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quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Lady Soul


A capa




Em janeiro de 1967, Jerry Wexler conseguiu puxar Aretha Franklin da Columbia para a Atlantic. O novo contrato dava autonomia musical para que ela lançasse, no período de dois anos e meio, pelo menos três dos seus melhores trabalhos. O terceiro e mais expressivo deles é, sem dúvida, Lady Soul, de 1968.

Cercado de músicos de soul, como os do Muscle Shoals Rhythm Section e gente como Spooner Oldham, Aretha voou nos estúdios, criando versões definitivas para "Do Right Woman, Do Right Man” e “Respect”. O tema principal do disco "I Never Loved a Man (The Way I Love You)" chegou ao primeiro lugar na Billboard na seção de R&B e o clássico de Otis Redding atingira a primeira posição na seção Pop.

Lady Soul se tornaria um hit singles pack, emplacando quase todo o disco: o primeiro foi o compacto que precedeu o lançamento do álbum, "(You Make Me Feel Like A) Natural Woman", com as Sweet Inspirations.

Em seguida, viriam "Chain of Fools" e "Ain't No Way". Em fevereiro de 1968, ela recebeu dois grammys por melhor interpretação vocal em Rhythm’n Blues. Aretha acabou virando capa da revista Time – algo praticamente vedado à ídolos pop.

O que chama a atenção nessa mudança de Aretha é compará-la como crooner na CBS e notar como ela era subestimada como co-produtora das suas próprias canções. Pianista, ela soube recriar vários dos arranjos originais de temas, como ela havia feito em Good Times, além de haver dado uma versão definitiva para “Respect” – deixando, aliás, o próprio Redding estupefato.

Tudo isso além do fato de que ela fez a escolha certa. Afinal, a Atlantic, cujo mecenato atendia pelo nome de Ahmet Ertegun, já havia granjeado algum sucesso desde o tempo de Ray Charles. Com excelente faro artístico, ele soube dar vazão à carreira de muita gente insuspeita.

Não apenas artistas negros, como Aretha mas, como antes o fizera John Hammond, Ertegun soube fazer a ligação entre artistas negros e brancos, numa época espúria desegregação, mas também de muitas mudanças. A Atlantic, pela subsidiária atco, iria lançar nos Estados Unidos o rock do Cream e, anos depois, através da Dusty Springfield, iria ser a gravadora do Led Zeppelin.

Falando no Cream, Eric Clapton que, na época da gravação de Lady Soul, estava saindo da banda e topava algumas experiências como músico de estúdio, topou participar do disco. Em sua autobiografia, ele fala da oportunidade de tocar em Good to Me as I Am to You:

— Certa noite, recebi uma ligação de Ahmet Ertegun pedindo-me para passar na Atlantic Studios no dia seguinte, pois havia alguém que ele queria que eu conhecesse. Fui lá e Aretha Franklin estava na sala de controle (...) e pelo menos cinco guitarristas estavam na área, entre eles, Joe South, Jimmy Johnson e Bobby Womack com Spooner Oldham, David Hood e Roger Hawkins na sessão rítmica. Todos aqueles músicos incríveis tinham vindo de Muscle Shoals e Memphis para tocar no álbum que Aretha estava fazendo, que era Lady Soul.

Ahmet disse: "quero que você entre lá e toque essa canção". E tirou todos aqueles guitarristas da sala e me deixou lá sozinho. Fiquei muito nervoso, porque não sabia ler música, e todos tocavam com partituras nos suportes. Aretha entrou e cantou "Be as Good to Me as I Am Good to You", e toquei a guitarra solo. Tenho que dizer que tocar naquele álbum para Ahmet e Aretha, com todos aqueles artistas talentosos, foi um dos pontos altos de minha vida.

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sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Strange Brew


Capa assinada por Martin Sharp


Passei minha juventude inteira ouvindo e reouvindo os discos do Experience. Depois de velho que eu comecei a me debruçar sobre a obra do Eric Clapton e, naturalmente, posso dizer hoje que prefiro muito mais o Cream do que a banda do Jimi Hendrix. Não que eu não ouça mais, mas meu conhecimento sobre o conjunto inglês era um tanto quanto superficial. Por exemplo, o máximo que eu me esbaldava era nas faixas do Crossroads (1988), a caixa que perpassa por duas décadas da obra do Slow Hand — Yardbirds, Bluesbrakers, Cream, Blind Faith, Derek And The Dominos e a carreira solo.

Como não poderia deixar de ser, o meu álbum preferido do Cream é o Disraeli Gears. Acho o Wheels Of Fire melhor, mas este éo que eu mais gosto. Clapton menciona na sua autobiografia toda a gênese da banda — quando ele percebeu que, junto com a sua fama underground de virtuose da guitarra elétrica, se juntasse o Jack Bruce, que ele conheceu quando gravou algumas faixas para a Elektra, com uma banda formada por eles e o Paul Jones (do Manfred Mann), a Powerhouse.

Bruce era o baixista ideal, inclusive, ele mesmo tocava para o Manfred Mann e o Paul Jones estava saindo do conjunto também. Clapton tinha a opção de Bruce e para fazer um trio que fosse, com efeito, a nata do blues-rock da terra da Rainha, bastava contar a seu amigo, Ginger Baker, que ele estava no projeto. Ambos estavam cansados de suas respectivas bandas, o John Mayall's Bluesbreakers e o Graham Bond Organisation.



Clapton, por sua vez, não queria mais ser o guitarrista; agora sua meta era ser um frontman. Foi ele quem conseguiu segurar a barra entre Baker e Bruce, que só se davam bem na hora de fazer música. Porém, o fundamental era, justamente, fazer música. E o outro objetivo dele era fazer o percurso inverso de um guitarrista negro e norte-americano que ele conheceu em Londres, e que queria fazer sucesso na Inglaterra, Hendrix.

O trabalho de ambos era, via de regra, similar: ou seja, reinventar o blues de Chicago com a psicodelia que grassava naqueles tempos. Jimi assombrava as audiências britânicas tocando de qualquer jeito, até com a boca. E também era compositor. Clapton queria ser o líder, mas da mesma forma, teria que compor — com Bruce, que já escrevera I Feel Free e outras, com o poeta Pete Brown.

Ao contrário do primeiro disco do Cream, Fresh Cream, composto basicamente de covers que iam de Robert Johnson até Muddy Waters, o próximo trabalho do trio deveria ser formado de canções originais e seu destino era o mercado americano, onde Eric era tão desconhecido do grande público quanto o próprio Hendrix até então.

Para tanto, em vez de longas blues jams, como era típico do Cream até ali, o novo elepê seria mais comercial, pop (é sabido que Clapton era excessivamente reservado a qualquer concessão de sua música nessa área) e com músicas grudentas e curtas, no entanto, sem perder a originalidade de Baker, Clapton e Bruce. O tal álbum prometido seria Disraeli Gears.

Disraeli Gears marca a diáspora de Eric para a América. ele deixava Londres, que estava arrebatada por Hendrix (que só receberia as boas vindas dos seus compatriotas um ano depois, em Monterrey, mas essa é outra história), o Paganini da guitarra, e resolveu se exilar em Hotel Chelsea, em Nova Iorque. Ali ele conheceu o artista plástico Martin Sharp, que seria um parceiro musical importante na música do Cream no disco. Sharp também assinaria a arte da capa do disco, e do posterior, o já citado Wheels Of Fire.

Gravado em pouco mais de duas semanas, em maio de 1967, depois de uma pequena turnê promocional do Cream. A fórmula era simples e dinâmica, mas ousada para um público novo que estava se formando para escutar algo como hard-rock, distorções, wah-wahs e uma levada jazzística na percussão, por conta de Baker. Não mais como um side man — como no tempo dos Bluesbrakers, e com aquilo que ele viu Hendrix fazer na guitarra, Eric teria trabalho de sobra.



Ele não seria o cantor principal do Cream, em favor de Bruce, mas faz os vocais em Strange Brew e Sunshine Of Your Love. A gravação contou ainda com a participação daquele que, com o tempo, nos pouco mais de dois anos de duração do Cream, se tornaria uma espécia de quarto membro do trio, Felix Papalardi. Primeiro como músico no Wheels Of Fire e como produtor em Disraeli Gears. Papalardi e sua esposa (que,anos depois, mataria Felix por acidente, mas isso é outra história) co-assinam Strange Brew (originalmente Lawdy Mama, e Papalardi recriou a letra sem subtrair-lhe o groove) e a genial World of Pain. Com exceção de Outside Woman Blues (Blind Joe Reynolds), todas as faixas são inéditas.

Falando em Strange Brew, interessante ver que a relação entre o Cream e Booker T rendeu uma feliz ligação entre Eric e Albert King: o disco Born Under A Bad Sign influenciaria o trabalho do power trio britânico. O solo de Crosscut Saw é totalmente recriado na faixa que abre o Disraeli Gears. No entanto, é notável a influência de Felix em transformar um blues temático — e de fato, rigorosamente clichê, em algo bem ao espírito de época. A própria temática da nova letra, onde a figura feminina se assemelha alguma Medusa faz paralelo com o poema de Sharp em Tales of Brave Ulysses. Melhor, impossível. A versão original de Lawdy Mama, com os vocais de Bruce então dá lugar a Clapton que, em falsete, grava mais um clássico do Cream.



Disraeli Gears é quase sempre comparado ao Are You Experienced porquanto ambos, á sua maneira, chegaram ao mesmo resultado, reelaborando o blues de forma explosiva, algo como Howlin' Wolf com LSD. O crítico da Rolling Stone, Jon Landau, antes de meter o pau em Clapton, o chamando de "bluseiro udigrudi", traçou um paralelo entre o blues na ótica do Cream e do Experience. A diferença provavelmente reside no fato de que Hendrix era intuitivo o suficiente para inventar o impossível e seus épicos duelos com Mitch Mitchell eram muito mais agressivos e pirotécnicos. Baker e Clapton talvez soassem menos espontâneos em estúdio, porém parecem pensar bem cada compasso, elaborar bem acuradamente cada acorde.

Aliás, Clapton sentiu o baque quando o debut de Hendrix chegou às lojas. Jimi amava a música de Clapton, mas ao olhos de seu mestre, o que ele fazia com sua guitarra o fazia subir pelas paredes, como uma lagartixa profisisonal. Eric achava — e confessa isso em sua autobiografia - que Are You Experienced? de fato conseguiu quase jogar Disraeli Gears a um desagradável segundo plano.

Isso, naturalmente, a curto prazo. Disraeli é e sempre será um clássico do começo ao fim. daqueles que dá pegá-lo numa tarde e dissecá-lo, vontade de tirar todas as faixas de ouvido — mesmo sendo quase impossível. Sunshine Of Your Love, a mais conhecida do álbum — e que praticamente apresentou o Cream para América quase foi rejeitada pela Atlantic. Quem disse aos executivos da ATCO que eles deveriam lançá-la em single foi ninguém menos que o pai do southern soul, Booker T. Ele ouviu o riff de Bruce — inspirado, segundo Jack, em Hendrix, e disseque poria as mãos no fogo por aquela canção. em 1968, ela chegaria ao quinto lugar na Billboard. E Hendrix morreu se lamentando por não ter criado ela. Jimi tocava ela sempre, e chegou a gravar uma versão instrumental em estúdio, em 1969, e que foi recentemente lançada no CD Valleys Of Neptune.


No entanto, talvez pela diferença entre o estilo do Cream ao vivo — mais calcado no improviso, poucas faixas do Disraeli Gears seriam tocadas no palco. Uma pena, já que são todas excelentes — Dance the Night Away (Bruce), Blue Condition (Baker, que antes havia composto Toad), Tales of Brave Ulysses, um poema de Martin Sharp onde Eric colocou a melodia inspirada em Summer In The City, do Lovin' Spoonful, Take It Back, SWLABR e We're Going Wrong, todas contribuições de Jack Bruce.

A edição de luxo do Disraeli Gears, por sua vez, vem com o disco original em versões mono e estéreo, somadas a outtakes — como a original Lawdy Mama, Blue Condition e World Of Pain em outro tom — além de versões alternativas gravada na BBC de Londres.





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