terça-feira, 31 de agosto de 2010
Northern Sky
Clássico do compositor britânico/birmanês
Em 1968, Nick Drake travou conhecimento com um produtor musical freelancer, Joe Boyd. Figura influente no mundo folk inglês e descobridor do Fairport Convention, ele resolveu dar uma chance ao rapaz. Além do mais, ficaram amigos e Boyd se tornou uma espécie de mecenas para o jovem compositor.
O resultado foi um disco, Five Leaves Left, lançado no ano seguinte. O parto, porém, foi difícil; Boyd era do estilo de George Martin (produtor dos Beatles), partindo do princípio de que o estúdio era um instrumento para o músico. Indolente e espontâneo por natureza, Drake queria que Joe apenas apertasse o botão “record”. Somados a problemas de pór-produção e mixagem. A despeito dos elogios de parte da crítica, o Five Leaves Left era tão leve que não conseguiu voar até o topo das paradas.
Mais: não vendeu quase nada. No fim, Drake detestou tudo, até a capa. Para piorar, Nick estava longe e ser um bom divulgador da sua própria arte. Não conseguia se integrar com a platéia, quando ele se apresentava para abrir os show do Fairport. Não falava com o público, e parava o tempo todo para reafinar o violão a cada música.
Eles também não entendiam por que sua música era tão ‘difícil’, leve e quase sem refrão algum. Mesmo assim, Boyd confiou no talento o desapontado garoto e lhe deu a chance de mais um álbum. Sugeriu, porém, que ambos procurassem uma fórmula de sucesso: disse que era possível enriquecer o trabalho fazendo uso de músicos de estúdio nas gravações.
Sem escolha, e confiando em seu mentor, Drake topou. E assim nasceu Bryter Layter. Mais pretensioso que Five Leaves Left, o novo álbum soa menos elementar do que o voz e violão que caracterizou Nick no princípio, em favor de arranjos muito bem elaborados, contando com um piano, sax alto, órgão, flauta, coro e orquestra de câmara.
O dilema, contudo, foi abrir mão de uma linguagem folk para outra, que beirava o smooth jazz (Poor Boy pode ser classificada como ‘quasi una bossa nova’). Bryter é um disco acessível (com relação ao estilo intimista de seu autor) mas, ao contrário do que pensavam tanto Boyd quanto o seu outro produtor, John Cale (sim, ele mesmo), ele estava muito longe de ser um trabalho comercial.
Eis o dilema: como domesticar um músico genial, sofisticado, sensível e tão anti-comercial como Nick Drake? Por mais que tentassem, a beleza de sua poesia e a inefável ternura da melancolia de suas letras ia para outras direções, e era essa tristeza alegre e essa alegria triste que norteava o céu de Bryter Layter – um disco que não encontrava cognato no universo da música do seu tempo.
E a própria estrutura do disco, com prelúdio, interlúdio (o tema que dá nome ao álbum) e um finale instrumentais, que sugere algo como uma suíte musical. E distante do folk de protesto tão em voga naqueles anos densamente políticos, Drake falava de amores, de saudades, de encontros e desencontros, enfim, falava de si mesmo, era uma voz solitária, pregando num deserto de poesia.
Canções como Fly, por exemplo, são de uma candura indescritível: (por favor/dê-me seu segundo nome/dê-me uma segunda chance/me enterneci pela pessoa que és/necessito de sua estrela por um dia apenas). Além de Hazey Jane II (onde Drake se sente mais à vontade do que um peixe dourado num tapete persa), a canção que Boyd acreditava possuir maior chance de se tornar sucesso, Northern Sky, não chegou a sê-lo. Nem precisaria. De quê importam paradas de sucesso?
Ela é simplesmente a música mais emocionante de todos os tempos. Apenas quatro acordes e todo o sentimento do mundo numa súplica de amor (nunca guardei a emoção na palma de minhas mãos/mas agora você está aqui/a iluminar o meu céu do norte/por muito tempo eu tenho esperado/por tanto tempo que eu resisto/por tanto tempo tenho vagado/por tanto tempo tenho me sentido distante daqueles que conheço/ah, se tu pudesses/poderia pôr minha mente no lugar).
A triste celesta que percorre o arranjo e que chora no fim da música é perturbadora. Porém, levaria muito tempo para que os ouvidos moucos do público se dessem conta de Bryter Layter. Pena que Drake não viveria o suficiente para que tamanha injustiça fosse desfeita — tanto com relação à este quanto ao resto de sua obra.
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sexta-feira, 20 de agosto de 2010
Strange Brew
Capa assinada por Martin Sharp
Passei minha juventude inteira ouvindo e reouvindo os discos do Experience. Depois de velho que eu comecei a me debruçar sobre a obra do Eric Clapton e, naturalmente, posso dizer hoje que prefiro muito mais o Cream do que a banda do Jimi Hendrix. Não que eu não ouça mais, mas meu conhecimento sobre o conjunto inglês era um tanto quanto superficial. Por exemplo, o máximo que eu me esbaldava era nas faixas do Crossroads (1988), a caixa que perpassa por duas décadas da obra do Slow Hand — Yardbirds, Bluesbrakers, Cream, Blind Faith, Derek And The Dominos e a carreira solo.
Como não poderia deixar de ser, o meu álbum preferido do Cream é o Disraeli Gears. Acho o Wheels Of Fire melhor, mas este éo que eu mais gosto. Clapton menciona na sua autobiografia toda a gênese da banda — quando ele percebeu que, junto com a sua fama underground de virtuose da guitarra elétrica, se juntasse o Jack Bruce, que ele conheceu quando gravou algumas faixas para a Elektra, com uma banda formada por eles e o Paul Jones (do Manfred Mann), a Powerhouse.
Bruce era o baixista ideal, inclusive, ele mesmo tocava para o Manfred Mann e o Paul Jones estava saindo do conjunto também. Clapton tinha a opção de Bruce e para fazer um trio que fosse, com efeito, a nata do blues-rock da terra da Rainha, bastava contar a seu amigo, Ginger Baker, que ele estava no projeto. Ambos estavam cansados de suas respectivas bandas, o John Mayall's Bluesbreakers e o Graham Bond Organisation.
Clapton, por sua vez, não queria mais ser o guitarrista; agora sua meta era ser um frontman. Foi ele quem conseguiu segurar a barra entre Baker e Bruce, que só se davam bem na hora de fazer música. Porém, o fundamental era, justamente, fazer música. E o outro objetivo dele era fazer o percurso inverso de um guitarrista negro e norte-americano que ele conheceu em Londres, e que queria fazer sucesso na Inglaterra, Hendrix.
O trabalho de ambos era, via de regra, similar: ou seja, reinventar o blues de Chicago com a psicodelia que grassava naqueles tempos. Jimi assombrava as audiências britânicas tocando de qualquer jeito, até com a boca. E também era compositor. Clapton queria ser o líder, mas da mesma forma, teria que compor — com Bruce, que já escrevera I Feel Free e outras, com o poeta Pete Brown.
Ao contrário do primeiro disco do Cream, Fresh Cream, composto basicamente de covers que iam de Robert Johnson até Muddy Waters, o próximo trabalho do trio deveria ser formado de canções originais e seu destino era o mercado americano, onde Eric era tão desconhecido do grande público quanto o próprio Hendrix até então.
Para tanto, em vez de longas blues jams, como era típico do Cream até ali, o novo elepê seria mais comercial, pop (é sabido que Clapton era excessivamente reservado a qualquer concessão de sua música nessa área) e com músicas grudentas e curtas, no entanto, sem perder a originalidade de Baker, Clapton e Bruce. O tal álbum prometido seria Disraeli Gears.
Disraeli Gears marca a diáspora de Eric para a América. ele deixava Londres, que estava arrebatada por Hendrix (que só receberia as boas vindas dos seus compatriotas um ano depois, em Monterrey, mas essa é outra história), o Paganini da guitarra, e resolveu se exilar em Hotel Chelsea, em Nova Iorque. Ali ele conheceu o artista plástico Martin Sharp, que seria um parceiro musical importante na música do Cream no disco. Sharp também assinaria a arte da capa do disco, e do posterior, o já citado Wheels Of Fire.
Gravado em pouco mais de duas semanas, em maio de 1967, depois de uma pequena turnê promocional do Cream. A fórmula era simples e dinâmica, mas ousada para um público novo que estava se formando para escutar algo como hard-rock, distorções, wah-wahs e uma levada jazzística na percussão, por conta de Baker. Não mais como um side man — como no tempo dos Bluesbrakers, e com aquilo que ele viu Hendrix fazer na guitarra, Eric teria trabalho de sobra.
Ele não seria o cantor principal do Cream, em favor de Bruce, mas faz os vocais em Strange Brew e Sunshine Of Your Love. A gravação contou ainda com a participação daquele que, com o tempo, nos pouco mais de dois anos de duração do Cream, se tornaria uma espécia de quarto membro do trio, Felix Papalardi. Primeiro como músico no Wheels Of Fire e como produtor em Disraeli Gears. Papalardi e sua esposa (que,anos depois, mataria Felix por acidente, mas isso é outra história) co-assinam Strange Brew (originalmente Lawdy Mama, e Papalardi recriou a letra sem subtrair-lhe o groove) e a genial World of Pain. Com exceção de Outside Woman Blues (Blind Joe Reynolds), todas as faixas são inéditas.
Falando em Strange Brew, interessante ver que a relação entre o Cream e Booker T rendeu uma feliz ligação entre Eric e Albert King: o disco Born Under A Bad Sign influenciaria o trabalho do power trio britânico. O solo de Crosscut Saw é totalmente recriado na faixa que abre o Disraeli Gears. No entanto, é notável a influência de Felix em transformar um blues temático — e de fato, rigorosamente clichê, em algo bem ao espírito de época. A própria temática da nova letra, onde a figura feminina se assemelha alguma Medusa faz paralelo com o poema de Sharp em Tales of Brave Ulysses. Melhor, impossível. A versão original de Lawdy Mama, com os vocais de Bruce então dá lugar a Clapton que, em falsete, grava mais um clássico do Cream.
Disraeli Gears é quase sempre comparado ao Are You Experienced porquanto ambos, á sua maneira, chegaram ao mesmo resultado, reelaborando o blues de forma explosiva, algo como Howlin' Wolf com LSD. O crítico da Rolling Stone, Jon Landau, antes de meter o pau em Clapton, o chamando de "bluseiro udigrudi", traçou um paralelo entre o blues na ótica do Cream e do Experience. A diferença provavelmente reside no fato de que Hendrix era intuitivo o suficiente para inventar o impossível e seus épicos duelos com Mitch Mitchell eram muito mais agressivos e pirotécnicos. Baker e Clapton talvez soassem menos espontâneos em estúdio, porém parecem pensar bem cada compasso, elaborar bem acuradamente cada acorde.
Aliás, Clapton sentiu o baque quando o debut de Hendrix chegou às lojas. Jimi amava a música de Clapton, mas ao olhos de seu mestre, o que ele fazia com sua guitarra o fazia subir pelas paredes, como uma lagartixa profisisonal. Eric achava — e confessa isso em sua autobiografia - que Are You Experienced? de fato conseguiu quase jogar Disraeli Gears a um desagradável segundo plano.
Isso, naturalmente, a curto prazo. Disraeli é e sempre será um clássico do começo ao fim. daqueles que dá pegá-lo numa tarde e dissecá-lo, vontade de tirar todas as faixas de ouvido — mesmo sendo quase impossível. Sunshine Of Your Love, a mais conhecida do álbum — e que praticamente apresentou o Cream para América quase foi rejeitada pela Atlantic. Quem disse aos executivos da ATCO que eles deveriam lançá-la em single foi ninguém menos que o pai do southern soul, Booker T. Ele ouviu o riff de Bruce — inspirado, segundo Jack, em Hendrix, e disseque poria as mãos no fogo por aquela canção. em 1968, ela chegaria ao quinto lugar na Billboard. E Hendrix morreu se lamentando por não ter criado ela. Jimi tocava ela sempre, e chegou a gravar uma versão instrumental em estúdio, em 1969, e que foi recentemente lançada no CD Valleys Of Neptune.
No entanto, talvez pela diferença entre o estilo do Cream ao vivo — mais calcado no improviso, poucas faixas do Disraeli Gears seriam tocadas no palco. Uma pena, já que são todas excelentes — Dance the Night Away (Bruce), Blue Condition (Baker, que antes havia composto Toad), Tales of Brave Ulysses, um poema de Martin Sharp onde Eric colocou a melodia inspirada em Summer In The City, do Lovin' Spoonful, Take It Back, SWLABR e We're Going Wrong, todas contribuições de Jack Bruce.
A edição de luxo do Disraeli Gears, por sua vez, vem com o disco original em versões mono e estéreo, somadas a outtakes — como a original Lawdy Mama, Blue Condition e World Of Pain em outro tom — além de versões alternativas gravada na BBC de Londres.
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segunda-feira, 16 de agosto de 2010
Jamaica Farewell
Dois anos na Billboard
O Calipso nasceu como gênero musical quando os primeiros rapsodos (cantores folclóricos, à moda dos antigos trovadores) de Trinidad começaram a ca(o)ntar notícias de sua terra natal nos Estados Unidos quando, a partir dos anos 30, ele passou a ser gravado e ganhou proeminência com o suegimento de seus primeiros compositores/intérpretes, como Lord Invader e Lord Kitchener (aclamados como os bambas da guarda velha do gênero), já nos anos 40. As letras em, geral, eram uma crônica de costumes da época e crítica social — fator que fez com que muitos desses primeiros 'rapsodos' do estilo fossem perseguidos pela polícia (nada de anormal; o samba também tinha essa insidiosa reputação).
No entanto, mesmo que sendo gravado desde 1914 na América do Norte, o gênero não se tornaria mundialmente conhecido até meados dos anos 50. Em 1956, o cantor e ator Harry Belafonte, que então sustentava seus estudos trabalhando como crooner em clubes nova-iorquinos, assim como muitos jovens de sua geração, passou a se interessar por música folk. Pesquisando sobreo tema, ele acabou descobrindo o calipso.
Em 53, ele gravaria Matilda, um tema tradicional, originalmente gravado por um bamba do calipso, King Radio, ainda nos anos 30. Era o que faltava para que a America descobrisse o ritmo antilhano — o primeiro a ganhar o mundo antes do advento do reggae, já nos anos 70. O refrão era tão grudento que Belafonte virou celebridade de última hora. A RCA resolveu ir mais longe com aquilo que tinha cara de sucesso e quis fazer um disco com ele.
A despeito de ser egresso do jazz, Belafonte, a despeito de ser um artista tipicamente urbano, iria ser um dos precursores do revival do folk nos Estados Unidos — movimento deflagrado pela geração mais jovem — que crescia ouvindo a música dos Weavers (Pete Seeger havia recriado Sloop John B, de origem caribenha). Um ano depois de Matilda, Harry debutou em elepê — justamente na época em que o formato long-play estava recém ganhando popularidade — com uma coleção de calipsos, em sua maioria composto de canções oriundos da tradição popular: Mark Twain and other Folk Favorites.
A questão é que, a despeito de defender um gênero que, a rigor, parecesse exótico demais para as paradas norte-americanas, pela personalíssima e carismática interpretação de Belafonte, o calipso virou um incidente musical: seu terceiro disco, Calypso (1956), repetindo a mesma fórmula simples dos anteriores, se tornaria o primeiro no fornato a ultrapassar a marca de 1 milhão de exemplares vendidos.
Bateu inclusive os multiplatinados Bing Crosby e Tennessee Ernie Ford. Banana Boat Song — que se tornaria sua mais notória interpretação, e o tema que iria consolidar o estilo em todo o mundo, ficou dois anos no Top Ten da Billboard.
Belafonte foi natuiralmente guindado á categoria de Rei do Calipso. No entanto, sabendo da origem folclórica e do papel dos primeiros cantores/compositores do gênero, ele nunca aceitou qualquer rótulo do tipo. Contudo, a relação entre ambos era algo indelével.
Com efeito, Harry entendia que qualquer versão fonográfica de caráter comercial, de certa forma, corrompia o calipso como ele era, embora soubesse da improtância do seu papel em divulgar a cultura antilhana num mercado como aquele — ainda mais pelo fato de testemunhar um retorno surpreendente para um estilo "difícil" para o gosto musical ianque. Ao mesmo tempo, o calipso de Belafonte era diluído, naturalmente moldado para aquele mercado (também hibridizado com variações, como o mento e o mambo, em Man Smart, por exemplo).
Porém, tão somente só pelo fato de franquear à Lord Randall e outros expoentes a primazia de compositores de estirpe num gênero então subestimado e, principalmente, mostrar o caminho para esse tipo de integração cultural já era algo exemplar: era a ponte para que todos travassem conhecimento com a música latina. Depois, gravadoras americanas iriam descobrir um interessante filão: viriam Sabu, Tito Puente, Machito, entre outros.
Discrepâncias á parte, mesmo passados cinco décadas de seu lançamento, Calypso é uma pérola esquecida no tempo. Esqueça Banana Boat Song (Daaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaay-O) e escute as outras faixas, como Hosanna e I Do Adore Her. Sem citar a nostálgica Jamaica Farewell, a minha favorita do disco. Robert Dimery "esqueceu-se" de citar o disco em seu 1001 Albuns You Must Hear Before You Die o que, por si só, já coloca a obra em total suspeição. Ou não?
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sábado, 14 de agosto de 2010
O Evangelho do Proto Punk
Eis a capa
As coisas estavam mudando para os Stooges em 1970. Depois do fracasso do lançamento do álbum de estréia, a barra estava meio pesada em Detroit e eles resolveram se mudar para a Costa Oeste.
Em Los Angeles, começaram a trabalhar no que seria o seu segundo disco, Fun House. Ainda na viagem para a Califórnia, Iggy Pop recrutou o saxofonista Steve McKay que, à sua maneira, ia influenciar de forma considerável o som da banda no novo trabalho.
Fun House se diferenciou bastante do primeiro LP por traduzir de forma inefável o tipo de som que os Stooges faziam no palco, enquanto, ao mesmo tempo, em seu bojo, ele trazia elementos ‘de vanguarda’ que, no fim, faziam a sua música soar menos crua, embora o produto final tenha sido concluído numa progressão fulminante (duas semanas) quando a maioria das bandas de rock, no alvorecer do progressivo, praticamente acampavam em estúdio, em busca da sonoridade perfeita.
O disco (cujo nome do local onde então eles ensaiavam) se tornaria um trabalho mais bem acabado (agora sem John Cale na produção, em favor de Don Galucci, ex-Kingsmen) dos Stogges e, embora tenha se transubstanciado em outro fracasso comercial (era, vamos dizer, avant le lettre em se tratando de um estilo que só se desenvolveria e iria florescer no fim da década), o tempo iria cuidar que Fun House se tornasse uma espécie de evangelho do punk.
A própria banda estava num processo de mudanças: Dave Alexander sairia pouco tempo depois — demitido por tocar (ligeiramente podre de) bêbado no palco durante o Goose Lake International Music Festival. No seu lugar, entrou James Williamson como o guitarrista principal; Billy Cheatham, roadie dos Stooges, seria o guitarra-base, e McKay passaria a tocar na turnê de divulgação do LP.
Para completar, a Elektra Records se desinteressou (o contrato originalmente era para três álbuns) pelo desastrado toque de Midas do conjunto de Iggy Pop (que, naquela altura, influenciado pelo seu empresário, Jon Adams, começou a se afundar nas drogas) em matéria de venda de discos e os dispensou — embora Down In The Street tenha se saído relativamente bem nas paradas de sucesso.
Uma grande injustiça, já que o cenário musical era diverso do tipo de música que os Stooges idealizaram: mesmo relacionado a gêneros como o punk, Fun House é, antes de tudo, um disco de rock, elementar e sofisticado ao mesmo tempo. Loose é um clássico e mostra que a banda evoluiu musicalmente (e iria evoluir ainda mais se), Dirt é um blues genial, visceral e espontâneo. L. A. Blues, com suas microfonias, quase mandou o engenheiro de som, Brian Ross-Myring, para o plantão de apoio psiquiátrico.
Fun House iria conformar a sua excelência nas décadas vindouras e se tornaria uma obsessão — tanto que o selo alternativo Rhino (conhecido por exumar grandes bandas de rock dos anos 60 esquecidos pelas gravadoras originais, como os Turtles) lançou uma caixa com sete CDs que trazem todos os vinte rolos que compreendem toda as sessões de gravação do disco.
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quarta-feira, 11 de agosto de 2010
Expecting To Fly
A capa
Em 1965, no auge da Invasão Britânica nos Estados Unidos, o jovem texano Stephen Stills era um guitarrista que já singrava a estrada da música desde o começo da década. Trabalhava como músico de estúdio (era artista da Screen Gems/RCA e quase se tornou um dos Monkees. Por sinal, Peter Tork virou membro dos Monkees por desistência de Stills e não é a toa que é justamente o seu amigo Tork quem os apresenta em Moterey, em 67) e entrava e saída de conjuntos folk efêmeros como quem troca de roupa.
Um deles, o The Company, até então havia sido o que o levou mais longe: dois meses de turnê pelo Canadá. Foi quando conhecu um cara meio maluco que fazia exatamente o que ele queria fazer: misturar rock e folk sem ter que, data venia, pedir licença para ninguém: Neil Young.
O Company ali mas, depois de muitos encontros e desencontros, quis o destino que ele e Neil se reencontrassem para formar — junto com Richie Furay, Dewey Martin e Bruce Palmer uma dos primeiros supergrupos do rock o (obviamente estamos falando do) Buffalo Springfield.
Claro que a visão de "supergrupo" é ligeiramente anacrônica (já que o conceito é moderno & nos grandes modelos do gênero apareceriam no fim da década de 60, com Free, Cream, Blind Faith, etc & tal), já que ela parte do corolário da carreira posterior de seus membros, especialmente Furay, (não esquecer de Jim Messina), e os dois mais proeminetes astros — Stills e Young.
A questão é que, asism como muitos outros, eles eram músicos experientes (Stephen, por exemplo, eram um manancial de influências jazzístico-latinas, fundindo blues e country à medida em que aprendia de cocheira o que podia com um ainda subestimado e obscuro Jimi Hendrix) e ainda desconhecidos do grande público que iria finalmente franquear-lhes o devido reconhecimento, e esse público ainda estava em gestação.
O fator importante dessa mudança foi o cenário em que tudo mudou, a cewna da Costa Oeste americana a partir de 1966, com gente como Big Brother & The Holding Company e Moby Grape Country Joe & The Fish, Grass Roots, Love & grande elenco. E o Buffalo Springfield fez sucesso nessa mesma base territorial, no eixo TV Hollywood Palace-Sunset Street.
Aliás, foi dos conflitos entre a jovem boemia bem vestida do Sunset com a polícia que nasceria For What It's Worth — que transformaria injustamente o Buffalo numa "One Hit Wonder". Claro que rotulá-los assim é quase dar um atestado de incúria para si mesmo — ou, pior, vemos dizer assim, one hit wonder supergroup, que fica mais hip.
Dos inferninhos de West Hollywood para o contrato com a Atlantic/ATCO (a mesma dos Coasters) e dos primeiros singles para o estrelato, foi tudo muito rápido. For What It's Worth (de Stills) e tudo o que ela representaria a partir dali era o que faltava.
Mas como ocorre em todo o supergrupo, o Buffalo Springfield, eles traziam desde o começo o gérme da destruição: depois de idas e vindas, de uma ciranda de músicos de estúdio se revezando em estúdio e no palco, das constantes brigas entre Palmer e Young, Young e Stills, Stills e Young, a banda e seus respectivos empresários, o destino deles estava selado.
Isso sem contar com o envolvimento de Palmer com drogas e a polícia (mais com a segunda do que com a primeira). Bruce também era canadense, e vivia sofrendo uma bizantina pressão dos tiras, que ameaçavam deportá-lo. Isso que ele nem era o único: na mesma época, outro guitarrista estrangeiro (também canadense), Zal Yanovsky, do Lovin' Spoonful, teve o mesmo problema. Ambos acabaram tendo que deixar o país. E, com efeito, os problemas de Bruce com a Justiça prejudicaram sua participação efetiva no álbum Again.
Pelo menos houve tempo de fazer o mais importante: música. E isso também coloca o Buffalo Springfield no panteão dos supergrupos: a despeito de breve (três discos de carreira num curtíssimo espaço de dois anos), tudo o que eles produziram e fizeram é relevante e de extrema qualidade — principalmente para quem acha que eles são apenas For What It's Worth.
Dos três, o melhor é, sem sombra de dúvida, o Again, de 1967. Ao contrário do elepê homônimo de estréia — como todo debut, é algo desigual, ainda em gestação e fruto de canções concebidas sob toda a sorte de pressões comerciais típicas da indústria do disco (que, naquele momento, queria qur todo quarteto que empunhasse uma guitarra elétrica tivese que sorrir, soar, se vestir e pensar e compor como os Beatles ou, na melhor (menos pior (hehehe)) das hipóteses, como os Monkees).
Again é o auge de Young, Palmer, Stills & Furray. Ainda não era um trabalho em separado e com cara de Quarta-Feira de Cinzas, como o Last Time Around (1968), nem um hit singles pack como Buffalo Springfield (1966). Ou seja, ainda trás, de certa forma, o quarteto unido (com aspas), livre para criar juntos simplesmente o tipo de som que iria se tornar uma espécie de cânone dentro do rock nas décadas seguintes, amalgamando soul (Good Time Boy), country (A Child's Claim To Fame), folk ballads (Hung Upside Down), canções proto-progressivas (Broken Arrow) misturando a guitarra ácida de Neil Young com a delirantemente & sutil base acústica de Stills (Bluebird), em arranjos & vocalizações wagnerianamente inefáveis — como na belíssima Expecting To Fly (bastante influenciadas pela Wall Of Sound de Phil Spector) — mostrando o lado lírico do autor de Heart Of Gold, que depois de ensaiar a saída dos "springfields", voltou para o quarteto, com o velho violão rachado debaixo do braço.
Porém, por pouco tempo. Expecting To Fly — que não tinha o apelo comercial para um single, murchou nas paradas. Somada à fraca recepção do disco, Young achou que estava perdendo tempo no Buffalo Springfield. Além do mais, a sua contribuição para o elepê foi à parte e á revelia do grupo: Expecting To Fly, por exemplo, é uma produção apenas entre ele e Jack Nietzche. A única faixa em que Neil divide com o resto do Springfield é Mr. Soul.
Entrementes, nesse meio tempo, Palmer estava na lista negra dos deportáveis e quem seguraria a bronca na banda até meados de 68 seria o intrépido Jim Messina (depois formaria o Poco com o Furray) — que, por sua vez, assumiu o posto de Bruce no baixo.
Um curioso destaque em Buffalo Springfield Again é a de David Crosby em Rock And Roll Woman, de Stills. Ele havia saído dos Byrds pouco tempo antes e, com Stephen, partiria para outro projeto musical — mas essa é uma outra história.
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quarta-feira, 4 de agosto de 2010
Hendrix & o Bando de Ciganos
A capa
O Band Of Gypsys foi um discos mais legais que eu já tive; vendê-lo foi uma das maiores besteiras que eu fiz na vida. Até porque era original americano (contudo, prensado nos anos 80). Mas tanto a capa quanto a imagem interna do elepê (capa dupla) era de uma inefável beleza. Eu o comprei — num sebo que nem existe mais — no momento em que eu vi porque eu sabia que era daqueles discos que eu não ia ver à venda nunca mais.
Esse álbum do Jimi Hendrix, o último que ele lançou em vida, nasceu de um imbróglio que mostra bem onde o guitarrista norte-americano havia se metido: num beco sem saída. Pouco antes de partir para o estrelato, na Inglatera, em 1966, ele havia assinado um contrato de gaveta com a Capitol Records. na época, ele era apenas um músico promissor, um estepe para crooners como Little Richard e Don Covay, por exemplo.
Depois de Monterey, quando a América deu as boas vindas à Jimi, ele passou a ser explorado de forma bisonhíssima. Michael Jeffrey, seu empresario, era apenas o primeiro da fila a querer ganhar alguma coisa com Hendrix. Na esteira da camorra que queria embarcar no seu sucesso, algum executivo da Capitol se lembrou/achou o tal contrato de gaveta de 66, e moveu um processo contra Jeffrey.
O contrato previa que o guitarrista, que tinha contrato com a Polydor/Reprise devesse gravar pelo menos três discos para o selo americano. O acordo, firmado em fins de 1969, ficou acertado em apenas um álbum: Hendrix teria que lançar um LP de material inédito para a Capitol.
Naquele momento histórico, ele havia terminado com a formação original do Experience (com Noel Redding e Mitch Mitchell) e tencionava criar uma banda menos calcada na imagem do Love e do Cream, em favor de uma sonoridade mais próxima à Sly Stone e ao funk/soul que ele apenas ensaiava em algumas faixas do Bold As Love e do Eletric Ladyland.
Para a nova banda, ele recrutou dois velhos amigos: Billy Cox, seu ex-colega de Exército, e Buddy Miles, baterista e cantor profissional, que já havia participado do Ladyland (em Rainy Day...Dream Away e de alguns singles para Jimi, no começo do ano, como Izabella). Junto com a base do repertório do "finado" Experience, Hendrix fez história fechando Woodstock.
Então nasceu a idéia de fazer um show ao vivo no Fillmore East, em Nova Iorque. As apresentações, marcadas para o Ano Novo de 1970, serviriam para matar dois coelhos com uma só cajadada: os Gypsys ensaiaraiam pelo menos sete canções para o disco novo e os concertos serviriam para consolidar a nova fase de Jimi.
Para o disco, o trio compôs Who Knows e Machine Gun, duas jams para destilar toda a criatividade de Hendrix na guitarra — as duas faixas que abrem o lado A da bolacha. Para o B, duas canções de Miles — We Gotta Live Togheter e Changes, e mais três originais de Jimi, Message of Love (gravada em Woodstock mas ainda inédita em disco) e Power Of Love.
Machine Gun, um épico hino de protesto, inspiraria Miles Davis em modificar a sua música na mesma medida em que o criador de Purple Haze jazzificava cada vez mais a dele. Ao mesmo tempo, era uma espécie de libelo contra a intervenção ianque no Extremo Oriente, e provavelmente nasceu da sua improvisação de Star Spangled Banner em Woodstock, onde a guitarra mimetizava ruídos de bombas explodindo. Miles e Hendrix interpolam Machine Gun com marcações que soam como metralhadoras, e o final é uma tocante marcha fúnebre que morre no ar.
Após o sucesso do Ano Novo, porém, a Band Of Gypsies naufragou. Num segundo concerto, no Madison Square Garden, em 28 de janeiro de 70, Handrix passou mal no palco e o show terminou na segunda canção. Segundo Miles, quem estava por trás do fiasco (a até DIZEM da própria morte do csantor) foi Jeffrey. Buddy explicou que o empresário do conjunto havia dopado o guitarista além da conta porque, segundo Buddy, ele era contrário ao projeto dos Gypsies e queria o Experience de volta.
O que, de fato, aconteceu: no mês seguinte, Mitchel estava de volta às baquetas. Há quem entenda que a saída de Miles fosse por sugestão de Jimi, que não queria dividir o palco com alguém do mesmo nível artístico. Fato é que, a despeito de qualquer conspiração, Mitch não apenas era muito melhor baterista que Miles mas o melhor parceiro de Hendrix toda a vida (fora o fato de que Miles dá umas escorregadas com as baquetas em trechos de Power Of Love que são arrepiantes).
Para o baixo, contudo, Billy permaneceria até o fim; essa seria a formação do Experience até a prematura morte do guitarrista, em setembro daquele ano, seis meses depois do lançamento do disco.
Nos anos 80, eu me lembro que a Capitol acabou lançando uma continuação do Band Of Gypsys (o volume 2, que saiu aqui no Brasil pela EMI, embora a edição de 1970 tenha saído pela Polydor, então a distribuidora brasileira do Hendrix), misturando trechos do Fillmore East no lado A e parte do concerto de Berkley (que saiu completo em 99 pela Universal, em CD) no lado B.
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Friends Of The Devil
O American Beauty, e...
Depois de participar das gravações do álbum Deja Vu, do Crosby, Stills, Nash & Young, onde fez uma participação com uma steel guitar, Jerry Garcia se impressionou com o resultado: o fino do fino, um som fluído, escorreito, um country-rock de boa qualidade.
E, ao contrário do que era corrente no trabalho do Dead — cujo objetivo maior era trabalhar algumas canções exaustivamente no palco, em detrimento de se debruçar com mais afinco dentro do estúdio, ele resolveu mudar.
Eis que ele acabou trazendo muito dessa experiência para a sua banda. Em resultado disso, nasceram dois discos que mudaram o estilo do Grateful: o Workingman’s Dead e, principalmente American Beauty.
Eu particularmente comecei a curtir o Dead por causa desses dois discos mas, a despeito do fato do segundo ser muito mais incensado, eu gosto mesmo é do primeiro. Porém, na verdade, eu entendo ambos como um disco só, até pelo fato de que foram lançados num curtíssimo espaço de tempo (cinco meses) e contarem com a colaboração do Robert Hunter (tradutor norte-americano do Ranier Maria Rike & membro do Kool Aid Acid Test, já viu, etc), um excelente poeta e o melhor não-semi-pesudo membro do grupo de Jerry. E clássicos underrated, como Uncle John's Band, Dire Wolf e Casey Jones.
...o Workingsman's Dead
Para gravá-los, eles resolveram deixar o Pacific High Recording, de San Francisco para gravar no mesmo estúdio onde foi produzido Deja Vu, o mitológico Wally Heider Studio, berço de boa parte da produção do rock da Costa Oeste, desde Creedence Clearwater Revival (eles produziram o clássico Green River ali) até Quicksilver Messenger Service.
Inspirado na sonoridade simples e direta do CSN&Y, eles optaram agora por amansar o sincretismo épico do psicodelismo com o bluegrass para uma forma calcada no country clássico (não confundir com o Nashville Sound, mas um modelo oriundo do outlaw country e que se disseminaria à esfera do kitsch, nos anos 70).
A mística do Wally Heider trouxe boas vibrações na hora dos ensaios, sem contar com o fato de que o local virou uma espécie de Meca de gente como o pessoal do Jefferson Airplane, Carlos Santana e, como não podia deixar de ser, David Crosby e Neil Young. Nesse espírito, a linguagem folk e soft-country rock percorreu todas as faixas, mais curtas e menos viajandonas do que o material dos primeiros discos do Dead.
Além disso, destaca-se o papel do (excelente e subestimado) baixista Phil Lesh, que abre o disco cantando (pela primeira vez) Box of Rain, e Robert Hunter, pela excelência das letras de American Beauty.
Uma delas, Friend Of The Devil, conta a história de um fora-da-lei que é ajudado pelo demônio em seu plano de fuga, e que se tornaria um clássico da banda. O destaque nesta faixa é David Grisman, mandolinista de honestas jug bands que entrou no projeto por acaso: Garcia o achou na multidão numa arquibancada de um ordinário jogo de beisebol.
Candyman traz alusões desde à clichês do folk com conotações sobre drogas e sexo, estabelecendo uma tênue ligação entre o rural/atemporal ao urbano/contemporâneo. Além de Brokedown Palace, Ripple é outra pérola absurda de Lesh, a melhor do álbum:(se minhas palavras se esbroam com o fulgor do acaso/e as minhas melodias são entoadas com uma harpa desafinada/você escutaria minha voz através da música/você as adotaria se elas se aproximassem?/são apenas pensamentos desconexos/melhor deixa-las quietas, talvez/não sei, não me importo/deixe a melodia apenas preencher o ar).
Truckin’, a última de American Beauty, é uma divertida profissão-de-fé dos deads, contando as arguras e os infortúnios da vida de músico na estrada e alguns dissabores, como uma desagradável prisão por porte de dorgas (que, como diria aquele famoso guitarrista, eles tinham problemas com a Polícia, e não com as dorgas propriamente ditas) em Nova Orleans: (“ás vezes os faróis batem em mim/às vezes eu mel posso ver/depois eu me percebo de quão estranha essa viagem me parece”).
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