segunda-feira, 7 de julho de 2014
Tattoo You
A capa
É líquido e certo dizer que o cânone dos Rolling Stones reside no período entre 1968 e 1972 e que tudo o que a banda realizou a partir de então pode ser deixado de lado (prá não dizer outra coisa). A verdade é que existe uma certa má vontade com eles a partir do (excelente!) Goat Head Soup.
Diz-se que os anos 70 não foram bons para os Stones. Mas, se pensarmos assim, na verdade, os anos 70 não foram bons prá ninguém - e as coisas também não são bem assim. Para a banda, a década representou uma tentativa desesperada de manter a integridade sonora sem perder o bonde da história da música.
Isso explica por que eles foram de Herodes a Pilatos a cada disco, entrando e saindo de estilos musicais, desde o glitter de "It's Only Rock'n Roll" até a disco do Studio 54 com "Miss You".
Ninguém poderia culpá-los pelo fato de que o rock estava saindo de moda naqueles tempos - ao mesmo tempo em que os punks os consideravam aqueles balzaquianos capitaneados por Jagger e Richards sumariamente jurássicos.
Verdade seja dita: mesmo que o rock estivesse fora de pauta, a produção dos Glimmer melhorava a cada disco. Aos trancos e barrancos, podemos dizer que a fase pós Jimmy Miller, que vai de 1973 até 1981 não é ruim. Porém, á medida em que eles vendiam milhões de discos, impacientavam a crítica. Debra Rae Cohen, por exemplo, escreveu que, depois de Emotional Rescue, "já havia perdido a paciência" com os Stones.
Um parêntese: sobre isso, Keith explicaria a ausência de "foco" na produção dos 70 ao excesso de músicos de estúdio envolvidos no processo o que fez, de acordo com ele, a tomar um outro rumo, chegando, em alguns momentos, "a nos afastar dos nossos melhores instintos".
De acordo com Cohen, todavia, o que os surpreendeu foi, justamente o último disco dessa fase, Tattoo You. Lançado às pressas, para chegar às lojas junto com a nova turnê, em 1981, o disco surpreendeu a todo mundo, inclusive aos Stones.
Na verdade, Tattoo You não passa de um monstrengo. Enquanto a banda parecia bater sempre na rede pelo lado de fora quando queria realmente agradar a Deus e todo mundo, nos álbuns anteriores, foi justamente quando não havia pretensão nenhuma que eles conseguiram meter a bola na forqulilha.
O que ninguém sabia na época é o novo disco era uma raspa que foi retocada, requentada e jogada na parede (ou na parada) e que grudou. Sem tempo para fazer uma produção comme il faut, os Rolling Stones deram carta branca ao produtor Chris Kimsey de exumar latas e latas de uma década de arquivos de faixas inutilizadas, demos e esqueletos de canções, a fim de fazer uma peneira.
Kimsey, que conheceu os Stones em Some Girls (e que se tornaria co-produtor de nove álbuns dos Stones ao todo) e conhecia as canções da banda de trás para a frente, selecionou material e convenceu a Mick e Keith que era possível fazer um disco em cima daquilo. Do Goat, eles completaram "Tops" e "Waiting on a Friend". Ou seja, levariam longos oito anos para que ela ganhasse aquele inefável solo de Sonny Rollins.
"Slave" e "Worried 'Bout You", por seu turno, são sobras do Black And Blue. A segunda, aliás, ainda sem o típico falsete de Mick, estava no repertório do histórico show no El Mocambo, em Toronto, no Canadá, em 1977. Se os vocais foram concebidos na elaboração de Tattoo You, a guitarra, tocada por Wayne Perkins, permaneceu do take original (assim como a de Mick Taylor em "Waiting On A Friend").
Já "Little T&A", "Hang Fire" e"Black Limousine" são do tempo do Emotional Rescue. Por fim, Chris Kimsey selecionou sobras pós Rescue, como "Heaven" e "Neighbours" ("resgatada" pelos Stones ao vivo mais de vinte anos depois). Todas as faixas receberiam novos vocais por Jagger, que foi o único stone recrutado para dar o feixe nas canções exumadas e remasterizadas para Tattoo You.
Das extensas sessões do Some Girls, salvou-se "Start Me Up". Esta que, por sua vez, é considerada (pela crítica) como o grande último sucesso dos Stones, tem uma história rocambolesca: concebida como um reggae, nasceu em Roterdã, durante as sessões de Black And Blue.
"Start Me Up" seria a canção "jamaicana" do disco, mas não foi a parte alguma, sendo execrada em favor do cover de "Cherry, Oh, Baby". Keith lhe daria uma nova chance em 1978, durante as sessões de Some Girls.
Regravada - de acordo com Kimsey - no mesmo dia finalização do master de "Miss You", Richards insistiu até que a base ficasse pronta. Nesse tempo, lembra o produtor, a música já tinha o arranjo que nós conhecemos.
- Talvez com aquela experiência do estilo 'disco' em "Miss You", ele [Keith] tenha decidido trabalhar a música de outro jeito - diz Kimsey. - Não levou muito tempo para que todos nós entrássemos no clima. Quando conseguimos um take de "Start Me Up", em que todos disseram: "essa foi boa", Keith veio até a sala de e disse: "é, está razoável, parece algo que ouvi no rádio, ainda está parecendo um reggae. Pode apagar". Ele ainda estava brincando com a música, e não tinha gostado do take.
Kimsey se recorda, ainda em depoimento para Life, a autobiografia de Richards, que Keith desejava apagar todos os masters do disco antes do lançamento. Para ele, era a única forma segundo a qual ninguém teria acesso àquele material.
Pois, para o bem de todos e felicidade geral da nação, Chris cumpriu o desejo do guitarrista, porém ao contrário. Qual não foi a surpresa de Keith ao ver a refugada "Start Me Up" na lista das canções listadas para o novo disco dos Stones.
- E aquele take acabou se tornando a melhor música de Tatoo You, três anos mais tarde - concluiu Chris Kimsey.
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quarta-feira, 2 de julho de 2014
Night Life
A capa
Conheci Ray Price por causa do Willie Nelson. O compositor de "Crazy", clássico na voz da maior cantora de country de todos os tempos, Patsy Cline, fez o que ninguém na época imaginaria: empreender um verdadeiro crossover entre o sisudo Nahville Sound para uma versão desgarrada do gênero que, já no final dos anos 70, se transmutaria no Outlaw, um misto de hillibily hippie, que abriria o country para outros públicos e, de quebra, rejuvenesceria o próprio estilo, nos arredores do que chamamos hoje de "Americana".
Quando ele jovem, Nelson era um compositor prolífico para cantores de Nashville. Em 1963, em parceria com Price, já famoso há quase dez anos, principalmente por conta de um grande sucesso, "Crazy Arms", eles lançaram um álbum que se tornaria um masterpiece: Night Life.
No influente 1001 Albuns You Must Her Before You Die, Will Fullford Jones classificou o disco de "o In Wee Small Houres do country". Não sei se todos os meus leitores aqui entenderão a analogia.
Frank Sinatra fez um disco de fossa, composto apenas de baladas. A comparação, portanto, não é de algibeira; todavia, cabe salientar que a fossa é uma temática recorrente no universo country (e no southern soul também, mas isso é uma outra história). Portanto, não haveria novidade em tal nota lúgubre aqui.
A questão é que a originalidade de Night Life reside no fato de que, num determinado contexto, long-plays de country não eram tão comuns àquela época. E, mais do que isso, dentro das possibilidades, estamos falando de uma lenda, que é o falecio Ray Price, já um intérprete proeminente e que, sim, gozava de popularidade suficiente para lançar um elepê.
Assim, mais do que lançar um disco, Price criou um álbum conceitual - aí sim podemos entender a faliz analogia de Fullford, onde a tônica é a boemia. Price apresenta o tema antes da primeira faixa, à guisa de prelúdio. Em seguida, desfila um maravilhoso terço de canções que falam de separações, amores destruídos, mulheres dissolutas, amores não-correspondidos, arrependimento, homens traídos - que varam noites a foi procurando seus arrufos em honky-tonks (no basfond, no butecão, tomando u´pisque caubói e jogando sinuca até as sete para as dez da manhã).
Fazendo um parêntese: é curioso verificar que, mesmo sabendo como é latente essa lírica destinada à dor de corno seja algo que atraia um público gigantesco - no country norte-americano e além dele. Para tanto, não precisamos ir tão longe: basta lembrarmos de clássicos de Hank Williams, como "Take These Chains From My Heart', "Crazy Heart" ou "Wedding Bells".
O country ianque, como o nosso "cognato" serrtanejo, sempre destilou a temática da "dor de corno". No entanto, enquanto esse gênero aqui é espartanamente execrado, lá, nos Estados Unidos, músicos como Ray Price, e outros, do mesmo extrato, como Merle Haggard, George Jones e o próprio Nelson, são verdadeiros heróis entre seus pares.
Isso explica, aliás, como o country teve tamanho apreço e apelo suficiente para influenciar o jovem rock'n roll - e foram com efeito os seus protagonistas os responsáveis (de Gram Parsons até Kurt Cobain) por citar gente como os Louvin Brothers como influências seminais em seus respectivos trabalhos.
Tal fato também explica, pois, o motivo pelo qual Night Life foi parar na lista dos 1001 Albuns - um grande passo no sentido de consolidação e popularização do country além das suas fronteiras.
PS: quem já curtiu uma fossa vai gostar de Night Life. PS: 2 Ouçam "Pride", prá mim, a melhor do disco.
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sexta-feira, 25 de abril de 2014
Make It Easy On Yourself
A capa
Burt Bacharach é aquele cara por detrás das canções que você gosta mas não sabe quem é o compositor.
Sempre tive as minhas reservas em relação a easy listening. Achava esses maestros uns usurpadores, se apropriando de canções para fazer um tipo de música detestável, para tocar em ambientes onde ela é acessória. Da mesma forma, os seus ouvintes são pusilanimemente de ocasião – sequer curtem o que estão ouvindo.
Fora que eles têm centenas de discos que vendem bem, mas que não tem coerência nenhuma: são coletâneas de canções para ouvir tomando o chá das cinco e tocavam nas extintas emissoras de rádio do tipo vitrolão, para umas audiência com uma indiferença de gatos.
Claro que nem todos são assim: cito como exemplo um Hugo Montenegro ou um Henry Mancini. Estes, por exemplo, pelo menos compunham o próprio material e detinham uma originalidade autoral que transcendia o arranjamento puro e simples.
Mas o cara que transcendeu de fato essa reputação nefasta do easy listening é o Burt Bacharach. Apesar do seu fundamento clássico (foi inclusive aluno do Milhaud, aquele do Boi No Telhado), ele sempre teve uma aproximação com a música popular a partir do jazz. Como muitos da sua geração, onde podemos incluir Carole King, começou como músico de estúdio e, a partir dos anos 50, se tornou um compositor do tipo Tim Pan Alley – gente insuspeita que fazia música por encomenda.
Nessa época emplacou Story Of My Life, com o Marty Robbins (“El Paso”) e Magic Moments com o Perry Como. Porém, virou uma espécie de cavalo de batalha da Dione Warwick. Junto com Hal David, eles seriam os que empurrariam Bacharach rumo aos umbrais da música popular. Warwick foi quem mais gravou Bacharach. Juntos, eles puserem quase quarente compactos no topo da parada da Billboard. A partir dela, muitos o regravariam e se tornariam fiéis intérpretes, como Dusty Springfield e Cilla Black (só para citar duas, no meio de tanta gente).
Burt trabalhou quase uma década como compositor e arranjador. Só foi lançar discos próprios lá por 1965, quando saiu o Hit Maker! Burt Bacharach Plays His Hits, pela Liberty.
No entanto, a melhor parte da sua discografia é a dos anos em que foi artista da Alpert & Moss, a A&M. O primeiro elepê dessa nova fase aparece quatro anos depois de seu début, com Reach Out. Na verdade, ele passa o seu repertório a limpo, em versões instrumentais. É o caso desse disco aqui, Make It Easy On Yourself, de 1970. Foi o primeiro dele que comprei (nunca achei o primeiro em vinil, apenas fui ouvi-lo com o advento da já falecida Usina do Som). Comprei os dois dois primeiros discos da A&M em sequência, acho que até na mesma loja. Gosto de ouvi-los especialmente porque eles me recordam exatamente a época em que os ouvi pela primeira vez – algo que todos têm, e isso me deixa um tanto nostálgico daqueles tempos.
Como ele fez no Reach Out, Bacharach canta numa faixa — no caso a que dá nome ao disco, Make It Easy On Yourself (um original de 1962, que rendeu à Dione Warwick o primeiro lugar nas paradas e aos Walker Brothers também, cerca de dois anos depois). Mesmo não sendo lá um grande cantor, a peça de resistência é, com efeito, a sua própria voz pequena. Sem sombra de dúvida, a melhor versão. Temas como Whoever You Are I Love You ou She’s Gone Away, por exemplo, são ligeiramente subestimadas, mas se notabilizam também pelo arranjo — coisa que Burt é mestre em transformar criações pop em pequenas suítes.
O disco ainda tem Any Day Now, que Elvis havia recém regravado, I’ll Never Fall In Love Again (cantada pelo coro feminino da orquestra e, é claro, This Guy’s In Love With You.
A história dela é bastante curiosa. Herb Alpert (um dos donos da A&M havia perguntado ao Burt se ele tinha alguma canção para mostrar-lhe. Bacharach não tinha nada. No entanto, se lembrou de que tinha uma canção dele — e que ele não levava muita fé nela, já com letra pronta, do Hal David. Resolveu repassá-la ao trompetista da Tijuana Brass.
Herb resolveu cantá-la (os discos da Tijuana Brass, como se sabe, são de música instrumental) e ficou dez semanas no primeiro lugar da Billboard. De Easy Listening.
Confesso que, graças ao Burt Bacharach, minha revolta contra música de elevador se aplacou para sempre.
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terça-feira, 22 de abril de 2014
England's Newest Hit Makers
A capa
Estava acostumado por décadas a ouvir o peimeiro disco dos Stones "maquiado" pelo falso estéreo e a qualidade de som típica do vinil antigo. Quando fui ouvir o mesmo álbum em versão SACD, e depois de ler na biografia do Keith que boa parte das sessões de gravação foi realizada em um estúdio de jingles com isolamento acústico improvisado com caixas de ovos, e sabendo da quase total incúria do Andrew Oldham na parte musical, noves fora a inexperiência da banda em estúdio - que, para Richards, era o ápice do improvável para eles, naquele estágio onde os Stones tocavam em pulgueiros, o resultado é surpreendente, é um parto à fórceps (mas o bebê é lindo e rosado, muito embora narigudo e dentuço, como o Keith).
Essa sonoridade "raw" dos primeiros discos, entre os quais o seu debut homônimo, lançado há exatos 50 anos, fariam parte do capítulo 1 dos Stones, que é hoje mais cultivado pelos iniciados do rock. Esse capítulo se insere num contexto interessante: garotos ingleses que transformavam um gênero de música norte-americano que, à época, era um fenômeno tanto localizado quando totalmente subestimado.
Nota-se que foi tudo registrado ao vivo, inclusive palmas (Walking The Dog, por exemplo, imaginem o staff, o escovinha do Gene Pitney, Spector e o próprio Oldham dividindo maracas e tambourine nas faixas).
Sabendo da dificuldade de todo começo, o repertório estava bem arranjado, e inclusive o divino Charlie Watts, cuja lenda era a de que ele sequer era baterista antes dos Stones (lenda, mas que muitos de nós acreditávamos), segura muito bem o ímpeto do quinteto, mais do que faria muitas vezes depois, mas sempre muito seguro de si, a ponto de não deixar a sonoridade cair em garagem pura.
Watts é um gênio incompreendido em sua discrição, como no caso dos grandes bateristas incompreendidos e subestimados, como Al Jackson Jr. Como disse Keith no livro, Charlie é a cama em que os outros quatro se deitam, ele, principalmente.
O que é a virtude dessas primeiras gravações, no entanto, é algo que pesa contra, pelo menos num exercício de imaginação. A infra-estrutura daqueles tempos deixava a desejar em matéria de captar a banda de forma ideal (existem poucos registros em estéreo ou mixagens definitivas nesse modo) no seu começo e a falta de direção de um produtor de escol (Jimmy Miller, o homem que realizou a maiêutica musical do quinteto, só acenaria na história dos Stones em janeiro de 1968) impediu que tivéssemos registros decentes daqueles dias primitivos. Por outro lado, seria impossível conceber tudo aquilo de outra maneira.
Keith fala, em sua autobiografia, que Andrew foi quem os obrigou a começar a compor. No entanto, na verdade, eles já haviam produzido faixas próprias sob a alcunha coletiva de Nanker-Phledge - e Tell Me, uma preferida dos fãs, muito embora soasse como Motown (algo que seria típico dos mods, isto é, transpor para a guitarra os doo-ups das Cleftones ou Martha Reeves, por exemplo).
Ou seja, nada que fosse de novidade, A não ser o fato, salientado por Richards em seu livro: na verdade, Oldham não queria mais cópias de blues de Chicago. Pelo menos, ao contrário do purismo de um Eric Clapton, que realmente se sentiu marginalizado ao quebrar lanças pelo seu purismo no blues, os Stones, e Keith explica, não tinham, ao contrário do futuro guitarrista do Cream, escrúpulos com relação à isso.
Com exceção de "Little Red Rooster" - onde Jagger e Keith realmente queriam quebrar barreiras defendendo a signature song do seu ídolo, Howlin Wolf nas paradas, a banda optou por abraçar o pop.
Tanto que, com efeito, o escopo das canções dos glimmer entre 1964 e 1967 era fundamentado em pop, com raras e obscuríssimas concessões ao blues (como Who's Driving Your Plane, lado B de Have You Ever Seen Your Mother, Baby, Standing in the Shadow). A qualidade da produção dos álbuns dos Rolling Stones caminharia em seus altos e baixos pelo menos até as sessões do Aftermath, que foi gravado no Estúdio A da RCA, em Hollywood (os tapes da Chess eram propositadamente gravados em mono, para soar como a velha Chess) e quando eles defintivamente passaram a usar o Olympic Studios, em Londres.
Quando Mick, Keith e grande elenco chegaram em terra ianque, não existia nada mais passadista que o blues de Chicago ou Memphis. Quando eles adentraram os estúdios da Chess, deram de cara com Muddy Waters no topo de uma escada, dando uma demão de tinta na entrada. Para se manter gravando, mister Morganfield tinha que bancar o factorum. Pois foram esses garotos ingleses que tiraram Muddy daquela escada e lhe deram uma nova reputação.
Porém, como disse Richards em suas memórias, abandonar os standards de blues foi o ponto crucial em suas carreiras. Tanto é verdade que os seus símiles do rock britânico daquele tempo ficou perdido no passado. Até mesmo o début dos Rolling Stones, quando veio à lume, há 50 anos era, ao mesmo tempo, o fim de um capítulo e o começo de outro. Em pouco tempo, o quinteto inglês não seria o mesmo - e o rock também.
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quarta-feira, 9 de abril de 2014
In Utero
A capa
Eu me recordo quando o In Utero saiu, em fins de 1993. Naquele tempo, não existia Internet e os compact-discs eram muito caros (nós ainda encontrávamos certa viabilidade em comprar vinil, diferente de hoje, onde isso se dá mais por mero diletantismo). NA verdade, eu só fui escutar o álbum meses depois, numa versão em fita cassete pirata (com capinha e tudo), e a gravação era ripada de vinil, mesmo.
Eu era então meio fanático pelo Nirvana. Estava no Ensino Médio, e ouvia o Nevermind quando acordava, antes de sair para a escola (estudava de tarde) e quando chegava em casa, à noite. Acho que as primeiras audições do In Utero foram pouco anteriores àquele incidente onde Kurt Cobain foi internado às pressas após uma overdose de drogas, na Itália. Aquilo naturalmente assustou todo mundo. Ou, nem tanto, já que a gente conhecia (ou, pelo menos, achava que conhecia) Cobain a ponto de achar algo digno da sua biografia de bizarrices. E nós meio que nos inspirávamos naquela personalidade maluca de um cara que parecia estar com o "foda-se" ligado o tempo todo.
Minha primeira impressão ao ouvir o último disco da banda deve ter sida a opinião corrente. Ouvindo em sequência, a primeira faixa, "Serve the Servants" tinha lá algum apelo comercial e lembrava um pouco o punk pop típico do Nevermind. Porém, de "Scentless Apprentice" em diante, o disco parecia uma descida aos infernos; parecia que cada faixa exalava algo de mórbido, hospitalar, sombrio, desde o desespero terapia do grito de "Rape Me" até o fim do mundo a la Leonard Cohen (!) de "Pennyroyal Tea". Mesmo as faixas de apelo comercial (ou como disse Krist Novoselic), as faixas que eram como portas para a ligação do ouvinte com o disco) eram sombrias.
A impressão final era desoladora: o In Utero jamais iria se equiparar ao seu antecessor. Eu não entendi o disco, parecia uma negação de tudo, porque era um álbum anti-comercial. Mesmo que eles tivessem a pressão de fazer um disco à altura de Nevermind e, com efeito, Kurt tivesse capacidade de fazer um disco naquele mesmo nível, parecia evidente que não era o que ele tinha em mente. Logo, o novo trabalho parecia uma provocação, um acerto de contas, uma rejeição a tudo e a todos.
De fato, isso rendeu problemas ao Nirvana. Depois da primeira audição, alguns executivos da Geffen execravam o resultado final, e achavam que era necessário começar tudo do zero. Cobain defendeu o material até o fim, muito embora tenha cedido (até por disensão com as idéias do produtor, Steve Albini) com relação à mixagem final de algumas faixas, como "Heart-Shaped Box". Albini fora escolhido pela banda por seu trabalho com os Pixies, que Kurt adorava; contudo, no fim das contas, ele acabou virando apenas um mero engenheiro de som. Talvez o diferencial em sua produção tenha residido justamente no fato de que Cobain queria um som propositalmente mais cru.
Steve teve duas ideias um tanto peculiares: primeiro, redimensionou a microfonação da bateria de Dave Grohl: em alguns casos, ela era disposta em uma espécie de cozinha dos estúdios Pachyderm, em Cannon Falls, Minnesota, uma casa no meio do mato, que Krist chamou de "gulag", já que era um estúdio improvisado no fundo de uma tapera, literalmente onde o diabo havia perdido as botas.
A outra eureca original de Albini foi não fazer qualquer tipo de double traking dos vocais de Kurt; tudo seria captado com uma voz apenas. Isso é notável em todo o In Utero e é a sua marca registrada. Algumas faixas, como a citada "Pennyroyal Tea" mais parecem vozes-guia. Em outro momentos, como em "Scentless Apprentice", os vocais de Cobain chegam a desaparecer debaixo da marca de guitarras, nos refrões.
O curioso é que justamente as faixas com acento folk, como "All Apologies", a supracitada "Pennyroyal Tea" e "Heart-Shaped Box" apareceram nas paradas e, apesar do caráter anti-comercial do álbum, In Utero chegou ao primeiro lugar na Billboard, navegando sobre todo o udigrudi de então. No entanto, o inacreditável aconteceu: pouco tempo depois do incidente durante a turnê italiana, Cobain cometia suicídio - há exatos vinte anos atrás.
Desnecessário dizer que, com o desaparecimento do líder do Nirvana, o disco ganhou outra dimensão. Alguém já disse (infelizmente não me lembro a fonte, para poder citá-la aqui comme il faut), mas a morte redimensiona totalmente a obra de um artista. Á medida em que surgiam pormenores da vida de Cobain pela imprensa afora (muitos acusando a mídia de tê-lo "suicidado"), as palavras aladas e a sorte do músico foram imbricadas à leituras, releituras e subleituras das letras das canções do disco. Todos queriam achar evidências dos atos futuros do compositor nas entrelinhas, e In Utero era um prato cheio de alguém submerso em desespero. A própria torpeza das faixas e a crueza do disco, que mais perecia um testamento abortado à fórceps, tudo subiu aos céus ante ao turbilhão da espiral trágica de Kurt Cobain.
Estou re-ouvindo In Utero vinte anos depois. Acho que ainda é difícil de entendê-lo - se era a metade de uma trajetória musical ou o fim inexorável e iminente dessa mesma trajetória. O que é um álbum diante da posteridade?
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sexta-feira, 28 de março de 2014
The Fool
A capa
Sessões de gravação de Elvis sempre foram ligeiramente caóticas: na prática, tudo o que era agendado acabava caindo por terra. Canções programadas não conseguiam aval para publicação pelas editoras do cantor a tempo, enquanto ele rejeitava pilhas e pilhas de acetatos franqueados pela RCA e, de quebra, acabava escolhendo músicas que sequer haviam sido cogitadas.
A coisa começou a ficar realmente caótica quando Felton Jarvis passou a produzi-lo, a partir de 1966. Nada contra Jarvis; pelo contrário, ele foi o responsável por segurar todas as barras do rei a partir dos anos 70, quando Presley mergulhava sutilmente num turbilhão de frustrações pessoais e profissionais, depressão, excessos e desespero.
Felton conseguia até demais para o gasto. Precisava reagendar sessões de gravação e solicitar novos adiantamentos de verba para gastos com contratação de músicos. No geral, elas se tornavam mais caras à medida em que ficavam improdutivas e à mercê de barganhas musicais para a obtenção de direitos autorais, já que Elvis era um típico intérprete dependente de escritórios do tipo Tim Pan Alley.
O resultado final dessa fase dos anos 70 ficava na média de altos e baixos - às vezes num mesmo álbum. Mas o maior problema não era esse. O fator complicante é que as sessões eram aleatórias, sem um disco em mente. Ou seja, pecava pela falta de coerência. Material era gravado e apenas cumpria-se o contrato com a RCA e pelo menos dois discos por ano e quatro compactos.
Some-se a isto o fato de que o selo, já além da parcimônia do Coronel Tom Parker nos primeiros anos de carreira do cantor, não estava nem aí pelo fato de a RCA, via selo caça-níquel Camden, editar discos com sobras de compactos-duplos com algum sucesso do momento (como, por exemplo, o Saparate Ways). Discos esses que encalhavam no mercado, e que em termos estéticos, não iam a parte alguma, ou seja, não indicavam nenhuma evolução. Presley mais parecia uma prima-dona dependente de torch songs cada vez mais tristes. Mesmo assim, ele ainda era Elvis Presley.
O problema também era esse. era preciso encarar a realidade. Ele agora era um artista do passado, preso numa turnê sem fim onde ele era refém de si mesmo. O tédio guiava a sua carreira. Agora, única coisa que o Rei e Parker tinham em comum, era a possibilidade de fazer dinheiro. seu empresário não se metia mais em suas canções, cuja produção ficava restrita à Presley e Jarvis. Nem a RCA tinha condições de demovê-lo de nada, do ponto-de-vista artístico. O resultado era um amálgama de pouca ousadia e uma certa integridade musical. Elvis, nessa fase, parecia cada vez mais autoral em suas interpretações.
Ele era um artista do passado, embora tivesse trilhões de fãs, e seus shows comprovavam isso. Mas era um artista do passado no sentido de que, ao contrário do que empresário e gravadora pudessem esperar, sua fase de vender milhões já havia passado, pelo menos se pensássemos em Elvis como artista contemporâneo. Talvez a cobrança tivesse sido pesada demais para ele. Hoje vemos que nenhum artista, nem ele, se fosse vivo, teria que se debruçar a um regime de trabalho tão estafante. A morte prematura, em 1977, veio redimi-lo, um homem que não pôde viver a não ser pelo seu público.
Ainda hoje, mesmo que seu desaparecimento tenha dado uma nova dimensão a sua obra, esses discos, feitos às pressas, com capas de gosto duvidoso e sem grande apuro em matéria de arte-final, são lembrados apenas pelos iniciados na arte maior de Elvis. Ele tem pelo menos sete ou oito discos de carreira que venderam relativamente bem à época, mas que passaram batidos. Aliás, Elvis era cobrado por um desempenho nas paradas, como se a culpa das más posições fossem inteiramente culpa de Jarvis e do repertório. A verdade é que, naquele contexto, não se poderia esperar um milagre de 3 milhões de cópias de discos ou que ele gravasse "Suspicious Minds" de três em três meses.
Parece brincadeira hoje, mas a despeito de toda a reputação e sucesso mundial, Presley tinha que provar que era Elvis o tempo todo. Hoje, qualquer artista jurássico solta um dó de peito e ganha disco de ouro (embora não se venda mais discos como antigamente). Com o tempo, ele foi realmente se cansando. As sessões eram cada vez menores, mais escassas, pouca coisa sobrava para um disco (a coisa chegava num ponto em que bastava encher 123 músicas que voilá, tinham um disco, mesmo com sobras de dois anos atrás, como o disco Now).
O que salvou a RCA foi a opção primeiro por gravá-lo a dez minutos de casa de carro, na Stax (que, depois que quase dez anos, já decadente, voltou a arrendar o estúdio) e, por fim, com o estúdio móvel instalado na Jungle Room de Graceland. Ali, ele gravaria suas derradeiras faixas.
Os discos gravados entre 1973 e 77 devem hoje ser sentidos com outra percepção, de um artista que se tornava mais autoral, tinha completo domínio de voz e deixou interpretações únicas, mesmo em canções que podem ser consideradas descartáveis.
O primeiro dessa série de discos é este aqui. O The Fool. saiu na esteira do sucesso de Aloha, mas não despertou interesse dos fãs. A RCA começou a dardejar sobre Felton Jarvis, já que a concepção do disco é dele. Nessa época, a gravadora queria enfiar outra executiva do selo, Joan Deary, a fim de reformular a produções dos discos, que não vendiam bem. Elvis franqueou a permanência de Jarvis, como fez com Scotty Moore e Bill Black quando os dois se demitiram (e foram readimitidos logo depois, em 1956, mesmo com pressão para a saída da dupla). Como sempre, para o Rei o que contou foi a fidelidade. O seu produtor era o seu fiel escudeiro disposto a quebrar lanças com Deus e todo mundo em nome da sua autonomia musical. E, além do mais, Elvis confiava em Jarvis. Naquela altura do campeonato, não havia nem como mudar time ainda que o escrete tivesse perdendo).
O álbum The Fool (ganhou essa apelido por conta do homônimo disco de estréia do cantor) não é fraco. Tem grandes canções, como It's Impossible (na verdade, Somos Novios, do Armando Manzanero, transladado para o Inglês com Perry Como), Padre e I'll Take You Home Again, Kathleen (famosa canção popular). O único porém no disco é que, o que parece um lançamento de 1973, na verdade, são todas sobras de estúdio compiladas e enfeixadas como um disco "novo". Requentado seria o termo, (ainda mais com uma sobra com fade-in ("Don't Think Twice It's Alright") que era evidentemente um ensaio sacado da gaveta e ditado, e o cover de Somos Novios, que é de um show em Las Vegas. Porém, uma coletânea de canções sem um "carro-chefe" e, para terminar, muito pouco divulgado tanto por Elvis quanto pela RCA. Parecia uma manobra para puxar o tapete do Rei em favor de outra equipe para a produção dos próximos discos.
Fool vendeu bem em todo o mundo. O que eles notavam é que as vendas nos Estados Unidos pareciam diminuir consideravelmente. A RCA deu uma cartada com a edição de (verdadeiras) coletâneas, chamadas "A Legendary Performer" (às costas de Elvis) que, paradoxalmente, vendiam pelhor que os recentes discos de carreira do cantor. Somado a isto a preferência pelos sucessos do passado e os shows, ainda hoje, esses momentos preciosos de Presley em disco no decorrer dos anos 70 é algo a ser redescoberto e re-ouvido.
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quarta-feira, 15 de janeiro de 2014
Elis & Tom
A capa
O encontro histórico entre Tom e Elis foi o final feliz de um longo e tortuoso episódio que os separou dez anos antes, em 1964, desde os testes para a produção do disco Pobre Menina Rica, de Carlos Lyra, como trilha sonora da peça de mesmo nome. Jobim era co-produtor. No fim, ele a refugou em favor de Dulce Nunes. A alegação, segundo as más línguas, era a de que o compositor teria antipatizado com os modos dela. Verdade ou mentira, ficou a história de que a “Pimentinha” fora dispensada por ser “muito caipira”.
Anos depois, a história não se dissipara. Ele foi questionado sobre o assunto, e negou tudo, e disse que já tinha o nome de Dulce em mente, antes dos testes. Mesmo assim, ela levou muito tempo para se refazer daquele veto, embora cantasse muita coisa de Tom e Lyra no “Fino da Bossa”. No ano seguinte, a gauchinha faria contrato com a Philips, no calor da hora da suas apresentações no Festival da Canção da TV Excelsior, quando elis venceu com “Arrastão”. No mesmo ano, ela lançava seu primeiro disco pelo selo, Samba eu Canto Assim.
O problema é que Elis e Tom tinham ninguém menos que Ronaldo Bôscoli em comum, já que, na época, ela era casado com o conhecido autor de “Lobo Bobo”. Pois Bôscoli acabou servindo para aplacar ressentimentos e quebrar o gelo entre a maior cantora e o maior compositor do Brasil. O resultado aconteceu em 1969, quando a cantora resolveu registrar um tema de Jobim em disco (“Wave”). A partir de então, ele seria notório freqüentador de seus álbuns. Dois anos depois, Roberto Menescal tocou para Elis a mais nova criação de Tom: “Águas de Março”. Ela gostou tanto que a incluiu em seu disco posterior. Foi quando brotou em sua mente a idéia de fazer um álbum-encontro, só com canções de Jobim. Em 1974, quando Elis, separada de Bôscoli há dois anos e re-casada, agora com César Camargo Mariano, fez dez anos de casa na Philips, a gravadora lhe deu o presente uma sessão de estúdio com Tom em Los Angeles, onde o maestro então vivia, junto com a turma de “exilados” da “brazillian” jazz West Coast: Aloysio de Oliveira, Moacyr Santos, e Laurindo de Almeida.
Apesar do choque de gerações inicial, as coisa foram se arranjando. Elis partiu com uma lista de quinze músicas favoritas, dentro de um repertório de vinte e cinco números que o compositor havia sugerido. Juntos, eles chegaram a um termo no tocante ao repertório, amalgamando sucessos com canções menos conhecidas. O meio termo era a sobriedade das cordas que Tom utilizaram em produções de Creed Taylor (Verve) um tanto amerizanizadas, como Tide com a modernidade nada ortodoxa de teclado guitarra e contrabaixo elétrico, por parte de César Camargo Mariano. Os arranjos ficariam a cargo dele, em cima de indicações de Jobim (Mariano se baseou no arranjo original de “Corcovado”, por exemplo), que participaria em suas próprias com vocais, flauta e piano. A batuta seria de Bill Hitchcock, e que daria o toque norte-americano na sonoridade do álbum. Foi esse “choque de gerações” e a diversidade de músicos durante as gravações (entre eles, Oscar Castro Neves) o responsável pelo primoroso ecletismo do disco.
A Trama relançou o disco, há coisa de dez anos atrás, em versão remasterizada em SACD. Para o trabalho de reconstituição do álbum, realizado em Los Angeles, César Camargo Mariano refez todo o caminho anterior, faixa a faixa. Primeiro, ele se debruçou diante da matriz do disco, a fim de digitalizar a fita analógica, com o cuidado de não desgastar mais o tape, transferindo o material para uma fonte eletrônica. Finda a primeira parte, ele descobriu diferenças entre o elepê de 1974 e os tapes, principalmente com relação ao acabamento nas mixagens, cortes mal feitos ou fades bruscos (aquele lance quando a música vai baixando). A outra seção curiosa eram os deliciosos ruídos de estúdio, como contagens, falas, risadas, versões alternativas (os famigerados outtakes) — uma espécie de “mania” típica de fã, mas que dão um toque de realismo ao disco. A verdade é que, de certa forma, hoje não existe tanto a preocupação em “limpar” as gravações nos discos, e a inclusão desses traços é muito comum em reedições de velhos discos de jazz.
César Camargo pôde desmontar a desgastada fita de áudio de uma polegada, abrir os oito canais das gravações originais e redistribuir todos instrumentos e vozes no sistema de “surround”. Curioso é que tal sistema demonstra perfeitamente que repassar a fita analógica para o disco digital serve apenas para conservação. Para um material histórico, é quase jogar pérolas aos porcos — o velho “AAD”, onde gravadoras se limitam a fazer uma “fotocópia” sonora do tape do velho vinil. Para o ouvinte que já conhece o disco, as faixas estão mais longas, já que a edição foi refeita. E em alguns casos, o tempo de algumas canções foi aumentado. O ofício de recuperação prescinde do fator artesanal e do arqueológico para chegar a um resultado digno de ser lançado em compact-disc. E o resultado é incomum. Pelo menos, para os puristas e os fetichistas de arranjos minimalistas, o salto para o “surround” é maior do que o do elepê para o CD. Além de “puxar” os instrumentos para o ouvido, a muicalidade separa totalmente as respectivas texturas sonoras, na verdade, jogando o ouvinte (principalmente colocar os fones-de-ouvido) dentro da gravação, cara a cara com Elis Regina.
Como não poderia deixar de ser, Elis & Tom foi produzido pelo Aloysio de Oliveira, como nos bons tempos da Elenco, quando registrou muitos outros encontros históricos, como Caymmi e Vinícius. No repertório que entrou para o estúdio, constam pérolas como a já citada “Águas de Março”, o cavalo de batalha de Elis. As velhonas “Corcovado”, “Só Tinha que Ser Com Você” (com e Aloysio) , “Brigas Nunca Mais” (com Vinícius, do Chega de Saudade, de 1959), “Fotografia” (velho sucesso com Sylvinha Telles e um dos primeiros êxitos de Jobim), “Inútil Paisagem” (gravada originalmente pelo sexteto de Sérgio Mendes, nos anos 60), a valsinha alegre “Chovendo na Roseira”; a egotrip “Retrato em Branco e Preto” (a melhor do disco), e “Triste”. As duas últimas seriam “copiadas” por João Gilberto para o Amoroso, de 1977.
Já o outro “lado” do disco reside na delicadeza dos verdadeiros hai-kais sonoros, de temas menos conhecidos de Tom, porém não menos inspirados. Como a langorosa “Pois É” (com Chico Buarque), “Modinha” (com Vinícius) só com arranjo de cordas de Hitchcock, “O que Tinha de Ser” e uma prosódia em cima do “Soneto da Separação”, de Vinícius de Moraes, com um dramático arranjo de cordas ligeiramente wagneriano, estilo “Tristan Und Isolde”. No novo lançamento, constam dois “outtakes”, ou sobras de estúdio: a versão original de “Fotografia”, bastante diferente da que saiu no elepê de 1974 (que foi regravada no Brasil). A primeira gravação soa “moderna” demais, e demasiadamente moldada com bateria. A outra surpresa do disco é Elis cantando “Bonita” (“What can I say/To You/Bonita?”), que Tom havia gravado no seu A Certain Mr. Jobim, mas que a cantora preferiu não incluir, por discordar do resultado final e de seu sotaque na letra.
terça-feira, 14 de janeiro de 2014
Dig Out Your Soul
A capa
O incensado livro 1001 Albuns You Must Hear Before You Die recebeu recentemente uma nova edição. Lançada em 2005, a obra foi atualizada nas edições posteriores e, na de 2009, a lista ganhou 25 novos discos; na mesma medida, o mesmo número de álbuns foi defenestrado.
O que fica é que, vendo pela listagem recente, é difícil entender o que seja canônica em matéria de música numa época em que o próprio formato entrou em franca decadência e, ao mesmo tempo, sabemos que não existe a distância que o tempo requer para que possamos reverenciar alguma criação singular.
Ou seja, qualquer acréscimo posterior pode se configurar de ordem duvidosa. Por exemplo: em 1967, o disco Forever Changes estava longde de adquirir o sucesso que ele obteve ao longo dos últimos 40 anos, o colocando necessariamente no cânone do rock.
Portanto, ao vermos discos incluídos recentemente, não sabemos onde começa o juízo dos críticos e termina o ufanismo de ocasião, ou onde a análise especializada não termine, com efeito, desembarcando em mero cabotinismo.
Mesmo assim, independente de quaisquer critérios que levaram o coletivo de críticos e jornalistas que outrora formaram uma lista de 1001 discos agora coloca 25 a mais para tirar outros tantos, excluindo pois trabalhos que haviam sido canonizados como "para ouvir antes de morrer" (ou "de dormir", como diria o Sultão Schariar).
Já que é permitido mexer na lista dos 1001, eu incluiria um disco que deve configurar na atualização - o Dig Out Your Soul, do Oasis. Lançado em 2008, é o "canto do cisne" da banda e, desde então, uma obra-prima dentro da discografia do grupo britânico. Senão, vejamos.
Entre 1994 e 1998, o Oasis viveu a sua fase de ouro, que coincidiu com o movimento do Britpop, enfeixando discos de sucesso. Em 2001, o conjunto quebrou a sequência num disco experimentalísimo e descontínuo, o Standing on The Shoulders Of Giants.
No começo da nova centúria, a banda de Noel Gallagher acabou se transformando numa cópia pouco inspirada de si. Álbuns como Heathen Chemistry (2002) e Don't Believe the Truth (2005), o Oasis se perdeu em digressões pouco inspiradas.
O que os discos têm em comum, além da emergência das composições de Gem Archer e Liam, é em parte um autopastiche nas canções de sucesso e músicas fraquíssimas, transformando os discos em retalhos musicais.
Quem ainda segurava o estro era, como sempre, o próprio Noel - porém, caprichando nos lados B. Aliás, nessa fase, o melhor da produção reside nessa material alternativo do quinteto inglês.
(Meus leitores, se é que os tenho, irão apartar-me citando o What's the Story Morning Glory. Porém, permitam que vocês discordem um pouco de vocês e concordem um pouco comigo dessa vez)
O Oasis acabou em 2010. Também, pudera: um ano antes, havia lançado o seu melhor disco, Dig Out Your Soul. Quando se esperava apenas uma continuação dos discos anteriores, este CD se mostrou, a despeito de usar sempre a intertextualidade em suas canções - cuja referência sempre é o pop inglês dos anos 60, uma extrema originalidade em sua concepção.
Se formos ver em retrospectiva, os material dos discos lançados entre o Be Here Now até o Dig Out, com exceção do Standing... mais pareciam meros sacos de gatos, onde víamos algumas tentativas musicais de Liam e muito do típico material Lado B de Noel, incluindo muitas canções acústicas, sem grande acabamento formal. Ao mesmo tempo, a cada lançamento, era aquele papo do “o novo disco do Oasis é à volta às raízes”, só que essas raízes não se ligavam a nada parecido com a sonoridade crua do Definitively Maybe.
Até que, na concepção do Dig Out Your Soul, Liam disse em entrevista exatamente o que listamos aqui: os discos anteriores pecavam por falta de unidade, e muitas das canções acústicas mais pareciam pré-produções, como Le There Be Love ou Songbird. Ou seja, houve um diferencial em sua concepção: fazer um álbum totalmente elétrico. Tanto pela capa quanto pelos arranjos, é difícil não compará-lo ao Be Here Now: disco com forte matiz psicodélica e canções plenas de ruído, distorção e muito raga music. O que o diferencia do disco de 1997 é justamente a concisão: as faixas são relativamente curtas e “objetivas”, com clássicos instantâneos sem a intenção do pastiche, como víamos em Layla ou Go Let it Out.
A sequência de The Turning até Falling Down é perfeita, até que o Oasis levanta voo em viagens mais corrosivamente psicodélicas, como The Nature of The Reality. Ao mesmo tempo, eles pagam o seu devido tributo ao rock dos anos 60, em sua vertente lisérgica, ao mesmo tempo em que retornam às raízes, como que passando a limpo o som de garagem que originou o Oasis – sem no entanto ser um verdadeiro retorno, porquanto o Definitively Maybe guarda ainda a pátina do rock de garagem com músicos que, com efeito, não estão mais na banda.
Ou, para entendermos melhor. O retorno será sempre supressivo, terá o corte da visão da experiência de quase vinte anos de produção musical. O retorno, pois, é figurado, mas guarda certa aura de autenticidade no fato de que, em seu canto de cisne, o Oasis realmente quis empreender um trabalho sólido, coeso e enfeixado, em canções que podem não virar “hinos” como “Some Might Say” ou “Live Forever”, mas que, à guisa de fechamento de uma carreira exemplar para uma banda de rock, eles cumpriram a missão com êxito.
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segunda-feira, 13 de janeiro de 2014
Girl On a Swing
A capa
Da mesma maneira que a cena musical de Liverpool e arredores assombrou o mundo no começo de 1964, com a invasão britânica, cedo aquela manifestação cultural foi deglutida pela indústria cultural norte-americana.
Num espaço de pouco mais de dois anos, o chamado "beat boom" já havia sido suplantado pelo novo rock ianque, na mesma nedida em que a cena musical agora se insurgia na Costa Oeste norte-americana.
A primeira grande banda de San Francisco, o Beau Brummels, ainda trazia muito do rock inglês em sua música (Laugh, Laugh, 1965), não revelando de todo toda a revolução musical do Verão do Amor, dois anos depois.
De qualquer maneira, a indústria fonográfica dos Estados Unidos mal podia dar conta da quantidade gegantesca de bandas que apareciam toda semana, influenciada ou não (o que também é uma influência) pelos Beatles.
O rock inglês, baseado em covers de soul, rythym'n blues e rockabilly, acabou se dividindo em grupos de produção original e outros, que apenas viviam de covers.
À medida em que aqueles se viam, com efeito, forçados à superar a si e aos outros, por uma questão de sobrevivência - ante ao darwinismo musical em curso, estes estavam fadados ao ocaso.
Um caso exemplar é o do Gerry And The Pacemakers. Assim como os Beatles, eles viviam sob o mecenato do empresário Brian Epstein. No entanto, enquanto o conjunto de John Lennon cedo tratou de rejeitar qualquer orientação sobre sua música, tal como gravar sucessos de encomenda, coube ao grupo de Gerry Mardsen fazê-lo, não sem êxito.
Os primeiros compactos (compostos por Mitch Murray, compositor profissonal) dos Pacemakers, como previsto por Epstein, chegaram ao primeiro lugar nas paradas britânicas, sendo o estopim da revolução do beat boom na Inglaterra.
O que parece ter sido uma postura arrogante por parte dos Beatles em rejeitar essas canções, logrou ser a única alternativa. De antemão, eles sabiam que deveriam se diferenciar das dezenas da bandas de baile de Liverpool que, a rigor, tocavam todas as mesmas músicas. A sua primeira atitude foi lançar apenas canções originais em singles.
Mesmo sob o desafio de viver entre erros e acertos, eles toparam a parada; o excesso de demanda ajudou-os, e cedo os Beatles se firmaram num repertório próprio, assim como já faziam os Beach Boys, por exemplo. Essa postura do intérprete-compositor seria a base do rock dos anos 60: romper com a indústria dos compositores de gaveta.
O caso do Gerry And The Pacemakers foi o inverso: mesmo que Mardsen fosse compositor, não havai um trabalho colaborativo na banda e confrontado pelo mesmo sucesso da outra banda de Brian Epstein, cedo a fonte secou. O auge criativo da banda, cujo ápice foi o disco e o filme Ferry Cross the Mersey, também foi o fim.
Grupo de breve discografia, embora maior nos Estados Unidos (falaremos disso adiante), do quarteto restaram apenas dois álbuns. A partir do citado Ferry Cross The Mersey (e How Do You Like It, os dois lançados aqui no Brasil pela Fermata), a Columbia lançaria apenas singles e compactos-duplos, entre eles, um de covers (Rip It Up), o que mostra o impasse de publicar novas composições e outro, ao vivo (Gerry In California).
Sem material suficiente pata encher um disco, ou por outra, com material considerado de qualidade inferior (ao nível exigido pelo mercado, podemos dizer assim), a banda acabou em fins de 1966.
O mercado americano e canadense, contudo, como era de hábito, aproveitava ao máximo o material dessas bandas inglesas, tranformando compactos e EPs em enxerto para albuns de onze faixas. Foi por conta desse interesse marcadológico que, ao contrário da Columbia inglesa, o anômalo disco Girl On A Swing foi lançado na América.
A primeira parte do disco compreeende material de compacto do Gerry And the Pacemakers (La La La, You, You, You e Girl On a Swing). O resto do disco se divide em covers a la Engelbert Humperdinck, como "The Way You Look Tonight", "Strangers in The Night", "At The End Of The Rainbow" e até "Guantanamera". Canções que, como podemos verificar, não tem função nenhuma no contexto do som dos Pacemakers.
A segunda parte, por sua vez, vai de encontro ao interesse posterior do crooner da banda em se envolver com teatro e cinema. Não passam de números de vaudeville que pouco ou nada tem a ver com o rock que catapultou a banda. No Canadá, o disco foi lançado pela Laurie e, desde então, ele está fora de catálogo em vinil. Contudo9, pode ser encontrado em edições não-oficiais em CD.
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quinta-feira, 9 de janeiro de 2014
Lady Soul
A capa
Em janeiro de 1967, Jerry Wexler conseguiu puxar Aretha Franklin da Columbia para a Atlantic. O novo contrato dava autonomia musical para que ela lançasse, no período de dois anos e meio, pelo menos três dos seus melhores trabalhos. O terceiro e mais expressivo deles é, sem dúvida, Lady Soul, de 1968.
Cercado de músicos de soul, como os do Muscle Shoals Rhythm Section e gente como Spooner Oldham, Aretha voou nos estúdios, criando versões definitivas para "Do Right Woman, Do Right Man” e “Respect”. O tema principal do disco "I Never Loved a Man (The Way I Love You)" chegou ao primeiro lugar na Billboard na seção de R&B e o clássico de Otis Redding atingira a primeira posição na seção Pop.
Lady Soul se tornaria um hit singles pack, emplacando quase todo o disco: o primeiro foi o compacto que precedeu o lançamento do álbum, "(You Make Me Feel Like A) Natural Woman", com as Sweet Inspirations.
Em seguida, viriam "Chain of Fools" e "Ain't No Way". Em fevereiro de 1968, ela recebeu dois grammys por melhor interpretação vocal em Rhythm’n Blues. Aretha acabou virando capa da revista Time – algo praticamente vedado à ídolos pop.
O que chama a atenção nessa mudança de Aretha é compará-la como crooner na CBS e notar como ela era subestimada como co-produtora das suas próprias canções. Pianista, ela soube recriar vários dos arranjos originais de temas, como ela havia feito em Good Times, além de haver dado uma versão definitiva para “Respect” – deixando, aliás, o próprio Redding estupefato.
Tudo isso além do fato de que ela fez a escolha certa. Afinal, a Atlantic, cujo mecenato atendia pelo nome de Ahmet Ertegun, já havia granjeado algum sucesso desde o tempo de Ray Charles. Com excelente faro artístico, ele soube dar vazão à carreira de muita gente insuspeita.
Não apenas artistas negros, como Aretha mas, como antes o fizera John Hammond, Ertegun soube fazer a ligação entre artistas negros e brancos, numa época espúria desegregação, mas também de muitas mudanças. A Atlantic, pela subsidiária atco, iria lançar nos Estados Unidos o rock do Cream e, anos depois, através da Dusty Springfield, iria ser a gravadora do Led Zeppelin.
Falando no Cream, Eric Clapton que, na época da gravação de Lady Soul, estava saindo da banda e topava algumas experiências como músico de estúdio, topou participar do disco. Em sua autobiografia, ele fala da oportunidade de tocar em Good to Me as I Am to You:
— Certa noite, recebi uma ligação de Ahmet Ertegun pedindo-me para passar na Atlantic Studios no dia seguinte, pois havia alguém que ele queria que eu conhecesse. Fui lá e Aretha Franklin estava na sala de controle (...) e pelo menos cinco guitarristas estavam na área, entre eles, Joe South, Jimmy Johnson e Bobby Womack com Spooner Oldham, David Hood e Roger Hawkins na sessão rítmica. Todos aqueles músicos incríveis tinham vindo de Muscle Shoals e Memphis para tocar no álbum que Aretha estava fazendo, que era Lady Soul.
Ahmet disse: "quero que você entre lá e toque essa canção". E tirou todos aqueles guitarristas da sala e me deixou lá sozinho. Fiquei muito nervoso, porque não sabia ler música, e todos tocavam com partituras nos suportes. Aretha entrou e cantou "Be as Good to Me as I Am Good to You", e toquei a guitarra solo. Tenho que dizer que tocar naquele álbum para Ahmet e Aretha, com todos aqueles artistas talentosos, foi um dos pontos altos de minha vida.
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terça-feira, 7 de janeiro de 2014
Frampton Comes Alive!
A capa
Discos ao vivo em geral não têm a a acurada sofisticação dos trabalhos de estúdio: às vezes a captação de som não é a das melhores, às vezes muita coisa tem que ser remixada posteriormente para lançamento em elepê, como um contrabaixo. Às vezes o público abafa o som da banda.
Ou seja, a despeito de serem, a rigor, gravados ao vivo, eles sempre serão simulacros da apresentação. A despeito disso, sem dúvida, muitos deles galvanizaram a história do próprio rock. Exemplos não faltam: Live at Fillmore East, do Allman Brothers Band, Live At Leeds, do Who; Loco Live, dos Ramones; Get Yer Ya Ya's Out, dos Rolling Stones, ou até (e inclusive) o Made In Japan, do Deep Purple.
Mas existe um que talvez não chegue à excelência dos citados acima, mas ele conseguiu uma visibilidade inenarrável, Frampton Comes Alive!, do inglês Peter Frampron Multinstrumentista, compositor, músico de estúdio, ele começou no Humble Pie enquanto trabalhava amiúde em projetos paralelos com outros composiitores, como George Harrison e Harry Nilsson.
A duras penas, ele saiu da sombra da banda de Steve Mariott para consolidar uma carreira solo, vivendo em palcos, de forma a divulgar sua música. Contudo, se ele tinha uma excelente audiência, seus discos não vendiam bem.
Até que Frampton resolveu lançar em disco alguns highlights de sua turnê americana de 1975. O misto de sua performance no palco, somado ao fato de que o álbum, duplo, foi vendido abaixo do preço de um disco duplo nos Estados Unidos (oito Dólares, em vez de 14, que era a média, na época), fez o disco vender como água. Foi o êxito comercial de Frampton e um dos discos ao vivo mais vendidos em toda história americana, ficando dez semanas no primeiro lugar da Billboard.
E, a despeito de todos os problemas técnicos, o disco pega Frampton onde ele sempre foi excelente, ou seja, diante de uma platéia. Mais: duas canções, Show Me The Way e Baby I Love Your Way (do então seu mais recente disco)se tornariam clássicos totalmente reconhecíveis até por quem não gosta de rock, embora muitos contestem o caráter roqueiro do estilo de Peter, e tocam até hoje nos vitrolões de FM de todo o globo terrestre.
Porém, a mais bela do disco é a viajandona Lines on My Face (do Frampton's Camel), com um sublime trabalho de guitarra de Frampton, típico exemplo de slow hard rock que fazia muito sucesso nos anos 70.
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segunda-feira, 6 de janeiro de 2014
La Bamba
A capa
Chapinhando nas águas da memória, me lembrei do lançamento de La Bamba em Porto Alegre.
O filme estreou no Cacique, em plena Rua da Praia (pensar que o pessoal da nova geração hoje não sabe o que é um cinema de calçada. Ou estamos ficando velhos ou o mundo está ficando intranscendente?).
Na época, o cinema havia instalado um sistema de áudio e vídeo na entrada para apregoar os filmes. Ás vezes, eu matava aula nas Dores e ia assistir aos trailes do Cacique. Depois eu subia a Rua da Praia e ia tomar sorvete na Americana velha (alguém se lembra?)
O filme, vocês sabem, é a cinebiografia do Ritchie Valens, guri muito talentoso e que morreu muito jovem, num acidente de avião. O filme explora ao paroxismo o melodramana breve e atribulada vida daquele que seria o precursor do latin rock, ainda nos estertores dos anos 50.
Ele acabou se tornando pioneiro quase por acidente. Embora de ascendência latina, Valens não sabia falar espanhol.
Mesmo assim, achava que "La Bamba", uma (a predestinação da morte de Ritchie, a ascenção social da sua famelíssima família com o sucesso dele e a competição com o irmão mais velho até a reconciliação tardia, que é o eixo dramático do filme) folclórica tradiiconal na região do Golfo, tinha algum apelo comercial.
Até então, ninguém havia colocado esse ovo de Colombo na história, que era fazer um crossover entre gêneros e justamente num gênero que ainda buscava se formar como o tal, que era o rock.
O curioso é que os trailers chamavam a atenção das pessoas. Em alguns momentos, a frente do Cine Cacique ficava lotado de gente. Antes de ver o filme, eu devo ter assistido ao trailer umas novecentas vezes.
Aparecia o Howard Huntsberry no papel do Jackie Wilson cantando Lonely Teardrops na cena do show do Alan Freed (primeiro DJ da era do rock e "inventor" da payola, ou jabá, como dizemos aqui no Brasil) em Nova Iorque, no final do filme.
O autor imitou-o direitinho, com todos aqueles trejeitos do falecido Jackie Wilson, que se esperneava e dava saltos olímpicos em pleno palco
"Donna" tocava nas rádios, e eu a achava linda.
Vi o filme e comprei o disco logo depois. A trilha sonora não é original: foi gravada, em sua maior parte, pelos Los Lobos, incluindo os sucessos do Ritchie Valens: La Bamba, Come On, Let's Go, a citada Donna e We Belong Together.
No lado B, além do Howard Huntsberry, Marshall Crenshaw, que interpreta o Buddy Holly no filme, canta Crying Waiting, Hoping, Brian Setzer interpreta o seu ídolo, Eddie Cochran e o próprio mito Bo Diddley intepreta a sua Who Do You Love, possivelmente a gravação mais incrível do disco.
Destaque para um cover dos Los Lobos, e que fecha o disco: Goodnight My Love, sucesso do trio de doo-wop Fleetwoods, com jeito bêbado de banda de boteco em fim-de-noite.
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quinta-feira, 2 de janeiro de 2014
A Certain Mr. Jobim
A capa
O maestro Antônio Carlos Jobim gostava de afirmar que a sua vida era extremamente monótona. “Não tenho sequer um robe roxo, que melhora a biografia de tantos compositores”, brincava. A alusão, claro, é referente à Richard Wagner que, além do robe, tinha uma vida particular que encheu centenas de livros. Jobim, ao contrário, apesar da brincadeira, queria apenas ressaltar que, ao contrário do compositor do Tristão, a sua música poderia ser mais motivo de discussão do que as coisas que, segundo ele, amiúde saíam na grande imprensa. “O pessoal inventa tanta coisa que no fim você não tem tempo de ser todas elas”, disse. Na verdade, ele sabia que se esse tipo de polêmica lhe investisse de visibilidade a ponto de se converter em vendas em discos, todas elas até seriam bem vindas. Tom Jobim sabia de seu talento, mas não entendia porque, como no caso de Wagner, se discutia mais a respeito dele mesmo do que de sua música.
Como se não bastasse isso, ele ainda era acusado de mistificador. O modismo da Bossa Nova o transformou no profeta do brazillian jazz. O objetivo, é lógico, era desmerecer a obra de um dos maiores compositores brasileiros do Século XX. Fato é que, passada uma década de sua morte, a obra jobiniana ainda é uma reles desconhecida em terras brasileiras. É como se o rótulo fácil e o mero clichê em que a Bossa Nova foi transformada com o tempo impedissem de se avaliar a real importância do artista Antônio Carlos Jobim. O Brasil não inventou nenhum Bach, nenhum Beethoven, nenhum Berlioz, certamente porque o Brasil é a terra da música popular.
Jobim não profetizava nenhuma revolução musical quando começou sua carreira artística, no começo dos anos 50. Pelo contrário: militava pela música em troca de vil metal — tanto que, quando conheceu Vinícius de Moraes a fim de trabalhar em Orfeu da Conceição, ele cometeu a famosa gafe (“vai um dinheirinho nisso?”) ao ser apresentado ao poeta de “O Operário em Construção” por Lúcio Rangel. O curioso é que Tom poderia ser considerado menos revolucionário que João Donato e Johnny Alf, e menos entusiasta do jazz que eles. O samba era a base, e o fundamento era a música de Guerra Peixe e Villa Lobos, Debussy e Ravel. Certo é que esse momento da formação clássica do compositor, assim como os seus anos de peregrinação nos bastidores de gravadoras cariocas ante da celebridade são desconhecidos do grande público, que tem apenas uma visão anacrônica de sua obra.
A relação de Tom com mestres como Villa Lobos renderam episódios tanto simbólicos quanto folclóricos. Mais do que Stan Kenton ou Chet Baker, o autor de “Garota de Ipanema” jamais deixou de citá-los em suas entrevistas. Aliás, talvez ainda falta algum estudo mais aprofundado da influência desse amálgama do clássico brasileiro tipicamente mestiço (como em Villa Lobos) na música de Jobim. Urubu não deixa de ser tributo ao criador das “Bachianas”. Já Radamés Gnatalli, outro mestre, sempre era evocado nas entrevistas de Jobim. Grande era a admiração dele por Gnatalli — tanto que, em seu último álbum, Tom criou um lindo choro intitulado “Meu Amigo Radamés”. Ao citar o amigo, ele sempre o apresentava como um compositor clássico inédito. Assim como o maestro gaúcho, Guerra Peixe ou Villa, todos eram gênios incompreendidos em sua terra.
O folclórico reside nas lembranças de Tom com seus mestres. Um belo momento que mostra a profunda amizade entre o autor da “Rapsódia dia Brasileira” e Jobim é aquele curta em que Radamés toca “Carioca”, de Ernesto Nazareth ao piano, tendo o seu pupilo como espectador admirado. Sobre Villa Lobos, Jobim revelou que, perto de morrer, o autor do “Trenzinho do Caipira” lhe confidenciou que a solução para o Brasil era o Comunismo. Mas faz uma ressalva: “o problema é que, no momento, eu não posso perder um mercado como o dos Estados Unidos”. Riso geral. O problema mesmo é que ele ambos sabiam que o mercado de Villa Lobos era a ária da Bachiana n0 5. Com isso, ele iria morrer de fome aqui. A despeito da raiz popular, a música dele era anti-popular — ou, pelo menos, anti-comercial. Não é um milagre brasileiro: Gershwin também naufragaria como clássico se não se transformasse um autor teatral e de cinema. As próprias canções de Porgy And Bess não se perpetuariam senão como standards de cantores de jazz. Como em Jobim, o Gershwin moreno...
No caso de Tom, a sua única obra que poderia ser considerada “clássica”, a Sinfonia do Rio de Janeiro — feita em parceria com Billy Blanco, que fez o texto — não passa de uma suíte musical que lembra mais o Villa Lobos da trilha sonora de O Descobrimento do Brasil, de Humberto Mauro, do que uma sinfonia convencional. É uma obra à parte, se comparada com todo o espólio musical de Jobim, porém hoje estaria perto da classificação de lounge. Mesmo não sendo uma criação “difícil”, a Sinfonia do Rio de Janeiro resultaria num grande fracasso em disco (como foi), se o ex-Bando da Lua, Aloysio de Oliveira, diretor artístico da Odeon na época (1956) não tivesse descoberto ali toda a genialidade do futuro papa da Bossa Nova. A influência do clássico (Debussy) e do tipicamente brasileiro embora estilizado (Villa Lobos) e da leveza da canção popular norte-americana (Gershwin, Porter) transformou Jobim num complexo arquiteto de pequenos espaços.
Suas melhores composições revelam traços de todas essas tendências, e de muito mais. A moldura de suas canções mais conhecidas contrastam com o cafona que havia se transformado o modelo empregado brasileiro do tempo dos beleros, que copiava Nelson Riddle na música dos anos 50. Jobim, que era acusado de plagiador, se saiu melhor do que esses meros importadores de música ligeira. Como se poderia acusar a Bossa Nova de importação, sem se esquecer que o Brasil era e sempre foi uma sala mista de estilos importados, do scottsh ao tango? Depreciar toda essa influência na obra de Jobim — acusada de americanizada — seria o mesmo que tornar o Barroco brasileiro em menor no Reino dos Céus. Toda a sua habilidade e universalidade não era fruto de uma mente genial, como no caso de Mozart, mas sim de um amplo estudo, como no caso de Bach, de alguém que é capaz de se projetar em toda a tradição da música e de tudo o que corre à sua volta. É justamente esse fator que diferencia Jobim de todos os outros compositores.
Na verdade, nem tanto assim. Ao contrário de seu mestre Radamés, que ensaiou uma carreira como virtuose do piano e era um compositor essencialmente erudito, mesmo tendo feito carreira mesmo nos bastidores da produção de discos (são dele os arranjos de originais de “Aquarela do Brasil”, com Chico Alves e “Copacabana”, com Dick Farney), Tom aproveitou a verve intimista da Bossa Nova para se tornar intérprete. E mesmo oriundo da raiz erudita, de sua experiência com música popular dos tempos de arranjador (seguindo os passos de Gnatalli) era tão arrojado em suas melodias quanto econômico e conciso em suas letras, como “Outra Vez” ou “Esse seu Olhar” ao mesmo tempo em que é o criador de músicas de dezenas de acordes (“Luíza” tem 31 deles) de fácil comunicabilidade com o ouvinte e, mesmo cheias de dissonâncias, são tão assobiáveis quanto uma ária de Verdi.
Nesse sentido, Tom Jobim foi o bardo de um pequeno mais valioso cancioneiro de cantigas que dialogam com a tradição da música brasileira. Sempre se apontou a Bossa como a antítese do “aboleiramento” que a precedeu — fato esse que, numa leitura particular, pode ser entendida apenas como uma leitura anacrônica, e que não corresponde a uma contextualização da carreira de Jobim. De mesma forma, o compositor acabou sendo tragado pelo rótulo de bossanovista, como se fosse esta a matriz de sua criação, a despeito de obras fora desse modelo, como a citada Sinfonia do Rio de Janeiro. O próprio Jobim nunca se entendeu como ruptura, e formou o seu estilo muito antes da febre jazzística que assolou o movimento encabeçado por ele e João Gilberto, no fim da década de 50. Daí sim, como filha moderna do samba tradicional, a BN teria o seu idílio com o jazz, sobretudo o chamado West Coast, praticado pela Segunda dentição de músicos e compositores — Roberto Menescal, João Donato, Ugo Marotta, Luiz Eça, Sérgio Mendes (antes do Brasil 66), Eumir Deodato, Baden e os irmãos Castro Neves, quando chegariam aos píncaros azulados do mercado norte-americano que Villa Lobos não dispensaria jamais...
E quem avalizou essa nova postura perante a tradição musical do Brasil foi, justamente, o violonista baiano — que, como intérprete, não seria tão radical, porquanto foi, certamente, o primeiro cantor a passar a limpo a sonoridade do passado com sua sensibilidade, ao gravar Bide-Marçal, Ari Barroso, Marino Pinto, Geraldo Pereira e Dorival Caymmi nos seus primeiros discos, como a voz-guia do sonho real de Antônio Carlos Jobim, naquele momento histórico que representou tanto para a carreira de ambos e de todo o Brasil. João Gilberto se recordou daquele momento, numa de suas raras entrevistas: “lembro de Tom na gravação de Chega de Saudade. Ele estava ali, na cabine, e eu no estúdio. Tom estava me olhando, tinha os olhos emocionados, entusiasmados...”. Nada mais brasileiro.
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