quinta-feira, 13 de maio de 2010
O Rubicão de Ray Charles
Primeiro lugar em quatorze semanas
Ray Charles começou a fazer sucesso nos anos 50 na Atlantic Records tocando o fino do que o selo lançava em seu catálogo, jazz e Rhythm And Blues. Quando ele atravessou o limite do gênero e atiniu um público muito maior — depois do estrondoso êxito de what'd I Say e Night Time, por exemplo, Charles percebeu que tinha potencial e talento suficiente para empreender sua carreira sem amarras, ou seja, por conta própria, sem atravessadores como compositores de plantão ou produtores inescrupulosos.
Dessa forma, ele saiu da Atlantic e atravessou o Rubicão musical, depois de lançar vários discos excelentes, como o Live, Genius + Soul = Jazz ou o In Person, todos dignos de constar em qualquer discoteca de estirpe.
A partir dali, ele assinou contrato com a ABC Records e, como Frank Sinatra, pasosu a ter controle completo do seu trabalho — algo que poucos conseguiriam, naqueles tempos. Cercou-se dos melhores músicos e arranjadores, e decidiu fazer o crossover do público restrito do R&B para alçar vôos mais altos.
Foi quando Ray teve a idéia de criar álbuns temáticos, onde ele fazia uma criteriosa seleção de repertório — em boa parte alalgamando o romantismo pop com a crueza cerebral do jazz. A primeira mudança deu certo, já em The Genius Hits the Road: ali, Charles ia de Hoagy Caramichel a Bill Monroe, ou seja, seu ecletismo começava na Broadway e terminava no bluegrass sulista do compositor de Blue Moon Of Kentucky.
Claro que tudo com o toque do seu gênio em recriar às canções à sua maneira, sempre original e surpreendente. A fórmula iria se consolidar com o clássico Modern Sounds in Country and Western Music. Lançado em 1962, dessa vez, ele ia levar às derradeiras consequências o que ele fez com Georgia On My Mind, ou seja, tranaformar um insuspeito cover numa signature song.
A idéia surpreendeu os executivos da ABC: Charles queria fazer um disco apenas com versões de músicas country. Como um cantor de R&B vai querer gravar música caipira? Onde ele quer chegar com isso? Duas respostas poderiam elucidar seu ímpeto. Primeiro, Ray pretendia quebrar tanto a forte discriminação da música negra nas paradas mainstream (como notoriamente aconteceu no rock dos anos 50), quanto o preconceito com relação ao country, tirando-a do espaço rural para o urbano.
Ele mesmo dizia que apreciava muito o country, e que havia sido pianista de hillybilly quando jovem. Mesmo assim, tanto colegas de palco quanto o pessoal da ABC achavam que o disco iria ter uma péssima recepção. Por conta do poder que ele consiguiu adquirir com relação á direção musical do seu trabalho, só assim ele conseguiu se impor. Juntou uma big band e se enfurnou nos estúdios da Capitol (a mesma de Sinatra, Nat King Cole e Louis Prima), em Nova Iorque.
Charles, que não iria marretar prego sem estopa, naturalmente procurou as grandes editoras musicais de country para pegar temas que lhe também rendessem margem considerável de royalities. E assim, com o pessoal da sala dos fundos, ele formou a seleção que iria ser gravada para o álbum.
Na pré-produção, chamou eminentes aranjadores de jazz — Gerald Wilson e Gil Fuller, para emoldurar as canções. Ainda assim, ele reescreveu várias partes dos arranjos, para enfim dar a última palavra; afinal, o disco era dele.
Como em Georgia On My Mind, Ray queria imprimir o mesmo estilo ao disco, escolhendo baladas que versavam em torno de amores e corações partidos, por exemplo; era o appeal fácil para alavancar o álbum direto para o topo das listas dos DJ's da América. Contudo, o blend country das faixas era caracterizado mais à margem do código do blues. Ou seja: ele, como se diz hoje, foi um dos primeiros que apareceram na história da música fonográfica com a concepção de revisitar as canções.
Um exemplo é Hey Good Lookin', clásico de Hank Williams (que aparece no Modern Sounds também com You Win Again), que virou jazz puro, enquando a segunda demonstra um acento triste que suplantou a melancolia que a versão original sugere. Sua versão para Bye Bye Love, da dupla Bryant e lançada pelos Everly Brothers, virou um ouriço; You Don't Know Me, de obscura canção de Eddy Arnold, virou outro clássico a ser incorporado ao repertório de Ray.
Porém, o maior sucesso de Modern Sounds é I Can't Stop Lovin' You. Composta por Don Gibson (o mesmo de Oh, Lonesome Me!), virou uma baladona gospel que é o seu maior hit de todos os tempos, e se tornou uma verdadeira marca na história da música americana.
A original
Charles chegou a marca dos 600 mil cópias vendidas em apenas três meses, se configurando no artista negro que mais vendeu elepês até então e, de reboque, Modern Sounds se tornaria um dos primeiros discos de country a sair da lista do gênero da Billboard e atingir o cume do Hot 100, em meados de 1962.
De quebra, o esquema com as editoras de country também deu certo: o gênero cresceu de cotação e o bom gosto dos arranjos de Charles influenciaram os próprios produtores de Nashville: muitos passaram a usar o mesmo engenho e arte de Ray naquilo que ficou conhecido como o Nashville Sound — (assunto já comentado aqui no blog) um estilo mais comportado e suavizado que o hillbily.
E a influência chegaria também ao soul: por exemplo, a versão de Just Out Of Reach (sucesso do então country singer Faron Young) que Salomon Burke gravou em Rock And Soul, de 1964, paga tributo ao Modern Sounds — sem contar que o arranjo de Burke é totalmente Nashville Sound. Algo impensável se não fosse por causa do genial Modern Sounds in Country and Western Music, que ganhou uma segunda parte, em 1963.
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