domingo, 30 de agosto de 2009

O Disco que Você Merece


O logo clássico

Era uma vez um Bando da Lua que gostava de Bossa Nova. Aloysio de Oliveira (1914-1995), cantor e compositor, estava na berlinda após deixar a direção artística da Philips (hoje Universal). Antes, porém, ele havia deixado o emprego de produtor da EMI-Odeon porque a gravadora estava dispensando todo um grupo de intérpretes promissores como Roberto Menescal, Carlos Lyra, Sérgio Ricardo e Sylvia Telles em favor de João Gilberto. Na verdade, a gravadora sabia que, cedo ou tarde, as pessoas iriam cansar de ouvir aqueles cantores de voz pequena e de arranjos exóticos e que, além do mais, não tinham nenhuma tradição musical frente ao público. Ele próprio tinha certeza disso, embora não acreditasse que o movimento deflagrado por João Gilberto fosse apenas um modismo passageiro.

Pelo contrário, seu faro indicava que seria possível trabalhar com toda essa gente, porém dentro de um conceito completamente novo. Assim nasceu a gravadora Elenco, selo que se tornaria símbolo da Bossa Nova e de bom gosto musical, e que se primava por lançamentos originais e de alta qualidade artística.

Aloysio foi crooner do lendário regional que acompanhava Carmen Miranda entre as décadas de 30 e 50. A partir de 1942, ele passou a trabalhar como consultor musical, ator e dublador nos estúdios de Walt Disney, assinando a direção musical de desenhos como Alô Amigos e Você Já Foi à Bahia?. Com a morte de Carmen, em 1957, ele retornou ao Brasil, para assumir o departamento artístico da Odeon e da Philips.

Agora, em 1962, Oliveira tinha experiência suficiente para manter a sua própria gravadora. Conhecendo as dificuldades de divulgação e distribuição de discos, sua idéia inicial era de fundar a Elenco como subsidiária de alguma grande gravadora, interessada em trabalhar com um selo temático, como as norte-americanas Prestige e Verve eram especializadas em jazz.

Não poderia contar nem com a Odeon, nem com a Philips, das quais havia se demitido justamente por dispensarem a Bossa Nova de seu catálogo. Procurou a CBS, porém não obteve sucesso.

Decidiu fazer tudo sozinho. Procurou Flávio Ramos, seu amigo e produtor musical, mas acabou ficando sem parceria, tempos depois. Tudo o que Aloysio tinha agora era o seu idealismo e a sua turma de artistas promissores.

Se do estúdio para fora, ele não tinha muito jogo de cintura, colocou todas as suas forças na concepção musical dos discos. Para completar a idéia, ele escolheu o fotógrafo Chico Pereira (Odeon) e César Villela como diretor de arte.

Juntos, o trio foi responsável pela proposta — que muitos julgaram revolucionária — de criar um fetiche gráfico nas capas dos álbuns: fotografias com sombra, três cores (preto, branco e vermelho), espaços brancos para o lay-out “respirar”, letras com formatos e tamanhos comuns, de capa para capa, e um logotipo onde o “N” da palavra “Elenco” era um holofote. O “fetiche visual” das capas marcaria época e provocou uma legião de imitadores.

O estilo também servia como uma espécie de gestalt para os consumidores, que podiam reconhecer um disco da Elenco a milhas de distância. O maior fenômeno, porém, foi o êxito da publicidade involuntária: a Elenco foi a única gravadora brasileira cujos discos eram procurados nas lojas pelo selo. O sujeito chegava no balconista, e perguntava: “tem alguma coisa da Elenco, aí?”. Tinha até um slogan: “O Disco que Você Merece”.

Durante a sua fase áurea, de 1963 e 1966, o selo editou cerca de sessenta títulos, a maioria deles dentro da proposta de gravar e divulgar autores e intérpretes de Bossa Nova e congêneres.

No início, foi difícil de arranjar dinheiro. Em uma questão de meses, a Elenco já estava dando um relativo lucro ao seu idealizador. Porém, o verdadeiro crédito de Aloysio era artístico: “não havia contratos”, confidenciou ele, em depoimento ao jornalista Tárik de Souza, em 1990.

“Os artistas confiavam em mim e no projeto”, disse certa feita Aloysio de Oliveira. Segundo ele, todos os músicos recebiam royalities, que seria bom se os discos tivessem prensagens estratosféricas e vendas idem, o que jamais aconteceu.



Odette e Vinícius: o primeiro lançamento

Havia dois problemas um tanto bizantinos: sozinha, a Elenco só tinha capacidade de distribuir pequenas tiragens de, no máximo, 2 mil cópias – o que hoje seria piada, seria o mesmo que nada. Se tivesse que prensar mais de 10 mil discos, aí não haveria pernas para distribuir os discos fora do Rio de Janeiro.

O destino da gravadora foi selado em seu nascedouro. Se tivesse distribuição garantida só em São Paulo e em mais algumas capitais, com certeza ela teria durado muito mais tempo e chegada a mares nunca dantes navegados. Mas não foi o que aconteceu, a Elenco surgiu para viver no Rio mesmo. O catáçogo depois seria relançado em parte, quando o selo foi adquirido pela Companhia Brasileira de Discos, a partir de 1967.

Por outro lado, a maioria dos remanescentes da Bossa Nova havia migrado para a Philips que, com o tempo, seria a gravadora que divulgaria a maior parte dos intérpretes de MPB. A Philips também havia tirado de Aloysio o seu maior sucesso, que era Nara LeãO; foi o tiro de misericórdia. Por sua vez, a Bossa paulista estava toda na RGE, como Alaíde Costa ou Edson Machado.

A Elenco, que não tinha divulgação, agora não tinha mais nem elenco. E o verdadeiro mercado promissor, e que consumia aquele tipo de música, agora era mesmo Europa e a América.

Com o tempo, a marca “Elenco” foi adquirida pela BMG Ariola, que chegou a lançar discos com o selo, embora não houvesse nenhuma relação com a Elenco original, enquanto os fonogramas foram parar na Philips. Já na era do CD, em 1991, a Polygram, novo nome da Philips, relançou os álbuns mais importantes do selo, com som remasterizado. O projeto ganhou nova edição em 1996, dessa vez com capas novas, fato que desagradou muita gente. Hoje, todos esses discos estão novamente fora de catálogo, esperando que alguém os reedite.

erm seu pouco tempo de vida, a Elenco lançou poucas coletâneas. A mais interessante e representativa do seu catálogo chegou a ser prensada em estéreo, na época. A Kaleidosicópio é um pequeno porém interessante exemplo da produção do selo nos seus tempos áureos. Começa com Garota de Ipanema, do primeiro LP de Tom Jobim,que foi lançado nos Estados Unidos pela Verve, com o nome de Composer Of Desafinado; Você e Eu, com Sylvinha Telles e Baden Powell no violão; Berimbau com o poetinha Vinícius, numa interpretação singular; Maria Moita com Nara, no disco que fez o morro descer para a Avenida Atlântica; Rio, de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli, executado pelo próprio Menescal, com seu conjunto, do LP Surfboard; Lennie Dale, o homem que "inventou" Elis e Simonal, do seu álbum ao vivo, cantando uma versão particularíssima (misturando Inglês e Português) de Corcovado; Maysa (também ao vivo), derretendo corações com Fim de Noite, do Chico Feitosa, a melhor da coletânea; Sérgio Ricardo, do disco Sr. Talento, com a existencislista A Fábrica; Baden ao violão, com o Samba do Avião, do LP À Vontade, de 1963; Lúcio Alves se rendendo à Bossa Nova com outro clássico da dupla Menescal-Bôscoli, Ah, Se Eu Pudesse, com aranjo do maestro Gaya; Só Por Amor, fruto etílico da parceria de Baden e Vinícius, na performance deliciosamente prá lá de blasé de Odette Lara. Por fim, Chris Connor ao vivo, com I Concentrate On You (que Sinatra gravaria com Jobim, em 1967). Detalhe que a introdução de I Concentrate é similar que Tom Jobim criou para Se É Tarde Me Perdoa, do segundo disco do João Gilberto, O Amor, o Sorriso e a Flor, de 1960.

Link nos comentários e créditos ao Zeca Louro, do Loronix, que foi quem ripou o vinil.

Um comentário:

Anônimo disse...

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