quarta-feira, 9 de abril de 2014

In Utero


A capa




Eu me recordo quando o In Utero saiu, em fins de 1993. Naquele tempo, não existia Internet e os compact-discs eram muito caros (nós ainda encontrávamos certa viabilidade em comprar vinil, diferente de hoje, onde isso se dá mais por mero diletantismo). NA verdade, eu só fui escutar o álbum meses depois, numa versão em fita cassete pirata (com capinha e tudo), e a gravação era ripada de vinil, mesmo.

Eu era então meio fanático pelo Nirvana. Estava no Ensino Médio, e ouvia o Nevermind quando acordava, antes de sair para a escola (estudava de tarde) e quando chegava em casa, à noite. Acho que as primeiras audições do In Utero foram pouco anteriores àquele incidente onde Kurt Cobain foi internado às pressas após uma overdose de drogas, na Itália. Aquilo naturalmente assustou todo mundo. Ou, nem tanto, já que a gente conhecia (ou, pelo menos, achava que conhecia) Cobain a ponto de achar algo digno da sua biografia de bizarrices. E nós meio que nos inspirávamos naquela personalidade maluca de um cara que parecia estar com o "foda-se" ligado o tempo todo.

Minha primeira impressão ao ouvir o último disco da banda deve ter sida a opinião corrente. Ouvindo em sequência, a primeira faixa, "Serve the Servants" tinha lá algum apelo comercial e lembrava um pouco o punk pop típico do Nevermind. Porém, de "Scentless Apprentice" em diante, o disco parecia uma descida aos infernos; parecia que cada faixa exalava algo de mórbido, hospitalar, sombrio, desde o desespero terapia do grito de "Rape Me" até o fim do mundo a la Leonard Cohen (!) de "Pennyroyal Tea". Mesmo as faixas de apelo comercial (ou como disse Krist Novoselic), as faixas que eram como portas para a ligação do ouvinte com o disco) eram sombrias.

A impressão final era desoladora: o In Utero jamais iria se equiparar ao seu antecessor. Eu não entendi o disco, parecia uma negação de tudo, porque era um álbum anti-comercial. Mesmo que eles tivessem a pressão de fazer um disco à altura de Nevermind e, com efeito, Kurt tivesse capacidade de fazer um disco naquele mesmo nível, parecia evidente que não era o que ele tinha em mente. Logo, o novo trabalho parecia uma provocação, um acerto de contas, uma rejeição a tudo e a todos.

De fato, isso rendeu problemas ao Nirvana. Depois da primeira audição, alguns executivos da Geffen execravam o resultado final, e achavam que era necessário começar tudo do zero. Cobain defendeu o material até o fim, muito embora tenha cedido (até por disensão com as idéias do produtor, Steve Albini) com relação à mixagem final de algumas faixas, como "Heart-Shaped Box". Albini fora escolhido pela banda por seu trabalho com os Pixies, que Kurt adorava; contudo, no fim das contas, ele acabou virando apenas um mero engenheiro de som. Talvez o diferencial em sua produção tenha residido justamente no fato de que Cobain queria um som propositalmente mais cru.

Steve teve duas ideias um tanto peculiares: primeiro, redimensionou a microfonação da bateria de Dave Grohl: em alguns casos, ela era disposta em uma espécie de cozinha dos estúdios Pachyderm, em Cannon Falls, Minnesota, uma casa no meio do mato, que Krist chamou de "gulag", já que era um estúdio improvisado no fundo de uma tapera, literalmente onde o diabo havia perdido as botas.

A outra eureca original de Albini foi não fazer qualquer tipo de double traking dos vocais de Kurt; tudo seria captado com uma voz apenas. Isso é notável em todo o In Utero e é a sua marca registrada. Algumas faixas, como a citada "Pennyroyal Tea" mais parecem vozes-guia. Em outro momentos, como em "Scentless Apprentice", os vocais de Cobain chegam a desaparecer debaixo da marca de guitarras, nos refrões.

O curioso é que justamente as faixas com acento folk, como "All Apologies", a supracitada "Pennyroyal Tea" e "Heart-Shaped Box" apareceram nas paradas e, apesar do caráter anti-comercial do álbum, In Utero chegou ao primeiro lugar na Billboard, navegando sobre todo o udigrudi de então. No entanto, o inacreditável aconteceu: pouco tempo depois do incidente durante a turnê italiana, Cobain cometia suicídio - há exatos vinte anos atrás.

Desnecessário dizer que, com o desaparecimento do líder do Nirvana, o disco ganhou outra dimensão. Alguém já disse (infelizmente não me lembro a fonte, para poder citá-la aqui comme il faut), mas a morte redimensiona totalmente a obra de um artista. Á medida em que surgiam pormenores da vida de Cobain pela imprensa afora (muitos acusando a mídia de tê-lo "suicidado"), as palavras aladas e a sorte do músico foram imbricadas à leituras, releituras e subleituras das letras das canções do disco. Todos queriam achar evidências dos atos futuros do compositor nas entrelinhas, e In Utero era um prato cheio de alguém submerso em desespero. A própria torpeza das faixas e a crueza do disco, que mais perecia um testamento abortado à fórceps, tudo subiu aos céus ante ao turbilhão da espiral trágica de Kurt Cobain.

Estou re-ouvindo In Utero vinte anos depois. Acho que ainda é difícil de entendê-lo - se era a metade de uma trajetória musical ou o fim inexorável e iminente dessa mesma trajetória. O que é um álbum diante da posteridade?



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Um comentário:

Anônimo disse...

http://www.4shared.com/rar/kFWft7FQ/In_Utero.html