais comum no gênero eram os chamados quartetos, isto é, dois tenores, um barítono e um baixo, acompanhados ou não de piano ou banjo.

O gospel branco (ao contrário do”negro”) era mais aberto a variações, e misturavam estilos como o bluegrass e até o jazz. Com o tempo, seria chamado de Southern Gospel.

A partir dali, vários grupos – essencialmente quartetos, como o Statesment Quartet - se destacavam e, a partir deles, alguns cantores partiam para carreiras-solo, como Jimmie Davis e Mark Bishop. Foi à medida que ganhava maior popularidade que o gospel começou a influenciar cantores “seculares”, como Tennesse Ernie Ford (Sixteen Tons) e Patsy Cline (a grande musa do country, do Ole Opry e do Nashville Sound).



E a relação de Elvis com o gospel veio cedo: Gladys Love, sua mãe, se lembrava de vê-lo sair do seu colo ainda pequenino, para ficar do lado do coral e dos músicos, quando eles freqüentavam a Assembléia de Deus em Tupelo, Missouri, onde ele nasceu, em 1935. Já em Memphis, o Rei costumava assistir sempre às apresentações do Statesment.

Presley também tinha uma memória de elefante. Jerry Leiber se lembra de vê-lo citando listas telefônicas de conjuntos gospel, dizendo:”eu conheço todas as canções religiosas que foram gravadas nesse país”. Elvis amiúde tinha o hábito de cantar algo do tipo antes de entrar no palco, desde o começo de sua carreira.

De fato, o gospel sulista comercialmente estava no ápice. Johnny Cash era outro entusiasta do gênero: quando ele fez seu primeiro teste para Sam Phulllps, dono da mitológica Sun, ele entoou um hino numa versão tex-mex. Para se ter uma idéia da popularidade dessa especialidade temática, Phillips rechaçou a música, alegando que aquilo era algo discograficamente saturado no mercado. Ou seja, ele queria um rock’n roll star, não mais um quarteto.

Elvis também acabou sendo rechaçado por Phillips e desencantou como músico de rock. Porém,assim como Cash, ele fez de tudo para poder gravar um disco do gênero. Johnny na Columbia e Presley na RCA.

Quando ele estava no topo da Billboard com Let Me Be Your Tedy Bear, em 1957, o Rei lançou seu primeiro projeto no estilo gospel, o EP (extended play, um compacto com quatro músicas), chamado Peace In The Valley. Na esteira do estrondoso sucesso de Presley, o EP vendeu mais de um milhão de cópias, e até hoje é o recordista no formato.

Contudo, o primeiro álbum essencialmente gospel que o autor de Love Me Tender gravou foi His Hand In Mine, de 1960. Seu empresário, Colonel Tom Parker gostou da idéia, mas não por conta de seus princípios religiosos: ocorre que, afinal de contas, Elvis agora deveria ser moldado como um cantor “família”.

Isso faria com que o tempo sublimasse a sua antiga imagem de The Pelvis e pavimentaria uma bela carreira em Hollywood a partir de então. His Hand In Mine vendeu bem para um disco do gênero, chegando no décimo terceiro lugar no HOT 10 da Billboard.

Na mesma sessão de gravação do álbum, Presley faria (com os Jordinaires) uma versão de Crying In The Chapel que, no entanto, só seria lançado cinco anos depois, em compacto, e chegando ao primeiro lugar depois de um hiato longe do topo, e justamente no auge da Beatlemania, que havia o deixado ligeiramente escanteado.

O sucesso de Crying In The Chapel fez com que ele voltasse a pensar em gravar mais um disco gospel. Em 1967 viria o segundo, How Great Thou Art. Como ocorrera antes, Colonel Parker achou que a idéia viria a calhar por dois motivos: o primeiro é que His Hand In Mine continuava vendendo bem.

E o outro: Parker achava que usando esse foco de canções religiosas, Elvis teria maior visibilidade em rádios do gênero, principalmente durante a Páscoa e o Natal. Além do mais,o disco quebraria uma seqüência de álbuns que eram apenas trilhas sonoras de seus filmes – e Presley estava começando a ficar farto de gravar coisas que ele realmente não queria cantar.
Pois foi isso o que queriam fazer com ele em How Great Thou Art:Seu editor musical (inclusive nos soundtracks), Freddy Bienstock, arranjou um punhado de músicas cujos direitos eram seus e, com efeito, não ia perder a chance de fazer o Rei de galinha dos ovos de ouro dele de novo.

Elvis detestou todas elas e, num curioso ato de insolência, reuniu-se com os músicos e fez uma espécie de enquête com eles, até chegar a um repertório que ele julgasse decente (ele finalmente ia se livrar dos grilhões de Parker e de Bienstock no ano seguinte, quando passou a determinar o que ele deveria ou não gravar, mas isso é outra história). Presley optou por vários temas tradicionais, como In The Garden, Farther Along (que os Byrds gravariam, tempos depois) e Crying in The Chapel, entre outras.

Seu último álbum gospel, He Touched Me, de 1972, foi o mais laureado, mais bem produzido e é considerado por muitos o melhor dos três discos.

Também é o mais eclético: vai da sua memorável interpretação para Amazing Grace, com um comovente coro spiritual até arranjos pop para o hino There’s no God but God e uma baladinha a la Swingle Singers, como A Thing Called Love.
Alguns dos temas de He Touched Me entraram no repertório da turnê de 1972, e foram registradas no conhecido documentário Elvis On Tour, como I John e Bosom of Abraham.

O disco ganharia um Grammy, embora o grande sucesso do ano para Presley foi Burning Love que,aliás, ele detestava. Vá saber.


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terça-feira, 14 de dezembro de 2010

O Canto de Cisne de Lady Day


Lady In Satin

Depois de se livrar de sérios problemas com drogas e a Justiça (mais com a segunda do que a primeira, já que os agentes de narcóticos eram quase como um fã-clube ao contrário, morcegando cada apresentação sua), Billie Holiday conseguiu novas boas vindas ao show business depois do lançamento da sua autobiografia, Lady Sings The Blues, em 1956.

Seu retorno culminou num memorável concerto no Carnegie Hall, naquele mesmo ano. Ao mesmo tempo, ela retornaria ao disco, desta vez pela Verve, a convite de Norman Granz.

No ano seguinte, Lady Day se apresentria em festivais de jazz, como em Newport e uma exitosa turnê canadense. Sua vida sentimental recomeçara também, com o fim de seu relacionamento atribulado com Jimmy Monroe. Porém, havia um outro relacionamento difícil de terminar: a bebida e as drogas continuavam a fazer parte de seu cotidiano.


No fim de 57, Billie rescinde o contrato com Granz e volta à Columbia quinze anos depois (ela gravou o melhor da sua primeira fase no selo, entre 1933 e 1942, até partir para a Decca). A idéia dos executivos era realizar uma mega-produção “no nível da grande estrela que Holiday sempre foi”.

Para tanto, conceberam um disco especial: o repertório iria consistir do melhor da música americana dos tempos do Tim Pam Alley — em sua totalidade, consistindo de números nunca granados por Lady Day — acompanhada apenas e tão somente por um arranjo de cordas, sob a regência de Ray Ellis.

O problema é que, a despeito do fato de que Billie já tinha relativa experiência com arranjos desse naipe, ela sempre foi uma crooner de jazz, isto é, ela iria se sentir menos à vontade londe do seu habitat natural, que era o improviso. Como naquele tempo não havia overdubs, Holiday teria que gravar tudo ao vivo com a orquestra. Por conta disso, tudo deveria ser milimetricamente calculado.

Ou seja: na prática, tudo era muito bonito, tudo era muito bem concebido, tudo era feito na melhor das intenções. Só que, naquela altura do campeonato, quem conhecesse Billie saberia que ela não iria ter o mínimo saco para aquele tipo de metiér — e talvez fizesse de tudo para demonstrar isso...

E foi mais ou menos o que aconteceu. Ao contrário dos velhos serões de jazz, não havia afinidade com os músicos; seu timing era diferente do de Ellis, rigorosamente profissional em seu lavor de joalheiro em lapidar cada arranjo, elaborar cada timbre, moldar cada canção.



Em contraposição ao espartano Ray, Billie esquecia as letras (todos eram inéditas do seu repertório usual), não fazia lá muita questão de decorá-las e, sendo quase uma sexagenária em seus quarenta anos — consumidos em noitadas e bebedeiras — ela já estava na capa da gaita.

O resultado final — Lady In Satin — pode ser considerado como um álbum sui generis na carreira de Holiday. Talvez pelo fato se se tratar de uma incursão de uma cantora de jazz num gênero tão diverso como o easy listening tenha, em parte, a engessado e, ao mesmo tempo, a colocado numa situação diversa.

Billie poderia soar melancólica em alguns momentos em disco, como em Don’t Explain ou God Blass the Child, por exemplo.

Contudo, é difícil explicar a aura soturna que permeia Satin do começo ao fim. Para quem conhecia seu material da Columbia nos anos 30/40, o que vemos agora mais parece o ocaso de uma estrela. Billie exala uma tristeza que os arranjos superdimensionam, desde a sua voz arrastada e carregada de vibratos até o coro feminino que, como observa bem Roberto Mugiatti no epílogo da versão brasileira do Lady Sing the Blues, mais parece “o comitê de recepção ao paraíso”.



Ou seja, Lady In Satin podia ser arrastado para a fácil rotulação de uma produção cheia de clichês — e, de fato, o disco foi descascado pela crítica, que o achou comercialóide demais para uma diva do jazz — se não fosse por Billie. O Penguin Guide to Jazz chegou a dizer que o disco era um “olhar curioso sobre uma mulher vencida”.

As críticas, porém, ficaram divididas: uma facção achava que ela estava na sarjeta. Outra achava que ela havia se redescoberto; sua oz carregada de vibratos exalava uma outra mulher, uma outra cantora, que pairava por cima de todos os pântanos.
Quem primeiro reparou nisso foi o próprio Ray Ellis.



Era como se, ao profetizar o fim, aquilo lhe franqueasse uma aura pessoal de dignidade e, ao mesmo tempo uma absurda vitalidade na forma terna em que ela emposta e coloca a voz, catalisando de maneira inefável os seus sentimentos mais profundos e inescrutáveis de uma forma tão doce e tão dolorosa ao mesmo tempo. “For heaven’s sake, let’s fall in love...”, canta ela.

Anos mais tarde, Ellis revelou que ficou desapontado com a perfornance de Lady Day. No entanto, não deixou de observar que mudou de idéia quando foi mixar os tapes com o produtor, Irwing Townsend:
— O momento mais emocionante foi reouvir a gravação de “I’m a Fool to Want You” — diz ele. — Havia lágrimas em seus olhos.

— Depois que terminamos o álbum eu entrei na sala de controle e escutei todo o material— conta. — Devo confessar que fiquei desapontado com aperformance dela, mas na verdade eu estava ouvindo de forma racional, e não de maneira emocional. Não me apercebi disso semanas depois, quando escutei a mixagem final e então percebi o tamanho de sua atuação como cantora, revela Ellis.

A edição de 2010 da Legacy, que inclui bonus tracks, corrobora tanto a opinião de Ray quanto mostra a dificuldade de lidar com Billie durante as sessões. Em “I’m a Fool To Want You”, ela parece mais bovina a cada take. Em “End of Love Affair” é possível imaginá-la tentando se achar na partitura, errando a letra, ora se impacientando, ora rindo de si mesmo.



Ellis pede para que ela ouça a orquestra e um take aparece na seqüência todo em instrumental, para que ela ouça — tudo era feito ao vivo, fato que, com efeito, aumentava o desgaste entre ela e os músicos. Em determinado take, ela não consegue esconder a raiva. Erra, e depois diz: “que diacho, o que vocês estão fazendo comigo, eu não sou uma prima-dona!”.

A despeito disso, terminadas as sessões de Lady In Satin, entre mortos e feridos, todos se salvaram. Ray e Billie até voltariam a gravar juntos, dessa vez pela Verve, num álbum que seria chamado de Last Recordings.

Aliás, nem todos se salvaram. Billie continuaria como uma pedra a rolar, até vaticinar o seu fim no enterro de seu amigo e amante, Lester Young (com apenas 49 anos), no começo de 1959: “A próxima sou eu”, disse a um amigo, logo depois.


PS: O Lady In Satin foi relançado este ano também aqui no Brasil pela Columbia/Legacy em super áudio, pela coleção 1001 Albuns da CBS




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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Time Of The Season


Capa

— Mas esse disco de vocês é excelente mesmo, hein?

Esse era Al Kooper, o líder do Blood, Sweat And Tears, depois de escutar um acetato do último disco dos Zombies, o Odessey And Oracle.

O que ele não sabia é que quem estava naquela base do sangue, suor e lágrimas mesmo era a turma do Colin Blunstone. Eles estouraram em 1964 num concurso promovido pela London Evening News, que lhes permitiu assinar contrato com a Decca naquele mesmo ano.

No entanto, a concorrência massiva com de bandas britânicas que, com efeito, faziam praticamente o mesmo som, a pressão comercial em bater uma concorrência desleal — num momento em que o grau de sobrevivência de um conjunto de rock residia na sua capacida de em elaborar single de sucesso e a necessidade de fazer sucesso na América faz com que os Zombies fossem paulatinamente subestimados.

Isso a despeito da banda ter sido capaz de lançar compactos de qualidade, como She’s Not There e Tell Her No, a tentativa da gravadora em vendê-los como os Beatles da vez — com Begin Here, na verdade uma coletânea de compactos, dentro da cultura fonográfica da época — acabou resultando em frustração. Os Zombies não foram bem nas paradas já num momento em que a Invasão Britânica parecia dar mostras de que estava sendo superada até por si mesmo.



Dois anos depois, quando a estética musical do rock havia mudado de cena — mais precisamente para a Costa Oeste americana, a British Invasion começava a ficar datada. A falta de perspectiva comercial somada ao retorno inexpressivo em matérias de venda de discos faz com que a Decca se desinteressasse por Rod Argent e companhia.

Em 1967, com seus dias contados, os Zombies assinaram contrato com a CBS. O objetivo era, pela primeira vez, criar um álbum que consistisse apenas de canções inéditas. Por sua vez, o desafio era colocá-los a toda prova como uma banda capaz de realizar um trabalho impecável. O problema? O quinteto iria, de maneira paradoxal, dar o melhor de si numa situação extrema, explorando todo o seu talento num um trabalho independente.



Para tanto, alugou os estúdios da EMI em Abbey Road (seriam os primeiros a realizarem sessões no local sem serem músicos da Parlophone até então) e se dedicaram a compor o que seria o seu “Canto do Cisne” — com a devoção triste de um quinteto de cordas tocando enquanto o transatlântico afunda...

O incrível foi que os Zombies chegaram em Abbey Road e conseguram — mesmo que batendo pé — que os engenheiros de som esperassem antes de recolher o vasto equipamento utilizado pelos Beatles nos estúdios. Vale lembrar que, além do Pepper’s, o local fervilhava com a gravação do Pipes, do Pink Floyd e o SF Sorrow, dos Pretty Things.

Em parte inspirados pelo momento sublime, em parte dispostos a darem o seu melhor, o quinteto colheu a mais bela rescolta de canções que poderiam colher. A despeito da situação falimentar dos Zombies, eles puderam dar um tempo para seus problemas e gravar um álbum como se estivessem no seu auge. Esse carrossel de paradoxos é que transformou o Odessey And Oracle num momento inefável na carreira da banda.



Do ponto de vista musical, o disco entra de cabeça no tipo de pop barroco que floresceu no rock britânico a partir de meados dos anos 60, explorando elementos eruditos, de jazz, vaudeville e de trabalhos corais — principalmente por intermédio de Argent, um pianista de influência erudita. Isso se torna evidante em passagens de harpiscórdio em Care Of Cell 44 (que também não deixa de pagar tributo à psicodelia dos Beatles em Penny Lane ao ao rococó pop de Brian Wilson do Pet Sounds) ou em órgão, como em Beechwood Park.

Contudo, ao contrário de muitas bandas da época, que tendiam a realizar experimentos com Leslie speakers, tape loops, gravações ao contrário, sobreprosições de faixas em overdubs gravados em timbres distintos, música concreta (coisa que os Beatles, os Stones ou o Pink Floyd fariam — quase como precursores do space rock) o trabalho dos Zombies é essencialmente calcado nos arranjos de extremo bom gosto Bem ao estilo Collin-Blunstone, as canções tem a concisão pop no entanto elaboradas com extremo bom gosto, em arranjos complexos e, ao mesmo tempo, acessíveis.

A primeira parte foi registrada em Abbey Road. Depois de uma interrupção, onde estenderam a produção no Olympic, os Zombies voltaram à EMI para terminar o disco. Naquele ponto, os Zombies já estavam desiludidos com a repercussão indiferente do público depois do lançamento do single Care of Cell 44/Friends Of Mine; com a sensação de que seria mais uma quimera, o Odessey foi concluído numa progressão fulminante.

Já no apagar das luzes, Argent apareceu com algo totalmente diferente do que vinha sendo gravado desde então: Time of the Season. Ao contrário das canções do álbum, Time... parecia mais experimental, mais agressiva, com um teclado que a transformava num liquidificador lisérgico. Porém, naquela altura do campeonato, nem a nova música os empolgou. Blunstone não queria fazer os vocais. Depois de muita insistência, ele topou.

Odessey And Oracle foi lançado em abril de 1968. Toda a beleza do disco, que ia dos arranjos originalíssimos às letras inspiradíssimas, que versavam desde a passagem inexorável do tempo (A Rose for Emily), ao verão, a amizade (Beechwood Park), ao onírico (a apaixonada fantasia de Hung Up On a Dream, uma belíssima canção que roda junto com os versos, numa repetição circular das suas estrofes), ao lirismo ingênuo do primeiro amor (I Want Her She wants Me, This Will Be Our Year), o bucolismo de Brief Candles e a dramaticidade cênico-fantasmagórica de Butche’s Tale — que desaguam na pororoca psicodélica de Time Of The Season, que cria um contraste e uma profundidade sonora perfeita às composições mais suaves do disco.

Em Odessey, os Zombies se tornaram o perfeito exemplo de que talento não é suficiente. Como eles, muitas outras bandas experimentaram o fracesso no ápice de suas qualidades musicais. Esse (outro) paradoxo, quase um estereótipo no mundo do rock — eles não foram os primeiros e não seriam os últimos a serem incomreendidos — faltava um empurrãozinho...

— Vocês não querem lançar o Odessey nos Estados Unidos? — perguntou Kooper.


A proposta era irrecusável. Havia apenas dois problemas quase incontornáveis. O primeiro é que eles teriam que custear o trabalho de mixagem em estéreo, já que o álbum havia sido lançado na Inglaterra apenas em mono. O segundo: as sessões do disco haviam exaurido todo o estímulo do quinteto em continuar. Argent já havia criado uma nova banda. Mesmo assim, eles resolveram levar a cabo sugestão de Al.
Torraram dinheiro que eles não tinham para fazer, também de forma independente, já que o contrato deles com a CBS britânica já havia acabado. Kooper levou os masters para a América.

Como se costuma dizer, se o final foi triste, é porque não era o final ainda. O verdadeiro final sempre deverá ser feliz. E esse foi o do Odessey And Oracle. Kooper leva todos os méritos: ele insistiu para que o todo poderoso da Columbia ianque, Clive Davis, o lançasse.

Mesmo que o disco saísse por uma obscura subsidiária da CBS, a Date Records. O primeiro single foi Butcher’s Tale (a gravadora apostou na temática pacifista na letra). Mas o faro de Al estava certo; Time of The Season era a pièce de resistance do vinil. Quando saiu em compacto nos Estados Unidos — um ano depois do lançamento britânico, ela foi catapultada ao topo das paradas.

Contudo, a verdadeira pátria de Odessey And Oracle seria a posteridade. O tempo cuidou de apontá-lo como um dos pináculos do pop rock dos anos 60: um trabalho à altura dos melhores momentos dos Beatles e dos Beach Boys. Passados mais de quarenta anos, a obra-prima dos Zombies soa cada vez melhor.



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sexta-feira, 12 de novembro de 2010

The Madcap Laughs


Capa



Madcap Laughs é um enigmático e pitoresco
quebra-cabeças. A história é mais do que notória: começou quando o inglês Syd Barrett foi “demitido” da banda que ele fundara, o Pink Floyd, por conta do seu comportamento cada vez mais excêntrico e bizarro.

Com um punhado de canções, uma idéia na cabeça e ainda alguma razão dentro dela, gravou algum material acústico, em meados de 1968. O projeto ficou inacabado e foi para a gaveta, enquanto Syd deu uma sumida por uns tempos.



No ano seguinte, Malcolm Jones e os executivos da Harvest resolveram pôr Barrett na ativa.



Pegaram gente como Hugh Hooper e Robert Whyatt (ambos do Soft Machine), Jerry Shirlley (do Humble Pie) e preencheram os tapes engavetados. Syd convidou ainda David Gilmour e Roger Waters — que, respectivamente conheciam bem o ex-parceiro de banda, e podiam segurar a barra, já que o restante dos músicos ficava abismado com os modos do autor de See Emily Play mudava o tempo, o tom ou os acordes das músicas o tempo todo.

Whyatt conta que, em certos momentos, eles se exasperavam e, contando até dez, perguntavam ao nefilibata ex-líder dos Floyds qual era o tom da canção.



Syd olhava para eles e dizia: “Sim”, ou “Isso é engraçado”. A falta de entrosamento entre ele e os outros era tanta que, em algumas faixas, o trabalho é em cima da base deixada por ele no violão (como Dark Globe e Terrapin, por exemplo).

Quando o disco saiu, em fevereiro de 1970, a crítica foi nada rude com o resultado. Em parte, por se tratar de um trabalho que era, de certa forma, um reflexo do próprio estilo musical que “aqueles cabeludos” faziam na época. Ou, então, por achar que o maluco beleza Syd Barrett, como era de se esperar, estava a finalmente marchando a largos passos rumo à insanidade total.

Octopus, com uma letra birutíssima, soa engraçado se não soasse triste de se ver alguém como Syd perdendo a razão a cada música. No fim, se tornaria um testamento musical de um cara genial que, a despeito do uso desregrado de drogas recreativas, como o LSD, sofria de esquizofrenia e, segundo alguns biógrafos, padecia do mesmo mal que afigiu pelo resto da vida o mítico pianista e maior intérprete de Bach, Glenn Gould.

Já Gilmour corrobora a tese de que os problemas mentais de Barrett estavam ali desde sempre. “as drogas apenas potencializaram e provavelemente catalisaram tudo”, disse.



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domingo, 31 de outubro de 2010

Songs From a Room


Capa


Com suas canções sobre amor e desamor, tédio, solidão, desejo, desespero e escalpos Leonard Cohen fez parte do que se chamou de um movimento que amadureceu a temática das letras das canções pop, depois da aparição de cantores/compositores ditos “sérios”, como Bob Dylan, criando um novo modelo.



Mas, assim como o compositor de Blowin’ In The Wind, ele modelo específico parecia ir na contramão das barroquices psicodélicas que estavam em voga quando lançou o seu primeiro disco, em 1967. Em vez de coretos, guitarras ensurdecedoras e exóticos efeitos de estúdio, ele usava o disfarce do cantor folk para, ao invés de destilar protesto e ódio político contra preconceitos e injustiça social, compor letras ostensivamente subjetivas em arranjos acústicos.

Em seu segundo disco, Songs From a Room, Cohen optou por uma produção sóbria, ao contrario do seu álbum de estréia. O compositor não gostou do trabalho final, assinado por Jon Simon, que pontilhou o disco com um instrumental eficiente, mas que o autor de Sisters Of Mercy achou “pesado e sofisticado demais”.



No disco, produzido pelo produtor preferido de Johnny Cash e Dylan, Bob Johnson, (que, diga –se de passagem, porque não se intrometia no trabalho de nenhum deles) Leonard, ao contrário do primeiro trabalho, surpreende por optar por canções curtas, mas letras diretas. Contudo, manteve apenas um expediente que ele não abriu mão nos seus discos: um coro feminino.



No mais, as faixas são apenas voz e violão, emprestando um caráter muito mais intimista, dando ênfase ao seu canto lúgubre e embriagado. Em faixas como Lady Midnight, ele encontra, cinge e salva uma mulher perdida; Seems so Long Ago, Nancy seria a história real de uma canadense, Nancy Callies, que se suicidou quando seus pais exigiram que ela desse seu filho para adoção.

Porém, mais tarde, Leonard revelou que, na verdade, ela era apenas uma empregada que ele conheceu num cabaré, o que, de fato, parece ser mais convincente com a interpretação da letra; já a barroca Story Of Isaac, Cohen usa a conhecida passagem do Gênese para, no foco narrativo do filho de Abraão, descrever sua própria imolação como metáfora aos que hoje “sacrificam os seus filhos”.

Em tempos de guerra do Vietnã, podia uma inteligente e desconcertante metáfora. O resultado foi um trabalho musical e propositalmente castiço e pobre, porém marcante e sombrio ao extremo.





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domingo, 24 de outubro de 2010

What's Going On?



Capa


Marvin Gaye era a gema
da Motown: carismático, boa pinta e excelente cantor e compiositor. Não era a toa que ele era chamado de o Príncipe do Soul.

No famoso selo de Detroit, ele emplacou dezenas de sucessos memoráveis pelos anos 60 afora, como I Heard It Trough The Grapevine, Hitch Hike, Pride And Joy, Your Precious Love, How Sweet It Is (To Be Loved by You), Ain't That Peculiar. O auge foi o duo que ele criou com a bela Tammi Terrell: Ain’t No Mountain High se tornaria um dos maiores êxitos de todos os tempos pela mitológica gravadora de Detroit.

A parceria, no entanto, terminou de forma trágica. Diagnosticada com tumor no cérebro, Tammi morreria meses depois, com apenas 24 anos. Seu passamento significou o fim do episódio 1 da carreira de Gaye.

Arrasado, ele ficou mais de dois anos longe do disco e dos palcos. Ao mesmo tempo, decidiu repensar a vida. Não queria mais cantar músicas românticas. Para eele, o mundo estava de cabeça para baixo, e ele precisava fazer alguma coisa.

Escreveu um punhado de canções, que retratavam o seu ponto-de-vista perante problemas na sociedade, como abuso de drogas, racismo, violência policial e a Guerra do Vietnã. Inicialmente, ele queria gravá-las coma colaboração de Al Cleveland e Renaldo Banson, dos Four Tops.

Eles sugeriram que Marvin as gravasse ele mesmo. No fim, teria que tomar uma decisão corajosa. Não era um álbum de canções pop, mas sim um disco com letras de protesto. Barry Gordy Jr, o manda-chuva da Motown, não gostou nada da idéia. Achou que era ousadia demais abordar essa temática, ainda mais, num disco da Tamla.

Gaye bateu pé: queria gravar What’s Going On, e ponto final. Ambos ficaram num impasse, até que o cantor deu o ultimato ou Gordy, que naturalmente queria um disco na velha fórmula de sucessos da Motown.

Ou ele aprovava o projeto ou ele pediria demissão. Gordy, por sua vez, teve que engolir em seco...



Por mais desastroso que fosse permitir o disco, ele não podia perder Gaye para a concorrência. Contudo, o que mais chateou o dono da Motown foi o fato de que o disco não tinha, em sua opinião, nenhuma viabilidade comercial, e não iria tocar em nenhuma rádio.

Todas as músicas eram um ciclo formado por nove partes, que contam uma história contínua — mais ou menos como no famoso (!) álbum conceitual Watertown, de Frank Sinatra. Nesse caso, por melhor que seja, ele se tornaria o melhor disco do The Voice menos ouvido da história. Gordy achava que se What’s Going On não encalhasse, reria mais por causa de Gaye que das faixas em si.

Para azar de Gordy, ele se enganou redondamente (não seria a primeira vez: por exemplo, se dependesse do seu aval, Marvin e Tammi jamais teriam gravado Ain’t No Mountain High) e provou a máxima de que você “não precisa de metereologista para saber qual é a direção do vento”

A faixa que dá nome ao álbum, por exemplo, lançda como compacto (contra as ordens de Gordy, novamente) foi o maior sucesso de Marvin desde I Heard It Trough The Grapevine, vendendo quase três milhões de cópias.



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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

All Things Must Pass


Álbum completa 40 anos em novembro


Com uma média de uma faixa por disco, desde que começou a colaborar como compositor quando integrava os quadros de um time chamado The Beatles, todos os fãs dos Fab Four podiam conceber que George Harrison fosse tudo menos um músico prolífico.

Erraram. De largada, ao lançar o seu primeiro trabalho solo após a dissolução do quarteto de Liverpool (o primeiro foi Wonderwall, de 1968, trilha sonora original de um filme de mesmo nome), All Things Must Pass veio à lume como álbum triplo.

O fenômeno era explicável: sua produção musical era regular e constante, o problema era falta de espaço ao quebrar lanças com John Lennon e Paul McCartney nas gravações, que naturalmente tinham a primazia nos álbuns dos Beatles.



Por conta disso, muito do material do seu novo disco estava mofando na gaveta há algum tempo. A própria canção que dá nome ao álbum, por exemplo, chegou a ser gravada nas sessões de Let It Be.

It Isn’t a Pity datava de 1966, e teria — segundo Harisson — sido rejeitada por Lennon para gravação. I’d Had You Anytime era uma parceria com Bob Dylan (de quem coverizou If Not For You, de New Morning, o mais recente LP do compositor norte-americano, que contou com a participação do próprio Harrison nas sessões como guitarra-solo, mas que não seria registrada oficialmente em LP).



George perdeu a parceria com os Beatles, mas soube munir-se com uma vigorosa trupe de músicos, que ia e Alan White (do Yes) até Billy Preston, passando por Eric Clapton, Bobby Keys (o saxofonista oficial dos Rolling Stones), Klaus Voormann, Peter Frampton e Ginger Baker (2/3 do Cream já valeriam o disco...), tudo sob a batuta )pelo menos, em parte) do temido Phil Spector, que destilou o seu wall of sound em All Things Must Pass, deixando o disco encorpado e pesado, bem seu estilo que caracteriza o seu processo de trabalho como produtor.

Isso explica a seção acústica de My Sweet Lord, por exemplo, cuja introdução soa como se o ouvinte percebesse uma dezena de guitarras acústicas. A curiosidade ficou por conta do fato de que essa canção, a mais conhecida do álbum, foi acusada de ser plágio de He’s So Fine, sucesso de 1963 do conjunto The Chiffons.

A solução salomônica encontrada por Harrison para se livrar da acusação: comprou os direitos de He’s So Fine. No fim, até os Chiffons gravariam My Sweet Lord, embarcando na repercussão da polêmica envolvendo as duas canções.

Outra curiosidade: durante as sessões do disco, Eric Clapton se lembrou de quando ele conheceu a bela Ronnie Spector pela primeira vez, quando as Ronettes faziam enorme sucesso com Be My Baby. Reza a lenda (contada pelo próprio guitarrista) que Ronnie caiu de amores pelo destemido Slowhand, pelo simples e bizarro detalhe: para ele, ele era a cara de seu então marido, Phil.



Clapton achou que tudo não passasse de besteira da cantora, até que Eric finalmente conheceu Spector durante as gravações do All Things Must Pass. Foi quando ele descobriu que, de certa forma, eles eram ligeiramente parecidos. E também foi nessa insigne ocasião que o ex-guitarrista do Cream pediu ao produtor para que ele lhe ajudase nas sessões do seu primeiro disco solo.





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domingo, 10 de outubro de 2010

O Banquete dos Stones


Capa

Um homem deu uma grande ceia e enviou seu servo para dizer aos convidados que tudo estava preparado. Todos se escusaram. O servo disse que ninguém quis vir. Com raiva, ele replicou: "sai pelas praças e introduz aqui os pobres, os aleijados, os cegos e os coxos. Disse o servo: "senhor, está feito como ordenaste, mas ainda há lugar". Ele replicou: "sai pelos caminhos e obriga todos a entrar, para que se encha a minha casa. Pois vos digo, nenhum daqueles homens que foram convidados provará a minha ceia".

A parábola do Evangelho de Lucas 14 é a largada para o primeiro álbum nota dez dos Rolling Stones e o começo de uma série de discos de qualidade excelentes, que compreendem juntos o Século de Péricles da banda de Mick e Keith. Livres das acusações de porte de drogas que lhe custaram quase todo o ano de 1967 e longe dos palcos, os cinco decidiram consolidar de vez sua música, depois de trabalhos irregulares, como a coletânea Flowers, ou o metapastiche psicodélico Their Satanic Majesties Request, uma incursão agressivamente bisonha no Flower Power.

No estafe, Richards e Jagger mudou quase tudo, do fotógrafo ao produtor, Andrew Loog Oldham que, como diretor musical, era um excelente publicitário. Para o seu lugar, eles recrutaram Jimmi Miller, que trabalhava com o Traffic de Steve Winwood e Chris Wood. A parceria também seria fundamental no trabalho dos Stones a partir dali.


O álbum seria também um retorno às raízes da banda, que havia se perdido à medida em que o quinteto resolveu abraçar a muisicalidade pop e a estética mod à medida em que passaram a compor. A proposta era fazer algo "sério", ao contrário do pastiche do Between The Buttons e a volta ao bom e velho blues que os forjou como banda — ou, como disse alguém ummisto de Delta Blues e Swingin' London decadente.

Beggars Banquet
começou a ser gravado em março de 1968 e a perspectiva era finalizá-lo até antes do começo de outono. Em maio, o single Jumpin' Jack Flash saiu com estardalhaço — e o disco prometia.

Um elemento distintivo, e que seria incorporado ao som dos stones desde então, a partir de Jumpin' Jack Flash era a utilização de afinações alternativas em suas canções, por parte de Richards, que passou a estudar estilos variados de guitarra durante o recesso forçado de 1967. Ocorolário já podia ser ouvido noseu mais novo compacto, onde Keith passaria a utilizar afinação em OIpen E, o que daria um caráter muito mais expressivo e vigoroso aos seus riffs a partir de então.


E a citação bíblica que deu origem ao título do disco não é gratuita: Beggars Banquet é cheio de citações aos evangelhos, porém de uma forma ligeiramente secular e cínica. Como em Sympathy for the Devil que, numa escatologia baudeleiriana, descreve como o mal serviu mais de testemunha do que de agente em diversos momentos da história - a músioca reflete também o ano político de 68, ao comentar a morte do senador democrata Robert Kennedy (Martin Luther King também seria assassinado naquele mesmo ano).



Aliás, o filme One Plus One (Godard) mostra perfeitamente o processo de elaboração do arranjo de Sympathy for the Devil. Mais do que isso, mostra como à medida em que a banda em geral se entrosava cada vez mais em torno da produção, o apático Brian Jones preferia ficar alheio a tudo isso e deixaria os Stones menos de um ano depois do lançamento do disco.

O disco contém pérolas como No Expectations, um blues-country inspirado em Robert Johnson, que ganharia um cover dos Stones no álbum seguinte, Leve In Vain, no Let It Bleed. A tragicômica Dear Doctor, sobre um casamento arranjado com um final (in) feliz (que fica mais peculiar com um arranjo simples de jug band), a dionisíaca e muddywateriana Parachute Woman; a subestimadíssima (e dylaniana) Jigsaw Puzzle serve de entreato para o lado B do disco, que começa com o hino Street Fightin' Man - inspirada na volência crescente contra movimentos estudantis na França, que culminariam na guerra de paralelepípedos na Sorbonne.

Prodigal Son, único cover do disco, é um original do obscuro blues-singfer e reverendo Robert Atkins. Os stones deram um sutil toque country, amalgamando os estilos (algo que um certo Gram Parsons, que seria grande amigo de Richards, já tencionava fazer nos Byrds nessa mesma época). O destaque é para o trabalho acústico de Keith, que consegue (sbe-se lá como) fazer o volão gemer e distorcer — e o estilo despojado de Jagger cantá-la (como ele faz de mesma forma em Factory Girl), franqueando ao master take um despojamento de uma gravação demo.

Canções como Dear Doctor, Prodigal Son, Factory Girl e No Expectations também demostram esse lado roots do álbum — em fazer algo que dificilmente os Stones feriam novamente, que é moldar todo o disco com uma roupagem acústica. E esse ponto-contraponto elétrico-acústico seria o mote nos álbuns dessa fase do quinteto, do Beggars até o incensado Exile On Main Street

Rich Grech (Family) e Dave Mason (Traffic) participam de Factory Girl - e provavelmente seria os primeiros de um verdadeiro desfile de participações especiais que passariam amiúde pelas faixas dos discos seguintes, até o Black And Blue, de 76.

Salt of the Earth, a despeito da citação ao Sermão da Montanha (São Mateus), é uma espécie de conclamação aos trabalhadores de todo mundo, mas na verdade, ela tem um fundo falso, de anti-canção de protesto.


Segundo Jagger, era uma forma irônica de ir do lado de um espírito de manada de acreditar emalgum tipo de redenção: "eu estou dizendo que essas pessoas não têm nenhum poder e nunca irão ter", diz. Stray Cat Blues, uma das poucas canções pesadas do Beggars, fala sutilmente de pedofilia: "I can see that you're fifteen years old/No I don't want your I.D.". Também seria um dos highlights da turnê de 1969.

Beggars Banquet ficou pronto no prazo. A querela é que eles queriam que a Decca aprovasse uma capa onde aparece uma foto de um mictório imundo. A gravadora vetou, é lógico. Mas a disputa iria durar meses, até que os Stones capitulassem em favor de uma capa imitando um convite RSVP. O fato da capa final sair toda branca e do disco ter saído na mesma época do White Album, dos Beatles, fez com que muitos (como sempre) achassem que os Stones estivessem imitando o quarteto de Liverpool.






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quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Bridge Over Troubled Water


Capa

Considerados como a mais bem sucedida dupla folk-rock da década de 60, criadores de sucessos como "A Hazy Shade Of Winter" e "Bridge Over Troubled Water", tão nova-iorquinos quanto a Estátua da Liberdade e o Greenwich Village, Paul Simon e Art Garfunkel ocupam um lugar de destaque na história da música graças a canções de extrema sensibilidade em sua execução vocal e instrumental, assim como em seu lirismo particular na abordagem de questões sociais.

Depois de anos de idas e vindas, eles decidiram pôr termo à brilhante parceria. Haviam se separado no começo, em 1964, quando não conseguiram achar a fórmula ideal para a sua música.



Com persistência, se permitiram a uma segunda chance: decidiram reatar e, com a ajuda do produtor Tom Wilson, recriaram a fórmula antiga ao eletrificar o folk, dando à música inspirada nos duetos inesquecíveis dos Everly Brothers uma roupagem pop, perto da linguagem do rock inglês que estava em voga nas paradas.

Por mais incrível que possa parecer, se a falta de sucesso foi o motivo da primeira separação, seis anos antes, agora esse motivo não contava mais.

Afinal, eles tinham de tudo — fama e dinheiro. Mesmo que a carreira de ambos estivesse de vento em popa, nada parecia se refletir nas relações entre ambos. Simon, que compunha a maioria das canções, se sentia limitado por trabalhar sempre com o mesmo colaborador, e Garfunkel, por sua vez, se sentia sempre na sombra de Paul, que era quem mais parecia se destacar, com sua soturna e bizantina pose de menestrel.



Contudo, como nas festas bíblicas, deixaram para os convidados o melhor vinho para o fim das bodas. O canto de cisne da dupla foi, com efeito, simplesmente a obra-prima de ambos, o eclético Bridge Over Troubled Water, que incluía temas inesquecíveis como "The Boxer", a andina "El Condor Pasa", "Cecilia", "Song For The Asking" e é claro, “Bridge Over Troubled Water”, uma das mais belas e singelas canções sobre amizade jamais compostas, e que Paul havia escrito para Art, que estava cada vez mais ausente no estúdio, e que aparecia apenas para gravar a sua parte vocal.



O gesto de Garfunkel foi a gota d’água para Paul que, pouco tempo depois, decidiu dar cabo da instável dupla, justamente quando estavam no auge. Tanto que aquele que era para ser o derradeiro trabalho juntos virou um smash hit.

Só falando em Grammy, eles coparam melhor disco, melhor produção, melhor canção para "Bridge Over Troubled Water". De largada, o álbum vendeu mais de 25 milhões de cópias pelo mundo afora.




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quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Um feixe de cevada


A capa

O Traffic encerrou suas atividades em meados de 1969 e, desde então, a vida dos seus ex-membros virou uma novela rocambolesca: Steve Winwood resolveu se juntar a dois remanescentes do Cream (que também havia acabado um pouco antes), Eric Clapton e Ginger Baker.Com Ric Grech, criaram um super-grupo, o Blind Faith.

Além de amalagarem as tendências musicais de suas antigas bandas, também introduziram nela o espontâneo germe da efemeridade. Duraram um disco (excelente) e uma mega-turnê (tumultuada). Além disso, Clapton caiu de arrufos com um dos conjuntos que abriam os shows para o Blind, a Delaney, Bonnie And Friends (ali conheceria Duane Allman, mas essa é outra história) e meio que deixou os seus companheiros em segundo plano.

O Faith acabou, Clapton começou a criar o Derek And The Dominos, e os remanescentes do Traffic agora se envolveriam com outro breve projeto com Mick Weaver — Mason, Capaldi, Winwood And Frog.

Também efêmero, durou apenas algumas apresentações ao vivo pela BBC no programa do John Peel. Nesse meio tempo, Steve, Ginger Baker e Ric integraram mais um projeto “super-banda-efêmera”, a Ginger Baker’s Air Force, um mistão do Blind Faith com o Traffic. Cansado dessa dança das cadeiras musical, Winwood resolveu voltar ao estúdio; dessa vez, para investir em um trabalho solo.

Porém, contudo, todavia, à medida em que Jim Capaldi e Chris Wood foram recrutados para trabalhar no disco, ele acabou se transformando no quarto álbum do Traffic — John Barleycorn Must Die.



Sem Dave Mason e muito distante dos arroubos psicodélicos dos anos 60, John Barleycorn é uma incursão muito interessante dentro do universo do jazz rock sem, no entanto, se tornar um trabalho hermético ou prolixo. Um exemplo é a instrumental Glad, um dos temas mais instigantes do LP, com seus solos de piano e de sax (por parte de Wood, um excelente e pouco exaltado solista, diga-se de passagem — talvez um dos maiores solistas de sopro da história do rock).

Freedom Rider lembra vaga mente o Spencer Davis Group da fase soul de I’m a Man — assim como em Empty Pages. Na triste Stranger To Himself, Winwood toca todos os instrumentos (esse era o seu objetivo inicial, ao conceber o álbum).

A acústica John Barleycorn (com um fingerpicking excelente de Winwood num folk 12 cordas), a mais conhecida (e sem dúvida a mais bonita) (e mais conhecida) do disco, é uma canção folclórica inglesa do Século XVI, que se refere à tentativa de um homem de se livrar do vício da bebida) inspiraria o livro Memória de Um Bebedor, de Jack London, mas isso também é outra história). Na verdade, trata-se de um mito que representa (explica através de) uma metáfora da morte da cevada, ou da colheita para o nascimento da bebida.

Baseada na canção, a ilustração da capa é um feixe de cevada. Sem muita pretensão, Wood, Steve e Capaldi fizeram uma verdadeira obra-prima e, de quebra, o melhor disco do Traffic.



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terça-feira, 7 de setembro de 2010

Led Zeppelin III e o "Espaço Vital"


Capa


Depois de quase três anos vivendo entre quartos de hotéis, palcos e conexões aéreas intermináveis, Jimmy Page e Robert Plant decidiram entrar numa vibe mais low profile e tirar férias...para trabalhar. De qualquer maneira, o objetivo principal era sair daquele mundo estressante do jet set, de turnês e viagens para mudar de ares. O local escolhido para esse exílio voluntário foi um sítio do Século XIX em Bron-Yr-Aur, recando calmo como uma vivenda campestre, no País de Gales, onde o jovem Plant costumavaam passar as férias com a família, nos anos 50. Assim como aconteceria com os Stones, aquele bucólico local ficou marcado pela passagens dos membros do Led Zeppelin.

Aí lá, eles resolveram ficar isolados e procurar anovos rumos para a sua música. A começar pelo fato de que não havia eletricidade ali – o que os forçou a compor desplugadamente em guitarras acústicas. A transa musical deles agora estava em procurar novas influências musicais, desde a música celta ate novos tipos de afinações, inspirados em trovadores como Roy Harper e Davy Graham – que fez a cabeça de muita gente naqueles tempos, até Bert Jansch, poeta escocês cujo primeiro disco fez escola.

De certa maneira, Plant sempre rejeitava o rótulo simplista “heavy” para a sua música (isso vocês sabem), defendendo que ele concebia uma sonoridade acústica para o Led. Logo, não foi difícil para a banda incursionar pelo mundo do acústico (cuja segunda parte do álbum é dedicada).

Tanto que o próprio trabalho de John Bonham no álbum é mais discreto, com relação aos seus bolachões antecessores. E, com efeito, tais elementos incidiram sobre as novas composições da dupla principalmente no estilo das melodias folk (como That’s The Way, com uma profusão de violões e mandolins que soavam como os antigos discos do Buffalo Sapringfield e, como não poderia deixar de ser, a crítica logo associaria o novo som do Led ao de Crosby, Stills, Nash & Young) ou eficientes abstrações country-rock, como Bron-Yr-Aur Stomp, tão longe da bizantina pauleira dos primeiros trabalhos, causasse estranheza em certos fãs.

A própria experiência de experimentar afinações diversas, ao estro de Davy Graham possibilitaram temas tão peculiares como a sonoridade de Hats to Roy Harper, onde Page conseguia fazer um violão rascar quase feito uma guitarra velha de cordas puídas, como aquele sunburt do Robert Johnson. em suma, esse tipo de produção resume bem o que é um trabalho eficiente e criativo de produção, composição e, principalmente, ambição.

Parêntese: Eu, nunca tinha parado para ouvir a guitarra do Page (vergoha total, desculpem) e as produções nos primeiros discos com uma visão mais, vamos dizer assim, despida de fanatismos de fãs de primeira ordem. É estranho porque eu deva ter torcido várias vezes o nariz para eles porque eles faziam um sucesso bestial de crítica e de público e absolutamente eu achava que o melhor em matéria de estética rock se resumisse ao padrão musical dos Beatles. Depois eu fui ouvir coisas como Hendrix e realmente eu achava bestial ouvir o Hendrix.

Mas a impressão que eu tenho hoje, a despeito de todo o talento dele era que era ou em parte tolhido pelas produções do Chas Chandler, e de fato, era,porque ele tinha uma concepção musical de criar em cima da guitarra que não cabe num espaço de três minutos. E, de fato, acho que foi uma luta para que os então músicos de rock do futuro conseguissem desdobrar produtores tacanhos ávidos por bandas de sucesso e criar o próprio trabalho à vontade, montando estúdios próprios e conseguindo criar contratos favoráveis no sentido demonstrar que era possível criar além dos ditames do mercado e mostrar na prova dos nove que o público também estava mudando. Só que eu pego o exemplo do Hendrix porque acho que ele tinha a noção de “espaço vital”, mas os discos acabavam se tornando meio que colcha de retalhos, como o Eletric Ladyland, que eu acho sensacional, contudo não tinham uma direção definida.

Enfim, eu tracei esse paralelo Hendrix/Page porque acho que,semquerer comparar o trabalho do Led e do Experience,acho que o Page pôde ter a liberdade de pegar a agressividade do Hendrix e a compliexidade musical de discos comoo Ladyland para gardar aquilono cabedal que é a música do Led Zeppelin, ou seja, quando eu ouço o trabalho de guitarras da banda do Plant, eu vejo o Hendrix, além do Hendrix, mas noutro sentido,o de encaixar e distribuir passagens e riffs de forma mais escorreita. E claro que, ao contrário do Jimi, que entrava em conflito com o Chas, oPage tinha carta branca da gravadora e do empresáriopara ouvir um: "vai lá e faz o que você quiser no seu disco, eu sei do que voc~eé capaz". Hendrix, como todos sabem, tinha quase tudo contra ele, e fazia música acima de tudo, e desapareceu quando emfim iria,por exemplo, tero seu próprio estúdio, a fim de obter ampla liberdade criativa. Ele foi barrado pela vida quando estava finalmente na demanda do seu espaço vital.

E eu sinto que o Page, com o conhecimento que ele adquiriu com os Yardbirds, foi um cara que teve a noção exata de aprender com o que ele via ao redor, e como produtor, ter sido capaz de empreender esse passo à frente dentro do rock, pegando todos os elementos necessários para elaborar essa nova estética sonora, no sentido que as músicas do Led Zeppelin tinham uma tendência a se tornarem longas, assim como os seus álbuns não um hit singles pack, mas uma produção que encerra-se em si mesmo, como algo definido, mas ao contrário do Hendrix, que se perdia em experimentações, e nesse sentido ele foi vital para o desenvolvimento da guitarra e técnicas de distorção, e outras coisas e ele naturalmente fez canções excelentes, mas caberia a outros pegarem as armas. Nesse sentido, acho que, pegando o exemplo do Led/Page, ele conseguiram chegar na exata essência de criar canções longas, mas serem estritamente econômicos na forma, enquanto exuberantes e diversos em cada arranjo.


E acho curioso imaginar que realmente se paga o preço por ousar, ou nem tanto: a idéia é justamente essa,pelo menos numa época em que era necessário abrir portões para criar a música, diferente de hoje, quando não iria me referir ao fato de que a produção musical e inferior, mas a verdade é que tudo se diluiu, e todas as estéticas foram desfraldadas. O que resta é a memória.

O terceiro do Led eu acho sensacional, muito embora eu ache o folk inglês, ou pelo menos de raiz celta (vide Pentangle, por exemplo), eu acho difícil de ouvir, e isso é evidente e abundante no III. Mas o Led Zeppelin conseguiu adaptar esse tipo de música à sua maneira, ou seja, mais reconhecível de quem já conhecia a música deles, mas claro que, na época, houve relativa resistência à uma banda de hard rock desplugar-se. Mas esse era o espírito "espaço vital" para criar.

E a repercussão de Led Zeppelin III perante a crítica e público foi controversa. Plant diz: “eles nos paravam, e perguntavam: onde vocês querem chegar com isto? Onde está Whole Lotta Love parte 2?”, lembra. “Eles queriam que nós soassemos como o Paranoid, do Sabbath!”. De fato, não deixava de ser uma injustiça. Afinal, o disco tem o seu lado elétrico, com Immigrant Song e o blues épico Since I’ve Been Loving You, com um trabalho longe de qualquer suspeita de John Paul Jones num Hammond – um tanto díspar do bucólico lado 2. enfim, a história cuidou de dar o devido valor a Led Zeppelin III. E acho que é o melhor álbum para começar a conhecer a música da banda de Robert Plant (o primeiro também).





Vocês já ouviram ele, mas link nos comentários.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Northern Sky


Clássico do compositor britânico/birmanês

Em 1968, Nick Drake travou conhecimento com um produtor musical freelancer, Joe Boyd. Figura influente no mundo folk inglês e descobridor do Fairport Convention, ele resolveu dar uma chance ao rapaz. Além do mais, ficaram amigos e Boyd se tornou uma espécie de mecenas para o jovem compositor.

O resultado foi um disco, Five Leaves Left, lançado no ano seguinte. O parto, porém, foi difícil; Boyd era do estilo de George Martin (produtor dos Beatles), partindo do princípio de que o estúdio era um instrumento para o músico. Indolente e espontâneo por natureza, Drake queria que Joe apenas apertasse o botão “record”. Somados a problemas de pór-produção e mixagem. A despeito dos elogios de parte da crítica, o Five Leaves Left era tão leve que não conseguiu voar até o topo das paradas.

Mais: não vendeu quase nada. No fim, Drake detestou tudo, até a capa. Para piorar, Nick estava longe e ser um bom divulgador da sua própria arte. Não conseguia se integrar com a platéia, quando ele se apresentava para abrir os show do Fairport. Não falava com o público, e parava o tempo todo para reafinar o violão a cada música.

Eles também não entendiam por que sua música era tão ‘difícil’, leve e quase sem refrão algum. Mesmo assim, Boyd confiou no talento o desapontado garoto e lhe deu a chance de mais um álbum. Sugeriu, porém, que ambos procurassem uma fórmula de sucesso: disse que era possível enriquecer o trabalho fazendo uso de músicos de estúdio nas gravações.

Sem escolha, e confiando em seu mentor, Drake topou. E assim nasceu Bryter Layter. Mais pretensioso que Five Leaves Left, o novo álbum soa menos elementar do que o voz e violão que caracterizou Nick no princípio, em favor de arranjos muito bem elaborados, contando com um piano, sax alto, órgão, flauta, coro e orquestra de câmara.

O dilema, contudo, foi abrir mão de uma linguagem folk para outra, que beirava o smooth jazz (Poor Boy pode ser classificada como ‘quasi una bossa nova’). Bryter é um disco acessível (com relação ao estilo intimista de seu autor) mas, ao contrário do que pensavam tanto Boyd quanto o seu outro produtor, John Cale (sim, ele mesmo), ele estava muito longe de ser um trabalho comercial.

Eis o dilema: como domesticar um músico genial, sofisticado, sensível e tão anti-comercial como Nick Drake? Por mais que tentassem, a beleza de sua poesia e a inefável ternura da melancolia de suas letras ia para outras direções, e era essa tristeza alegre e essa alegria triste que norteava o céu de Bryter Layter – um disco que não encontrava cognato no universo da música do seu tempo.

E a própria estrutura do disco, com prelúdio, interlúdio (o tema que dá nome ao álbum) e um finale instrumentais, que sugere algo como uma suíte musical. E distante do folk de protesto tão em voga naqueles anos densamente políticos, Drake falava de amores, de saudades, de encontros e desencontros, enfim, falava de si mesmo, era uma voz solitária, pregando num deserto de poesia.

Canções como Fly, por exemplo, são de uma candura indescritível: (por favor/dê-me seu segundo nome/dê-me uma segunda chance/me enterneci pela pessoa que és/necessito de sua estrela por um dia apenas). Além de Hazey Jane II (onde Drake se sente mais à vontade do que um peixe dourado num tapete persa), a canção que Boyd acreditava possuir maior chance de se tornar sucesso, Northern Sky, não chegou a sê-lo. Nem precisaria. De quê importam paradas de sucesso?

Ela é simplesmente a música mais emocionante de todos os tempos. Apenas quatro acordes e todo o sentimento do mundo numa súplica de amor (nunca guardei a emoção na palma de minhas mãos/mas agora você está aqui/a iluminar o meu céu do norte/por muito tempo eu tenho esperado/por tanto tempo que eu resisto/por tanto tempo tenho vagado/por tanto tempo tenho me sentido distante daqueles que conheço/ah, se tu pudesses/poderia pôr minha mente no lugar).

A triste celesta que percorre o arranjo e que chora no fim da música é perturbadora. Porém, levaria muito tempo para que os ouvidos moucos do público se dessem conta de Bryter Layter. Pena que Drake não viveria o suficiente para que tamanha injustiça fosse desfeita — tanto com relação à este quanto ao resto de sua obra.



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sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Strange Brew


Capa assinada por Martin Sharp


Passei minha juventude inteira ouvindo e reouvindo os discos do Experience. Depois de velho que eu comecei a me debruçar sobre a obra do Eric Clapton e, naturalmente, posso dizer hoje que prefiro muito mais o Cream do que a banda do Jimi Hendrix. Não que eu não ouça mais, mas meu conhecimento sobre o conjunto inglês era um tanto quanto superficial. Por exemplo, o máximo que eu me esbaldava era nas faixas do Crossroads (1988), a caixa que perpassa por duas décadas da obra do Slow Hand — Yardbirds, Bluesbrakers, Cream, Blind Faith, Derek And The Dominos e a carreira solo.

Como não poderia deixar de ser, o meu álbum preferido do Cream é o Disraeli Gears. Acho o Wheels Of Fire melhor, mas este éo que eu mais gosto. Clapton menciona na sua autobiografia toda a gênese da banda — quando ele percebeu que, junto com a sua fama underground de virtuose da guitarra elétrica, se juntasse o Jack Bruce, que ele conheceu quando gravou algumas faixas para a Elektra, com uma banda formada por eles e o Paul Jones (do Manfred Mann), a Powerhouse.

Bruce era o baixista ideal, inclusive, ele mesmo tocava para o Manfred Mann e o Paul Jones estava saindo do conjunto também. Clapton tinha a opção de Bruce e para fazer um trio que fosse, com efeito, a nata do blues-rock da terra da Rainha, bastava contar a seu amigo, Ginger Baker, que ele estava no projeto. Ambos estavam cansados de suas respectivas bandas, o John Mayall's Bluesbreakers e o Graham Bond Organisation.



Clapton, por sua vez, não queria mais ser o guitarrista; agora sua meta era ser um frontman. Foi ele quem conseguiu segurar a barra entre Baker e Bruce, que só se davam bem na hora de fazer música. Porém, o fundamental era, justamente, fazer música. E o outro objetivo dele era fazer o percurso inverso de um guitarrista negro e norte-americano que ele conheceu em Londres, e que queria fazer sucesso na Inglaterra, Hendrix.

O trabalho de ambos era, via de regra, similar: ou seja, reinventar o blues de Chicago com a psicodelia que grassava naqueles tempos. Jimi assombrava as audiências britânicas tocando de qualquer jeito, até com a boca. E também era compositor. Clapton queria ser o líder, mas da mesma forma, teria que compor — com Bruce, que já escrevera I Feel Free e outras, com o poeta Pete Brown.

Ao contrário do primeiro disco do Cream, Fresh Cream, composto basicamente de covers que iam de Robert Johnson até Muddy Waters, o próximo trabalho do trio deveria ser formado de canções originais e seu destino era o mercado americano, onde Eric era tão desconhecido do grande público quanto o próprio Hendrix até então.

Para tanto, em vez de longas blues jams, como era típico do Cream até ali, o novo elepê seria mais comercial, pop (é sabido que Clapton era excessivamente reservado a qualquer concessão de sua música nessa área) e com músicas grudentas e curtas, no entanto, sem perder a originalidade de Baker, Clapton e Bruce. O tal álbum prometido seria Disraeli Gears.

Disraeli Gears marca a diáspora de Eric para a América. ele deixava Londres, que estava arrebatada por Hendrix (que só receberia as boas vindas dos seus compatriotas um ano depois, em Monterrey, mas essa é outra história), o Paganini da guitarra, e resolveu se exilar em Hotel Chelsea, em Nova Iorque. Ali ele conheceu o artista plástico Martin Sharp, que seria um parceiro musical importante na música do Cream no disco. Sharp também assinaria a arte da capa do disco, e do posterior, o já citado Wheels Of Fire.

Gravado em pouco mais de duas semanas, em maio de 1967, depois de uma pequena turnê promocional do Cream. A fórmula era simples e dinâmica, mas ousada para um público novo que estava se formando para escutar algo como hard-rock, distorções, wah-wahs e uma levada jazzística na percussão, por conta de Baker. Não mais como um side man — como no tempo dos Bluesbrakers, e com aquilo que ele viu Hendrix fazer na guitarra, Eric teria trabalho de sobra.



Ele não seria o cantor principal do Cream, em favor de Bruce, mas faz os vocais em Strange Brew e Sunshine Of Your Love. A gravação contou ainda com a participação daquele que, com o tempo, nos pouco mais de dois anos de duração do Cream, se tornaria uma espécia de quarto membro do trio, Felix Papalardi. Primeiro como músico no Wheels Of Fire e como produtor em Disraeli Gears. Papalardi e sua esposa (que,anos depois, mataria Felix por acidente, mas isso é outra história) co-assinam Strange Brew (originalmente Lawdy Mama, e Papalardi recriou a letra sem subtrair-lhe o groove) e a genial World of Pain. Com exceção de Outside Woman Blues (Blind Joe Reynolds), todas as faixas são inéditas.

Falando em Strange Brew, interessante ver que a relação entre o Cream e Booker T rendeu uma feliz ligação entre Eric e Albert King: o disco Born Under A Bad Sign influenciaria o trabalho do power trio britânico. O solo de Crosscut Saw é totalmente recriado na faixa que abre o Disraeli Gears. No entanto, é notável a influência de Felix em transformar um blues temático — e de fato, rigorosamente clichê, em algo bem ao espírito de época. A própria temática da nova letra, onde a figura feminina se assemelha alguma Medusa faz paralelo com o poema de Sharp em Tales of Brave Ulysses. Melhor, impossível. A versão original de Lawdy Mama, com os vocais de Bruce então dá lugar a Clapton que, em falsete, grava mais um clássico do Cream.



Disraeli Gears é quase sempre comparado ao Are You Experienced porquanto ambos, á sua maneira, chegaram ao mesmo resultado, reelaborando o blues de forma explosiva, algo como Howlin' Wolf com LSD. O crítico da Rolling Stone, Jon Landau, antes de meter o pau em Clapton, o chamando de "bluseiro udigrudi", traçou um paralelo entre o blues na ótica do Cream e do Experience. A diferença provavelmente reside no fato de que Hendrix era intuitivo o suficiente para inventar o impossível e seus épicos duelos com Mitch Mitchell eram muito mais agressivos e pirotécnicos. Baker e Clapton talvez soassem menos espontâneos em estúdio, porém parecem pensar bem cada compasso, elaborar bem acuradamente cada acorde.

Aliás, Clapton sentiu o baque quando o debut de Hendrix chegou às lojas. Jimi amava a música de Clapton, mas ao olhos de seu mestre, o que ele fazia com sua guitarra o fazia subir pelas paredes, como uma lagartixa profisisonal. Eric achava — e confessa isso em sua autobiografia - que Are You Experienced? de fato conseguiu quase jogar Disraeli Gears a um desagradável segundo plano.

Isso, naturalmente, a curto prazo. Disraeli é e sempre será um clássico do começo ao fim. daqueles que dá pegá-lo numa tarde e dissecá-lo, vontade de tirar todas as faixas de ouvido — mesmo sendo quase impossível. Sunshine Of Your Love, a mais conhecida do álbum — e que praticamente apresentou o Cream para América quase foi rejeitada pela Atlantic. Quem disse aos executivos da ATCO que eles deveriam lançá-la em single foi ninguém menos que o pai do southern soul, Booker T. Ele ouviu o riff de Bruce — inspirado, segundo Jack, em Hendrix, e disseque poria as mãos no fogo por aquela canção. em 1968, ela chegaria ao quinto lugar na Billboard. E Hendrix morreu se lamentando por não ter criado ela. Jimi tocava ela sempre, e chegou a gravar uma versão instrumental em estúdio, em 1969, e que foi recentemente lançada no CD Valleys Of Neptune.


No entanto, talvez pela diferença entre o estilo do Cream ao vivo — mais calcado no improviso, poucas faixas do Disraeli Gears seriam tocadas no palco. Uma pena, já que são todas excelentes — Dance the Night Away (Bruce), Blue Condition (Baker, que antes havia composto Toad), Tales of Brave Ulysses, um poema de Martin Sharp onde Eric colocou a melodia inspirada em Summer In The City, do Lovin' Spoonful, Take It Back, SWLABR e We're Going Wrong, todas contribuições de Jack Bruce.

A edição de luxo do Disraeli Gears, por sua vez, vem com o disco original em versões mono e estéreo, somadas a outtakes — como a original Lawdy Mama, Blue Condition e World Of Pain em outro tom — além de versões alternativas gravada na BBC de Londres.





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segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Jamaica Farewell


Dois anos na Billboard


O Calipso nasceu como gênero musical quando os primeiros rapsodos (cantores folclóricos, à moda dos antigos trovadores) de Trinidad começaram a ca(o)ntar notícias de sua terra natal nos Estados Unidos quando, a partir dos anos 30, ele passou a ser gravado e ganhou proeminência com o suegimento de seus primeiros compositores/intérpretes, como Lord Invader e Lord Kitchener (aclamados como os bambas da guarda velha do gênero), já nos anos 40. As letras em, geral, eram uma crônica de costumes da época e crítica social — fator que fez com que muitos desses primeiros 'rapsodos' do estilo fossem perseguidos pela polícia (nada de anormal; o samba também tinha essa insidiosa reputação).

No entanto, mesmo que sendo gravado desde 1914 na América do Norte, o gênero não se tornaria mundialmente conhecido até meados dos anos 50. Em 1956, o cantor e ator Harry Belafonte, que então sustentava seus estudos trabalhando como crooner em clubes nova-iorquinos, assim como muitos jovens de sua geração, passou a se interessar por música folk. Pesquisando sobreo tema, ele acabou descobrindo o calipso.

Em 53, ele gravaria Matilda, um tema tradicional, originalmente gravado por um bamba do calipso, King Radio, ainda nos anos 30. Era o que faltava para que a America descobrisse o ritmo antilhano — o primeiro a ganhar o mundo antes do advento do reggae, já nos anos 70. O refrão era tão grudento que Belafonte virou celebridade de última hora. A RCA resolveu ir mais longe com aquilo que tinha cara de sucesso e quis fazer um disco com ele.

A despeito de ser egresso do jazz, Belafonte, a despeito de ser um artista tipicamente urbano, iria ser um dos precursores do revival do folk nos Estados Unidos — movimento deflagrado pela geração mais jovem — que crescia ouvindo a música dos Weavers (Pete Seeger havia recriado Sloop John B, de origem caribenha). Um ano depois de Matilda, Harry debutou em elepê — justamente na época em que o formato long-play estava recém ganhando popularidade — com uma coleção de calipsos, em sua maioria composto de canções oriundos da tradição popular: Mark Twain and other Folk Favorites.

A questão é que, a despeito de defender um gênero que, a rigor, parecesse exótico demais para as paradas norte-americanas, pela personalíssima e carismática interpretação de Belafonte, o calipso virou um incidente musical: seu terceiro disco, Calypso (1956), repetindo a mesma fórmula simples dos anteriores, se tornaria o primeiro no fornato a ultrapassar a marca de 1 milhão de exemplares vendidos.

Bateu inclusive os multiplatinados Bing Crosby e Tennessee Ernie Ford. Banana Boat Song — que se tornaria sua mais notória interpretação, e o tema que iria consolidar o estilo em todo o mundo, ficou dois anos no Top Ten da Billboard.

Belafonte foi natuiralmente guindado á categoria de Rei do Calipso. No entanto, sabendo da origem folclórica e do papel dos primeiros cantores/compositores do gênero, ele nunca aceitou qualquer rótulo do tipo. Contudo, a relação entre ambos era algo indelével.



Com efeito, Harry entendia que qualquer versão fonográfica de caráter comercial, de certa forma, corrompia o calipso como ele era, embora soubesse da improtância do seu papel em divulgar a cultura antilhana num mercado como aquele — ainda mais pelo fato de testemunhar um retorno surpreendente para um estilo "difícil" para o gosto musical ianque. Ao mesmo tempo, o calipso de Belafonte era diluído, naturalmente moldado para aquele mercado (também hibridizado com variações, como o mento e o mambo, em Man Smart, por exemplo).

Porém, tão somente só pelo fato de franquear à Lord Randall e outros expoentes a primazia de compositores de estirpe num gênero então subestimado e, principalmente, mostrar o caminho para esse tipo de integração cultural já era algo exemplar: era a ponte para que todos travassem conhecimento com a música latina. Depois, gravadoras americanas iriam descobrir um interessante filão: viriam Sabu, Tito Puente, Machito, entre outros.

Discrepâncias á parte, mesmo passados cinco décadas de seu lançamento, Calypso é uma pérola esquecida no tempo. Esqueça Banana Boat Song (Daaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaay-O) e escute as outras faixas, como Hosanna e I Do Adore Her. Sem citar a nostálgica Jamaica Farewell, a minha favorita do disco. Robert Dimery "esqueceu-se" de citar o disco em seu 1001 Albuns You Must Hear Before You Die o que, por si só, já coloca a obra em total suspeição. Ou não?






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