sexta-feira, 3 de julho de 2009

O Elo Perdido

O amigo já ouviu falar na Política da Boa Vizinhança? Pois então: no tempo da Segunda Guerra Mundial, o governo dos Estados Unidos, então presidido por Franklin Roosevelt, durante a Conferência Panamericana de Montevideo, criou-se a Política da Boa Vizinhança. O objetivo era criar laços com países sul americanos, a fim de que não fossem aliciados pelo canto de sereia do Eixo e do Nazi-fascismo).

Com isso, muito da cultura brasileira virou destaque em terras ianques. Valia tudo (ou quase) para agradar o pessoal do lado de baixo da linha do Equador, a fim de que não passassam para o outro lado de Greenwich (não sei se me entenderam, paciência). Foi o auge do chica-chica boom de Carmen Miranda nas telas de cinema, Zé Carioca. Alguns não fizeram tanto êxito, como o malfadado filme É Tudo verdade, de Orson Welles (garoto-propaganda do Paul Masson e cineasta nas horas vagas) e um audacioso projeto fonográfico, idealizado pelo famoso maestro Leopold Stokovski (aquele que musicou o desenho animado Fantasia, de Walt Disney), e que se chamaria Brazilian Native Music.


A capa do disco histórico, gravado clandestinamente
e inédito em vinil e em CD no Brasil

Quando ele chegou aqui, em 1940, ele se espantou com a qualidade precária dos conjuntos que tocavam nas rádios do país. Como ele aportou em terras brasileiras para gravar um disco que fosse registrar o que ele sonhava como o que representasse o, vamos dizer asim, “autêntico som brasileiro”. O certo é que muitos selos brasileiros da época tinham (enormes) restrições para colocar regionais de samba no mercado, nunca chagaram (pelo menos, até então), a gravar batucada comme il fault. Pois esse era o espírito do projeto — baucada roots na veia. Mas, e o público-alvo do álbum, a tradiconal família norte-americana, acostumada com o samba domesticado de Carmen Miranda e do Bando da Lua, iria conseguir entender Native Brazillian Music?

Então Stokovski procurou o seu conhecido maestro Vila-Lobos. Como era grande amigo de Pixinguinha, ele pediu ao autor de “Carinhoso” para que recrutasse a nata do samba.
Sem dificuldade, ele juntou Luís Americano, Zé da Zilda, Zé Espinguela, Jararaca, Ratinho, o jovem cartola e muitos outros ritmistas e instrumentistas para gravar, a bordo do navio S.S Uruguay, oito discos que, no espírito da “Boa Vizinhança” seriam vendidos nos Estados Unidos. E, com a moda brasileira de Carmen Miranda na América, teria êxito fácil.

As gravações foram um mistério. A gravadora de Stokovski, a Columbia, tinha estúdios no Brasil, mas ele preferiu conduzir todo o projeto sozinho, dentro do Uruguay. Ou seja, mesmo existindo um escritório comercial, editoras e gente de lá trabalhando na subsidiária daqui, ninguém ficou sabendo daquelas sessões que Leopold iria fazer, na calada da noite, no Rio de Janeiro.

Stokovski recepcionou os bambas recrutados pelo intrépido autor das Bachianas Brasileiras. Realizou um ágape com eles e depois os colocou para gravar o que lhes viessem à cabeça. E, em apenas oito horas, ele gravou cerca de quarenta números.
Entre os temas, estavam “Quequerequequê”, de João da Baiana (o precursor do prato-e-faca no samba), “Pelo Telefone”, “Quem me vê Sorrindo” (de Cartola, cantado por ele mesmo e que, por incrível que pareça, ele nunca ouviu a sua versaão original, que seria regravada por ele, só nos anos 70, com o revival da sua música, anos após o advento do Zicartola), dentro outros sambas, batuques, frevos, fantasias sobre macumba e muito mais. A qualidade dos registros foi totalmente improvisada e rápida, o disco saiu nos Estados Unidos, mas não fez o sucesso esperado.

A Columbia alega que perdeu os originais (embora a pesquisadora Daniella Thompson, num trabalho incansável de pesquisa, defende que o selo ainda as possua) e ele ficou esgotado por anos, até que apareceu em sites da Internet para download ilegal. O disco não foi lançado no Brasil, mas, uem ouviu, disse que, a despeito da qualidade de época e de ter sido transposto para o formato digital a partir dos 78 rotações, a crueza pura das faixas e o registro em si, são dignas de menção pelo valioso registro histórico que elas representam.

Abram alas, porque Native Brazillian Music, uma obra-prima da Velha Guarda, não passou.

Link nos comentários.

2 comentários:

Anônimo disse...

http://rapidshare.com/files/147586033/native_brazilian_music_-_brasas.rar.html
créditos: blog prato e faca

jasmin de itamaraca disse...

Está na hora deste CD, aparecer no mercado. Êle é simplesmente básico , o princípio de tudo e puríssimo!