quarta-feira, 1 de julho de 2009

Cowboy Fora-da-Lei


O Homem de Preto tocando Long Black Veil para uma nada respeitosa camorra


Quando era apenas um jovem soldado da Força Aérea Americana, Johnny Cash assistiu a um filme B ligeiramente moralista, intitulado Inside the Walls of Folsom Prison. Das suas lembranças de pracinha em Londisburg, Alemanha Ocidental, no começo dos anos 50, o futuro compositor passou a projetar a sua carreira em letras que contavam as vicissitudes da vida observadas pelo ponto de vista do mais fraco.

Daí surgiriam canções que falavam de outsiders , de pátios de trem, de presidiários, vagabundos e toda a fauna da classe trabalhadora ianque: "Dark as a Dungeon", “Cocaine Blues”, "The Long Black Veil", “I Walk the Line” e “Folsom Prison Blues”, entre outras. Além disso, Cash se tornou célebre ao amalgamar ao estereótipo do ingênuo trovador de temas country uma imagem peculiar, típica de astros do rock, vestindo-se quase sempre de preto. Por detrás dos óculos escuros, pensava-se que havia um célebre ex-meliante, cujas canções apenas aumentavam este mito do cowboy fora-da-lei.

Embora tivesse problemas recorrentes com a Justiça, Johnny foi um “ habitué” de penitenciárias. Mesmo assim, tinha milhões de admiradores no sistema prisional. E além das cartas de histéricas e ululantes bobbysockcers , muitos dos seus missivistas viam o sol nascer quadrado: ele se identificava com eles e a recíproca era verdadeira, e amiúde ele costumava fazer récitas para condenados em todo o país.

Em fins de 1967, “JR” escolheu como símbolo de sua reabilitação na luta contra as drogas um concerto na mesma penitenciária do filme, que fica em Sacramento, Califórnia, e se tornou conhecida por abrigar Charles Mason (!). A idéia foi prontamente rechaçada pelos executivos da Columbia, sua gravadora. Um dos biógrafos de Cash, Michael Streissguth, editou um livro, intitulado The Making of a Masterpiece, onde conta a via crucis que o compositor singrou até levar o concerto para o disco (parte da história aparece no filme I Walk the Line ).

Streissguth revela que Clive Davis, presidente do selo, achava que aquilo iria acabar com a quase combalida carreira de Johnny. Outros foram além, e queriam que ele fizesse como os Byrds, e eletrificasse o seu country , para tentar aliciar um outro tipo de público, mais voltado para o glamour do psicodelismo da moda flower power . Ele bateu pé, e decidiu arcar com todos os custos para a gravação — equipamento, músicos, tudo. A Columbia, porém, cedeu o desassombrado produtor Bob Johnston (especialista na seção de country, já havia trabalhado com outros malucos antes, como Dylan em Blonde On Blonde) para as sessões.

Uma das histórias curiosas do disco gira em torno de um interno, chamado Glen Sherley, que havia composto uma canção. Cash ouviu-a através do capelão de Folsom (reverendo Gressett), na noite anterior ao concerto, realizado dia 13 de janeiro de 1968. Ele virou-se para JR e disse:

— John, eu quero que você ouça isto, foi escrito por um condenado a cinco anos por assalto à mão armada, e ele me pediu para te mostrar. Eu vi que você está ocupado, mas se você puder dizer amanhã que pôde ouvi-la, eu e ele ficaríamos imensamente agradecidos — disse o capelão.

— Você tem um gravador? — replicou Cash.

Um convidado, Gene Beley, e um repórter decidiram levar um gravador de rolo para registrar o show. Como todos tinham tempo — já que os músicos viajavam sob a neve (o Tennesee Three, mais June Carter e Carl Perkins), de Nashville até Sacramento, ele fez uma demo e decorou a canção.

Meu corpo pode estar entre as peredes de Folsom,
Mas o Criador já libertou meu espírito...,

Cash ficou sério. A música enchia o ambiente. De absorto, logo ele esboçava um sorriso entusiasmado — certamente lembrando dos tempos em que cantava gospel .Há uma capela de rochas aqui em Folsom

Uma casa de graças nessa caverna de pecados,
Você pode pensar que o Senhor tem um lugar aqui em Folsom,
Mas ele já salvou milhões de almas de homens perdidos.
Depois de ouvir e reouvir “Greystone House”, ele disse: “isso tem que sair em compacto e eu quero gravá-la na récita de amanhã”. Então ele se debruçou diante de uma mesa e anotou a letra no bloco de papel, enquanto batucava a letra com a caneta.
No dia seguinte, Cash vestia uma jaqueta azul e botas de rancheiro, quando viu Bob Johnston.
— Você é o produtor?
— Sim, é o que eu pretendo ser — riu Bob. Ademais, você tem alguém que o apresente no palco?

— Bem, acho que vou me apresentar eu mesmo!

Excelente, cara! Vai lá e diga: “olá, meu nome é Johnny Cash”. Eles vão ficar muito doidos!

Além dos internos, o resto de seu público também ficou. Tanto que At the Folsom se tornou um best-seller além das expectativas da Columbia, chegando junto aos Beatles na parada de sucessos. Porém, o disco levou algum tempo para ser lançado: os produtores achavam que versos como “I shot a man in Reno / Just to watch him die” não cairiam bem num momento em que a América pranteava a morte de Martin Luther King Jr. e Robert Kennedy, e segurou o lançamento do álbum por seis meses.

Sobre a importância do disco no âmbito dos anos 60, Michael Streissguth entende que o trabalho ao vivo de Cash pode entrar no cânone dos grandes discos da década, representado por ícones como Beach Boys ou Beatles. Para sustentar a sua tese, o autor insiste que muitos preferiram entender os sixties como uma época de reinvenção e experimentalismo, ao passo que valores como o humanitarismo e a solidariedade — como no caso de Luther King, Medgar Evers ou Dorothy Day, por exemplo — foram colocados em segundo plano.

Para Streissguth, ao representar a crônica da população menos assistida e a dos vencidos da vida e os desvalidos, Cash se insere na segunda fila. “ Folsom Prison representou aquela realidade social melhor que um caleidoscópio colorido”, diz. De acordo com ele, o disco se inseriu nos 60 despretensiosamente à sua maneira, resolvendo-se no âmbito daquela década “num momento de reestruturação de uma nova hierarquia social e política”.

Antes de análises e das palavras, contudo, vem a música. Controverso e quase um símbolo pop em um meio em que a maioria dos intérpretes era considerada caipirões simplórios, Cash se emerge como um rockstar e, ao mesmo tempo, um herói da classe trabalhadora. Nenhuma platéia podia melhor franquear esse título a ele, a não ser a dos detentos de Folsom Prision: a integração entre os músicos e a platéia é surpreendente, em matéria de cordialidade e empatia.

A atual versão em CD corrige erros de edição do lançamento de 1968. Porém, o disco digital lançado em 2000 ainda não contém todo o concerto, embora traga mais faixas gravadas naquela noite. Pelo menos quatro faixas não aparecem no relançamento, são elas “I'm Not in Your Town to Stay” “I've Got a Woman”, “Long Legged Guitar Picking Man” (que ele gravaria com June Carter, no seu trabalho seguinte) e uma versão alternativa de “Greystone Chapel”.

Johnny Cash: At The Folsom Prison, Columbia, 1968.


Link nos comentários

Um comentário:

Anônimo disse...

http://rapidshare.com/files/122224327/1968_-_Johnny_Cash_-_At_Folsom_Prison.rar