segunda-feira, 10 de agosto de 2009
Cry For a Shadow
Capa da primeira coletânea do quinteto
O leitor conhece "Cry For a Shadow", dos Beatles? É uma homenagem à banda de rock mais popular da Inglaterra antes dos Beatles e a primeira do gênero a alcançar o topo das paradas britânicas — e tocando somente números instrumentais.
E "Cry For a Shadow" é uma brincadeira com o estilo do quinteto de Hank Marvin, já que os Beatles eram um quarteto instrumental — muito embora, havia o detalhe: assim como os Shadows, quando eles gravaram essa canção, em 1961, John Lennon e companhia eram o backing de Tony Sheridan (como Cliff Richard era o crooner), ou seja, no fim das contas, atuavam também como banda de apoio...
Para quem não conhece os Shadows, que têm uma extensa discografia, essa coletânea é um excelente parâmetro para medir o impacto do pioneiro quinteto inglês no universo do rock. Me lembro que era quase impossível achar qualquer compilação do cunjunto por aqui e, como sempre, era preciso recorrer à CDs importados a preços escorchantes, em importadoreas e sebos por aí.
Bem, lá por 1996, a EMI lançou aqui uma série, a Gold Collection, que exumava boa parte do catálogo antigo da gravadora, mas em coletâneas que eram mais para pegar aleatório e, como sempre, saíam de catálogo facilmente. Na série, saiu um disco dos Shadows, mas a seleção musical deixa a desejar.
Pega mais as canções que, via de regra, pagavam tributo mais ao gosto do ouvinte comum (e que eram mais conhecidos dos brasileiros, lógico) do que se debruçar em singles de carreira. Mas os Shadows eram mais do que uma coletânea: é impossível não querer correr atrás dos outros LPs originais, porque é puro easy listening (música de tiozão), cai no ouvido feito uma luva.
E o segredo era justamente esse: na mesma forma dos conjuntos de jazz, eles utilizavam uma base elementar com bateria, baixo, guitarra-ritmo e solo que destilava uma sonoridade que transcendia a esfera roqueira rockabilly e boogie woogie para reelaborar outros estilos em canções de arranjos sofisticados, e que iriam influenciar a música nas décadas seguintes.
Ao contrário dos conjuntos que acompanhavam crooners na década de 50, os Shadows trabalhavam como cinco instrumentistas concentrados nos arranjos. Claro que eles não fugiram à regra: no começo da carreira, acompanharam Cliff Richard (nem os Beatles escapariam de bancarem a banda de fundo, no princípio). Mas foi como banda instrumental que eles criaram uma legião de imitadores confessos — inclusive no Brasil, como os Jet Blacks, os Clevers e os Jordans.
Nesse meio tempo, houve a “revolução” da guitarra-baixo. Na década de 50, bandas de rock usavam os gigantescos contrabaixos de jazz, os “rabecões” que até faziam o solista roubar a cena, girando-o ou marcando o ritmo, não sem estrépito.
Da mesma maneira, o novo formato permitiu a disseminação de pequenos conjuntos, já que o baixista não precisava carregar o peso morto dos velhos “contrabaixões”. A formação clássica do grupo começava com Hank Marvin na guitarra-solo (aquele com o aro dos óculos estilo Buddy Holly), Tony Meeham (depois Brian Bennett) na bateria, Jet Harris (substituído por John Rostill) na guitarra-ritmo e John Farrar no baixo.
Tudo começou em 1958, quando Hank Marvin viajou de Newcastle para Londres, a fim de tentar a sorte com um grupo chamado Railroaders, num reles concurso de novos talentos na capital inglesa. Conseguiram o terceiro lugar, ficando atrás de um quarteto de jazz e uma cantora lírica. Foi lá que Marvin conheceu Brian que, à época, castigava os couros no The Velvets.
Após as apresentações, os demais integrantes dos Roaders voltaram para casa. Decidido a seguir como profissional, Hank ficou na capital para tentar a sorte.
Com Bennet e mais dois músicos que ele conheceu no certame, eles formaram os Five Cesternuts, liderados por Pete Chester. Chegaram a editar um compacto (“Teenage Love” / “Jean Dorothy”) e apareceram na televisão, mas não foram além disso.
As coisas mudariam no fim do ano. Cliff Richard, que fazia sucesso com “Move It”, estava agendado para cantar numa turnê com o duo norte-americano The Kalin Twins. Seu empresário procurou outro band-leader da época, Tony Sheridan (ele mesmo), pois precisava de um guitarra solo para o seu grupo de apoio, The Drifters. Terminaram assinado com Hank para a turnê.
Mesmo que o baixista original fosse Paul Samwell, ele foi logo substituído por Jet Harr. Desta forma, o conjunto assinou com a mesma gravadora de Richard, a Columbia. Tudo pronto, exceto por um detalhe: o nome.
Batizados em homenagem aos americanos do The Drifiters (“Under the Boardwalk”), quando Hank e sua turma ainda eram apenas músicos obscuros, agora eles corriam o risco de serem processados por seus ídolos, que começavam a fazer sucesso na Inglaterra àquela época.
Como eram apenas o “grupo de apoio” de Cliff, escolheram o nome The Shadows (sombras). À medida em que o acompanhavam, eles corriam por fora, lançando alguns compactos solos. O primeiro, com vocais (“Feelin' Fine” / “Don't be a Fool with Love”).
A partir do segundo, fariam apenas instrumentais, com a Stratocaster de Marvin como solista. Foi quando gravaram a clássica “Apache”. Um daqueles temas, típico de filme de faroeste, como aquelas cavalgadas de épicos western, estilo Hugo Montenegro ou Enio Morricone, atingiu o topo das paradas, surpreendendo a todos.
Mais: de cara, ficou seis semanas em primeiro lugar na Inglaterra, e só não conquistou a América porque o cantor Jorgen Ingmann pegou “Apache” e lançou em compacto simples nos Estados Unidos, frustrando qualquer chance de repetir o feito inglês de ser o número um na terra do Tio Sam. Quis o destino que os Beatles tivessem essa primazia, com “I Want to Hold Your Hand”, em 1964.
Lançado em 1960, “Apache” serie o debut de uma série de sucessos. Até 1963, os Shadows emplacariam mais cinco vezes no primeiro lugar (“Apache”, “Kon-Tiki”, “Wonderful Land”, “Dance On” e “Foot Tapper”) e permaneceriam nas paradas por sete longos e produtivos anos. O primeiro disco sairia em 61.
Outra marca importante: foi a primeira vez em que um grupo daquele estilo conseguia liderar a parada com um Long-Play — fato antes apenas conseguido por artistas de renome, como Nat King Cole ou Frank Sinatra, por exemplo.
Foi um pequeno passo que mudaria a concepção de música popular. Inspirados por eles, várias bandas de rock inglês resolveram decretar o fim daquele velho estilo “baixo-contínuo” de acompanhar crooners (alguns ligeiramente cafonas) que guardavam para si os louros da fama, enquanto os músicos do “trabalho sujo” ficavam sempre em segundo plano.
Os Shadows encheriam dezenas de discos com covers, regravações, inclusive muitas de outros estilos, mas sempre com o toque pessoal deles. Parte do repertório da banda se revezava entre o rock tradicional (“Runaway”, “The Wanderer”) e trilha sonora de western (“The High and the Mighty”, “The Savage”), esta talvez a mais convincente de todas. Por último, havia o exótico em reinventar velhas canções tradicionais que não tinham mais a ver com Matt Monro do que com Elvis, como fazia Frank Pourcell.
Muitos dos seus cultores pagam tributo a um quinteto que definiu uma forma de o guitarrista solo se sobrepor como músico, além de deixar uma marca registrada que era o retrato de uma época em que o rock se reciclava do rescaldo dos conturbados e rebeldes-sem-causa anos 50 para ganhar o mundo novamente. — Desta vez, para sempre.
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