sábado, 29 de maio de 2010

Vivos e Mortos



O Grateful Dead tem até hoje um bando de fãs lunáticos cuja peculiar característica que os une é o fato de assistir a todos os shows que eles sempre fizeram, quase desde o começo: são os Deadheads.

Antes dessa legião de admiradores nascer, no fim dos anos 60, a banda, embora não fosse um conjunto com a mesma notoriedade dos demais psicodélicas do circuito de São Francisco, em 1967 eles eram os reis da cena alternativa de Haight-Ashbury, a esquina daquela cidade que, na época do chamado “Verão do Amor”, em 1967, que ponto mais cool da cidade, atraindo hippies de todas as partes.

No começo, eles não passavam de uma discreta jug band (aqueles conjuntos simpáticos e caipiras que faziam um folk rural bem humorado, com banjos, mandolins, reco-recos em tábuas de passar, contrabaixos de balde e sopro em vasos de barro) que resolveu eletrificar seu som depois do sucesso dos Beatles. Mas a questão é que os Deadheads não são fanáticos à toa: o melhor do som do Grateful Dead estava nos palcos, e era isso o que os diferenciava das outras bandas.

Enquanto elas ensaiavam em estúdios para realizar uma perfomance impecável, o Dead não: eles ensaiavam ao vivo. Era o espaço deles. Tanto que a trupe de Jerry Garcia até então não vendia discos tão bem como as demais, mas seus shows estavam sempre com gente até no lustre.

E o Live/Dead é o primeiro registro sonoro dessa experiência musical, e foi uma exceção, ele foi o primeiro grande êxito comercial deles, consolidando o seu sucesso, a partir de Workingsman’s Dead.

E o som que eles faziam ia muito além de uma jug band tradicional. Era uma geléia geral de tudo o que fosse possível meter num sofisticado caldeirão sonoro que ia do bluegrass ao space rock.

O álbum é resultado de gravações de dois shows registrados em 1969 num estúdio móvel improvisado de 16 canais.

E como o repertório não era muito grande, eles souberam aprimorar cada vez mais aquele mesmo conjunto de canções. Tanto que cada execução ao vivo como medley de "Dark Star" (que, no começo, quando saiu em compacto, em 1968, tinha só dois minutos mas, ao vivo, ia dos vinte e três minutos aos quarenta!), "St. Stephen" e"The Eleven" geralmente chegava a mais de quarenta minutos de música e muita piração, um amálgama de folk tradicional jazz e space rock.

Como eles improvisavam toda santa vez que empunhavam uma guitarra, cada show era sempre uma experiência única, pessoal e intransferível, como se um ordinário deadhead estivesse viajando longe, como num festival wagneriano.


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terça-feira, 25 de maio de 2010

Only the Lonely



Em 1958, Frank Sinatra tinha um contrato milionário com a maior gravdora americana de seu tempo e um coração partido — sua carreira deslanchara desde que ele trocou a Columbia pela Capitol, quatro anos antes, enfeixando uma série de nove álbuns memoráveis, orquestrados por gente da estirpe de Nelson Riddle e Gordon Jenkins.


Seu corção partido ficava por conta da turbulenta separação entre ele e Ava Gardner, que rendeu seis anos de brigas, traições e muitos vasos jogados pelas paredes. Sua relação havia lhe moldado o espírito para lançar o antológico In Wee Small Hours.

O disco, concebido em formato conceitual, como era comum no jazz, por exemplo, mostrou que o caminho era mais ou menos esse: lançamentos temáticos, elaborados em parceria com Voyle Gilmore, o diretor artístico do selo californiano — variando ora de discos de swing (como o Come Dance With Me!) ora de baladas românticas ou de dor de cotovelo.

Os de dor de cotovelo foram três: além do citado In Wee, Sinatra lançaria Where Are You — com versões magníficas de clássicos como Autumn Leaves, I'm a Fool to Want You (composta por ele e depois regravada pela Billie Holliday no seu Lady In Satin) e Laura, do Johnny Mercer, aliás, um dos fundadores da Capitol e compositor dos áureos tempos do Tim Pan Alley.


Sinatra e Riddle

Frankie procurou Jenkins para que ele fosse o condutor do disco. Gordon estava ocupado, então o cantor procurou novamente Riddle, o seu intrépido produtor.

O fato curioso é que, assim como Ol' Blue Eyes enfrentava problemas bizantinos em sua vida particular, Nelson tinha os seus: havia perdido esposa e filha num curto espaço de tempo. Muito de sua prostração acabou aliando-se à de Sinatra. Como nada é por acaso, do conúbio musical entre ambos, nasceu Only The Lonely.

Nelson compôs todos os aranjos, como sempre, mas pouco ou quase nada do que ele trabalhou com Frank foi lançado, já que ele fora escalado para uma turnê com Nat King Cole, colega de selo de Sinatra. Com as partituras compostas, coube à Felix Slatkin, solista de violino e regente da Capitol.



O curioso ficou por conta de uma canção, Lush Life, de Billy Strayhorn (conhecido por sua colaboração com Duke Ellington e por Take The "A" Train). Frank tentou gravá-la sem sucesso, dado a complexidade da melodia.

Pior que Johnny Hartman a gravou naquele disco com o Coltrane (altamente recomendado, por sinal), e que se tornou a versão definitiva. Outtakes da versão de Sinatra, no entanto, podem ser encontradas em bootlegs de sobras de estúdio daquelas sessões.

Destaques de Only The Lonely ficam por conta de What's New, certamente a mais conhecida dele, Where Or When, um dos arranjos mais impressionantes do disco, Ebb Tide, onde Riddle brinca nas cordas com a sugestão da letra; One for My Baby (and One More for the Road) — de Harold Arlen and Johnny Mercer, clássica na voz de Fred Astaire, do musical O Céu é o Limite — principalmente pela cena do bar, onde, no filme, ele flana seu vôo ébrio sob o balcão do bar. Frankie já havia gravado One For My Baby na época da Columbia, e a incluiria no repertório do seu primeiro disco ao vivo, At The Sands, já na Reprise.

Only The Lonely
chegou ao primeiro lugar na Billboard Pop e foi nomeado para a primeira edição do Grammy, em 1959. Contudo, o álbum ganhou apenas o de melhor capa, que mostra um Sinatra pintado de arlequim, estilo commedia dell'arte.

In Wee Small Hours é certamente o mais lembrado no estilo dor de cotovelo da fase Capitol. Contudo, sempre que indagado sobre qual foi o seu melhor trabalho do gênero na Capitol, Sinatra sempre citava Only The Lonely.



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segunda-feira, 17 de maio de 2010

O Canto do Cisne de Morrison


L.A Woman


As portas pareciam estar se fechando para os Doors naqueles fins de 1970. Em setembro, Jim Morrison foi condenado a oito meses de cadeia por obscenidade durante um show em Miami, no ano anterior.

Depois das apresentações ao vivo em New Orleans, quando o líder do quarteto californiano resolveu surtar no palco, destruindo o microfone a pauladas e se recusando a terminar a sua performance, os demais integrantes (Robbie, Ray e John Densimore) resolveram abandonar de vez as turnês.

No começo das gravações daquele que seria o último álbum com Morrison, L A Woman, o produtor deles, Paul Rothchild — logo de partida, durante os ensaios — se desnetendeu com o tipo de música que eles queriam gravar e abandonou o projeto, e os deixou à própria sorte, sob a supervisão de Bruce Botnick.

Aliás, sob a batuta de Botnick, menos perfeccionista que Paul, eles passarama produzir de forma mais natural (alguns temas foram trabalhados e concluídos durante as sessões, como The WASP, uma singela homenagem ao então 'exilado' DJ Wolfman Jack, que transmitia desde Diudade Alcuña, no México, numa emissora de rádio que entrava rachando em quase todo o sudoeste do território americano, com seus 150 killowatts) e gravaram as faixas em tempo recorde — apenas dois meses.

Além disso, ao sentir que oclima nos estúdios da Elektra Records estavam burocráticos demais, sugeriu aos quatro para que gravassem num edifício onde eles sempre ensaiavam.

Para tanto, eles improvisaram noi local um pequeno estúdio, com uma mesa de oito canais.

Se a mesa era elementar demais, o local parecia ser menos apropriado ainda. Porém, no fim das contas, todos esses fatores contribuíram para criar uma aura inefável à L A Woman — principalmente para o detalhe: Morrison aprovou a acústica do liliputiano sanitário do escritório onde o estídio foi montado, e pediu para que puxassem os microfones para lá. Nada mais adoravelmernte tosco. E sem Paul Rothchild, eles decidiram levar à cabo uma experiência que havia sido esboçada em Morrison Hotel, que era fazer um disco de Rhythm’n Blues e Blues - com covers inspiradíssimos, como Crawling King Snake, do John Lee Hooker.

Já os teclados space rock de Manzarek mudaram ligeiramente para um piano honky-tonk e, em vez da poesia lisérgico-existencislista e palavrosa de Morrison, letras simples e concisas.

O resultado foi diverso do som característico dos Doors e, ao mesmo tempo, autêntico e convincente.

O mais curioso é que, a despeito de conter três dos maiores sucessos da banda, Love Her Madly, Riders On The Storm e L A Woman, o mais interessante no álbum são os momentos mais blues, como Been Down So Long, a citada Cars Hiss By My Window e Hyacinth House, além de mais um cover de Willie Dixon (sobra de estúdio que, no entanto, só sairia em bonus track no relançamento da Rhino, de 2001).

quinta-feira, 13 de maio de 2010

O Rubicão de Ray Charles


Primeiro lugar em quatorze semanas


Ray Charles começou a fazer sucesso nos anos 50 na Atlantic Records tocando o fino do que o selo lançava em seu catálogo, jazz e Rhythm And Blues. Quando ele atravessou o limite do gênero e atiniu um público muito maior — depois do estrondoso êxito de what'd I Say e Night Time, por exemplo, Charles percebeu que tinha potencial e talento suficiente para empreender sua carreira sem amarras, ou seja, por conta própria, sem atravessadores como compositores de plantão ou produtores inescrupulosos.

Dessa forma, ele saiu da Atlantic e atravessou o Rubicão musical, depois de lançar vários discos excelentes, como o Live, Genius + Soul = Jazz ou o In Person, todos dignos de constar em qualquer discoteca de estirpe.

A partir dali, ele assinou contrato com a ABC Records e, como Frank Sinatra, pasosu a ter controle completo do seu trabalho — algo que poucos conseguiriam, naqueles tempos. Cercou-se dos melhores músicos e arranjadores, e decidiu fazer o crossover do público restrito do R&B para alçar vôos mais altos.

Foi quando Ray teve a idéia de criar álbuns temáticos, onde ele fazia uma criteriosa seleção de repertório — em boa parte alalgamando o romantismo pop com a crueza cerebral do jazz. A primeira mudança deu certo, já em The Genius Hits the Road: ali, Charles ia de Hoagy Caramichel a Bill Monroe, ou seja, seu ecletismo começava na Broadway e terminava no bluegrass sulista do compositor de Blue Moon Of Kentucky.

Claro que tudo com o toque do seu gênio em recriar às canções à sua maneira, sempre original e surpreendente. A fórmula iria se consolidar com o clássico Modern Sounds in Country and Western Music. Lançado em 1962, dessa vez, ele ia levar às derradeiras consequências o que ele fez com Georgia On My Mind, ou seja, tranaformar um insuspeito cover numa signature song.

A idéia surpreendeu os executivos da ABC: Charles queria fazer um disco apenas com versões de músicas country. Como um cantor de R&B vai querer gravar música caipira? Onde ele quer chegar com isso? Duas respostas poderiam elucidar seu ímpeto. Primeiro, Ray pretendia quebrar tanto a forte discriminação da música negra nas paradas mainstream (como notoriamente aconteceu no rock dos anos 50), quanto o preconceito com relação ao country, tirando-a do espaço rural para o urbano.

Ele mesmo dizia que apreciava muito o country, e que havia sido pianista de hillybilly quando jovem. Mesmo assim, tanto colegas de palco quanto o pessoal da ABC achavam que o disco iria ter uma péssima recepção. Por conta do poder que ele consiguiu adquirir com relação á direção musical do seu trabalho, só assim ele conseguiu se impor. Juntou uma big band e se enfurnou nos estúdios da Capitol (a mesma de Sinatra, Nat King Cole e Louis Prima), em Nova Iorque.

Charles, que não iria marretar prego sem estopa, naturalmente procurou as grandes editoras musicais de country para pegar temas que lhe também rendessem margem considerável de royalities. E assim, com o pessoal da sala dos fundos, ele formou a seleção que iria ser gravada para o álbum.

Na pré-produção, chamou eminentes aranjadores de jazz — Gerald Wilson e Gil Fuller, para emoldurar as canções. Ainda assim, ele reescreveu várias partes dos arranjos, para enfim dar a última palavra; afinal, o disco era dele.



Como em Georgia On My Mind, Ray queria imprimir o mesmo estilo ao disco, escolhendo baladas que versavam em torno de amores e corações partidos, por exemplo; era o appeal fácil para alavancar o álbum direto para o topo das listas dos DJ's da América. Contudo, o blend country das faixas era caracterizado mais à margem do código do blues. Ou seja: ele, como se diz hoje, foi um dos primeiros que apareceram na história da música fonográfica com a concepção de revisitar as canções.

Um exemplo é Hey Good Lookin', clásico de Hank Williams (que aparece no Modern Sounds também com You Win Again), que virou jazz puro, enquando a segunda demonstra um acento triste que suplantou a melancolia que a versão original sugere. Sua versão para Bye Bye Love, da dupla Bryant e lançada pelos Everly Brothers, virou um ouriço; You Don't Know Me, de obscura canção de Eddy Arnold, virou outro clássico a ser incorporado ao repertório de Ray.

Porém, o maior sucesso de Modern Sounds é I Can't Stop Lovin' You. Composta por Don Gibson (o mesmo de Oh, Lonesome Me!), virou uma baladona gospel que é o seu maior hit de todos os tempos, e se tornou uma verdadeira marca na história da música americana.


A original

Charles chegou a marca dos 600 mil cópias vendidas em apenas três meses, se configurando no artista negro que mais vendeu elepês até então e, de reboque, Modern Sounds se tornaria um dos primeiros discos de country a sair da lista do gênero da Billboard e atingir o cume do Hot 100, em meados de 1962.

De quebra, o esquema com as editoras de country também deu certo: o gênero cresceu de cotação e o bom gosto dos arranjos de Charles influenciaram os próprios produtores de Nashville: muitos passaram a usar o mesmo engenho e arte de Ray naquilo que ficou conhecido como o Nashville Sound — (assunto já comentado aqui no blog) um estilo mais comportado e suavizado que o hillbily.

E a influência chegaria também ao soul: por exemplo, a versão de Just Out Of Reach (sucesso do então country singer Faron Young) que Salomon Burke gravou em Rock And Soul, de 1964, paga tributo ao Modern Sounds — sem contar que o arranjo de Burke é totalmente Nashville Sound. Algo impensável se não fosse por causa do genial Modern Sounds in Country and Western Music, que ganhou uma segunda parte, em 1963.


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quinta-feira, 6 de maio de 2010

Rolling Stones, solidão, melancolia, sexo interracial, estupro, felação, sadomasoquismo, drogas & dedos gosmentos


A capa original...


Sticky Fingers marca o começo
do capítulo 2 da história dos ingleses dos Rolling Stones. Depois dos episódios funestos em Altamont (quando um fã foi assassinado por um membro dos Hell’s Angels), a morte do talentoso, dispersivo e parnóico Brian Jones e sua substituição pelo jovem e promissor Mick Taylor e a rescisão do contrato com a Decca, eles chegarm a um limite: a banda só iria para frente se eles começassem a levar tudo a sério.

Pensando assim, eles resolveram investir numa gravadora gerenciada por eles (a Rolling Stones Records), a fim de não serem criativamente engessados por algum tubarão qualquer da indústria musical e profisisonalizar as suas turnês.

Porém, se por um lado eles realmente passaram a levar o rock como negócio, eles estavam longe de se levarem a sério: a barra pesava para o lado de Mick Jagger e grande elenco — pelo menos ao tocante ao velho trinômio sexo, drogas e rock’n roll, eles eram exímios triatletas.

Além disso, o fisco estava devorando todo o capital financeiro dos Stones, o que fez com que eles fossem obrigados a fugar da Inglaterra, sob risco de falirem completamente.

A princípio, esses probelmas não afetaram a produção do álbum. Ele havia sido trabalhado entre 1969 Sister Morphine é sobra das sessões de Let It Bleed) e 1971. Outra parte foi gravado no Muscle Shoals Studios (durante a turnê americana) e o resto foi finalizado no estúdio móvel dos Stones.

A despeito de parecer uma colcha de retalhos, Sticky Fingers soa perfeitamente coeso e integrado ao contexto musical da banda desde quando passou a trabalhar com novas afinações de guitarra e em investir em canções acústicas calcadas no country-rock, sob inspiração de um excelente músico que, no entanto, teve uma carreira bastante instável: Gram Parsons. Assim como se deu com os Byrds (no Sweetheart Of The Rodeo), Parsons foi um dos que foi responsável pela fase acústica dos Stones (que duraria até o Exile On Main Street). Foi para ele que Keith Richards fez Wild Horses, que Gram gravou com os Flying Burrito Brothers (antes dos Stones, por sinal).



Assim, Sticky Fingers é, sem dúvida o ápice criativo da banda e traz basicamente a sonoridade que seria a marca registrada do quinteto britânico, que faz um amálgama que vai do rock (Brown Sugar, Sway, Bitch) ao country (Dead Flowers), passando pelo blues tradicional e o delta blues (You Gotta Move, com Billy Preston no órgão, tocando a mesma canção que curiosamente ele também tocou com Sam Cooke no disco Night Beat, de 1963) e o soul típico da Stax Records (I Got The Blues), culminando numa balada inclssificável e bela — Moonlight Mile, que parece uma cançoneta oriental inspirdíssima e que encerra o disco com louvores.

A temática ds letras, no entanto, não poderia ser melhor: fala em solidão, melancolia, sexo interracial, estupro, felação, sadomasoquismo e drogas, muitas drogas (heroína em Dead Flowers e Sister Morphine, originalmente escrita para Marianne Faithfull gravar pela Decca e a negativa do selo foi um dos motivos que fez com que Mick Jagger se desintendesse com Allan Klein, então seu empresário, e a gravadora).

Sway fala de como as drogas os estavam fazendo conviver numa piscina de tubarões e de como as drogas, que levaram (e levariam) muitos ícones e compnheiros da sua geração, faziam com que eles se tornassem cativos.


...e a versão espanhola

Moonlight Mile, com suas referências à sexo, cocaína e à vida incomum na estrada durante s turnês, contrasta com o arranjo suave e onírico, que soa mais belo com o arranjo de cordas de Paul Buckmaster, destoa do estilo dos Stones, como eles fariam posteriormente com Winter, do Goat Head Soup, de 1973.

Fato curioso é que, por conta de rescisão do contrato com a Decca, eles ficaram devendo um single para o antigo selo. Jagger enviou-lhes um presente de grego, chamado Cockersucker Blues para lançamento.

A música, contudo, era impúblicavel, por ser ostensivamente obscena e de mau gosto. Assim sendo, Klein conseguiu que o primeiro compacto de Sticky Fingers, Wild Horses/Brown Sugar fosse lançado pela Decca — e até hoje preexiste nas inúmeras coletâneas caça-níquel que a gravadora volta e meia despeja alegremente no mercado.



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segunda-feira, 3 de maio de 2010

American Pie


A Capa



Don McLean era um pequeno entregador de jornais
naquele começo de 1959 quando, por ironia do destino, teve a dolorosa incumbência de distribuir o jornal que anunciava a morte do seu maior ídolo, o guitarrista texano Buddy Holly, que havia desaparecido num acidente aéreo junto com mais outros dois músicos, o também guitarrista Ritchie Valens e o disc-jockey Big Bopper, que fazia muito sucesso nas rádios dos Estados Unidos com uma canção intitulada Chantilly Lace.

Uma década depois, aquele invernal e trágico 3 de fevereiro entraria para a história como o “dia em que o rock morreu”. Junto com Holly, toda uma época desapareceria com ele. Chuck Berry foi parar na cadeia, Jerry Lee Lewis nos tribunais, Elvis Presley foi para o Exército, Gene Vincent no hospital, Little Richard virou pastor e Eddie Cochran pegaria o rumo daqueles três músicos que pegaram carona com a morte no Beechcraft Bonanza em Clear Lake.

Toda a inocência e o ouriço do rock dos anos 50 desapareceu e só ressurgiria alguns anos depois, com os Beatles. Nesse meio tempo, McLean passou a se interessar pelo folk que renasceu com a volta dos Weavers num concerto histórico no Carnegie Hall, em 1955 (passados aqueles anos negros da perseguição promovida pelo Macartismo). Junto com uma nova geração, ele passou afrequentar o circuito da boemia folk sessentista, ao lado de gente como Pete Seeger (membro dos Weavers) Jim Croce e todo o pessoal que freqüentava o Greenwich Village e o Festival de Newport. Contudo, Don só chegaria ao disco em 1968, com Tapestry, lançado por um selo inexpressivo que, no entanto, foi comprado por uma gravadora maior, a United Artists.

Por uma feliz coincidência, ele conseguiu visibilidade suficiente para divulgar sua música em seu momento mais criativo. Embotado por aqueles anos politicamente adversos, no começo dos anos 70, naquela ciranda de protestos, guerra e convulsão social, McLean teve um refluxo proustiano: lembrou-se de quando era um garoto e compôs um hino que é um adeus à inocência, ao mesmo tempo em que, no meio daquela realidade cinzenta, ele se debruçou no tempo imemorial dos seus sonhos de infância. O ponto de partida foi aquele 3 de fevereiro.

A música era American Pie, que dá nome ao seu segundo álbum.

Em oito minutos, a partir do desaparecimento de Holly (que não é citado na letra), ele repassa tudo o que se passou a partir dali numa narrativa dylanescamente impressionista e plena de citações simbólicas a misturar o sagrado e o profano, que o próprio McLean nunca quis explicar — fato que deu margem à dezenas de interpretações.

Na letra, depois do começo lento, depois de citar do acidente, a música se agita e ele entra num turbilhão onde enfeixa visões, eventos, nomes apócrifos, escatologia, fala de bailes ginasiais, de reis, rainhas, a garota que cantava o blues (a Janis Joplin?), bucólicos idílios, James Dean, O Capital (Marx), “Helter Skelter” (os Beatles?), pássaros viando milhas acima (os Byrds?), a Santíssima Trindade. No fim, ele diz que entrou numa loja (de discos) e pediu para que tocassem aquele rock antigo.

O dono da loja simplesmente diz que ela não podia se tocada. E ele cria uma patética imagem de silêncio e de dor em que “as crianças choravam, os poetas sonhavam, os amantes suspiravam, os sinos da igreja estavam partidos, os deuses partiram num comboio para o sul” — e a canção termina com a mesma malancolia com que começou. Sem querer (ou não), American Pie causou uma catarse no público americano.

Ou melhor, um nostálgico fluxo de consciência de retorno à inocência de um tempo perdido na mamória e no esquecimento de um país sufocado pela guerra no Extremo Oriente, que se arastava por mais de uma década, fora a convulsão social instaurada dentro da Sociedade Civil ianque naqueles idos de 1971.

E, a despeito de soar um tanto obscura, American Pie provocou um revival dos anos 50 sem precedentes e, com outra excelente canção, Starry Night, uma brla homenagem à Van Gogh, ela levou Don McLean ao topo das paradas naquele verão de 1971.



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sábado, 1 de maio de 2010

Dançando no Escuro


Capa

O saxofonista norte-americano Charlie Parker (1920-1955) gravou dezenas de discos entre os anos 40 e 50 utilizando uma orquestra de cordas. Porém, nenhum se destacou tanto pela qualidade final quanto pela controvérsia criada a partir do álbum Charlie Parker with Strings.

Norman Granz, produtor da Verve foi quem tomou a iniciativa de convidá-lo para uma sessão “camerística”, onde Bird executaria temas conhecidos do grande público.

Ele aceitou prontamente: primeiro porque lhe interessava atingir esse tipo de audiência; segundo, porque ele próprio apreciava música clássica, principalmente Igor Stravinski, e acreditava que, a rigor, no futuro, o seu jazz poderia progredir a um estilo chamado “Third Stream Music”, onde o gênero incorporaria elementos da música erudita européia, passando naturalmente pelo amálgama com o clássico (algo que hoje qualquer um rotularia de “world music” ou coisa parecida...).

Lançado em 1952, ele é até hoje alvo de polêmica: muitos fãs de Bird o entronizam como o vértice de sua carreira de músico, iniciada (mais precisamente de fato) em 1939, quando ele chega à Nova Iorque, e passa a tocar nas big bands de Earl Hines e Billy Eckstine. Já outros, mais puristas e ligados (ideologicamente?) à estética “revolucionária” do Be-Bop — do qual Parker e Dizzie Gilespie são seus máximos expoentes — consideram o disco comercial demais, um retrocesso na carreira do músico e compositor e mais afeito aos apreciadores do chamado “easy listening” (música lounge ou “de elevador”).

A queixa, de certa maneira, (até) fazia sentido. A premissa do Be-Bop, que originalmente era a de “tocar aquilo que os brancos seriam incapazes de fazê-lo” (ou seja, uma música avessa ao massificado Swing de Glenn Miller e Benny Goodman, por exemplo) se desfaz num disco onde Charlie toca como os “brancos gostam de ouvi-lo”. Seria uma rendição ao gosto popular?

Uma traição aos ideais do jazz? A verdade é que, via de regra, esse é o grande dilema de todo músico; fazer música para si ou para o ouvinte? Como estabelecer um critério “paradigmático”, um ideário musical enquanto se faz música comercial?

Quem ouve o nada canônico (ou doutrinador) Parker consegue perceber que ele não abre mão de sua criatividade e complexidade instrumental ao executar solos, mas isso se percebe principalmente em gravações ao vivo (muitas realizadas de forma clandestina). Essa liberdade, que é imanente e visceral ao Bop e é a sua alma.

“Charlie movia-se em círculos enquanto tocava”, dizia Jack Kerouac, seu fã confesso e um dos escritores que o transformou em ícone da geração beat, o tinha como exemplo de “santo desleixado, calçando sapatos de solado grosso para não se desgastar nas calçadas da vida”. Na verdade, era (e sempre será) esse o mito do Parker “subterrâneo”, “hip”, de vida dupla, com o élan fatigado pelas noites loucas do Harlem, diluídas em jam sessions e em doses pesadas de música e heroína.

Era esse estereótipo “romântico” do cavaleiro andante dos becos vadios que parecia render-se à rasteira secularidade do mundo da música ligeira. Ou da música para “agradar brancos”.

De certa forma, ele se cansara daquela vida “subterrânea”. Ou de ser quase um músico alternativo. Foi quando aceitou o projeto de Granz (seus antigos produtores não se interessavam em utilizar qualquer tipo de suíte camerística em gravações). Mesmo relegado ao rótulo de “easy listening”, Bird era um músico de primeira grandeza — e muito mais que um saxofonista de jazz. E Charlie Parker with Strings é mais que um álbum de standards e o cacoete do velho e exuberante improvisador das doidas madrugadas insones e enfumaçadas da 52nd Street.

Além do mais, o saxofonista não tinha restrições de estilo: podia ficar horas e horas (e mais horas) tocando Bach com Perez Prado sem preocupar com rotulações...

Da mesma maneira que Monk, Gilespie e outros de sua geração, Parker se utilizava de canções tão simples, como “White Christmas” ou “Happy Birthday” e transformava-as em cavalos de batalha próprios, em versões criativas e até definitivas. Essa leitura peculiar característica do seu bop perpassa por todas as faixas do disco, como um dionisíaco motivo condutor. À primeira vista, ao ouvinte desacostumado, esses números podem parecer covers como qualquer outro.

Mas basta ouvir o prelúdio que Bird criou para “Just Friends”, para ver que ele estava milhas adiante de qualquer Fausto Papetti. E a edição “crítica” do álbum, com todos os outtakes, dimensionam o trabalho, que originalmente foi lançado num extended play de 10 polegadas.

É exatamente por isso que o “strings” se diferencia da música de Bird: feita para o disco, ela tem todas as contingências e limitações comerciais, com faixas conhecidas em formatos de três minutos, no máximo — mas era apenas um detalhe. E a despeito da liberdade estilística de Parker, casa perfeitamente com a orquestra (acrescida de harpa e oboé) de Jimmy Caroll, que acompanha um sóbrio trio de baixo (Ray Brown), piano (Stan Freeman) e bateria (Buddy Rich).

Ou, como disse certa vez o crítico Joe Goldberg, na época de seu lançamento, “a suíte orquestral é um tapete vermelho para que Charlie possa caminhar”. Com exceção de Mitch Miller no oboé ou no arranjo do piano, todos os solos de Parker são originais e ele sempre reelaborava as cadências (como se pode ouvir tanto nos takes alternativos quanto ao vivo).

O resultado é a justaposição dos solos do bop parkeriano com um romantismo luxuososamente irônico de se escutar, no duelo da sonoridade macia das cordas contra os solos nervosamente pacientes — o clássico bem nascido contra o sax subterrâneo da música negra que, por sua vez, era a voz guia dos loucos estrebilhos daquele sonho americano que se chamava jazz. Alguns temas eternos ficaram mais eternos ainda com Bird. “Autumn in New York”, “Dancin’ in the Dark”, “April in Paris” (com duas versões, uma ao vivo, talvez mais bonita que a de estúdio), “Everyting Happens to Me” (super, super clássico de Hoagy Carmichael e Johnny Mercer), “Laura”, “I’ll Remember April”, “They Can't Take That Away from Me” (George e Ira Gershwin) — enfim, uma bela antologia.

Charlie Parker fez algo novo e diferente e, antes de tudo, algo que adiante de críticas, ele realmente quis fazer, e o fez, da forma mais bela e genial.


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Don't You Just Know It?


Huey "Piano" Smith


Huey Lewis é um pianista que está ligado á tradição do swing e do boogie típico de New Orleans, de onde surgitam músicos como Meade Lux Lewis, Earl King e Fats Domino, e que acabaram fazendo grande sucesso nas paradas de R&B americanas a partir dos anos 50. Uma característica fundamental desse gênero singular era o humor incluso e um escrache que transcendia a sisudez da América daquele tempo que, via de regra, aceitou o assalto musical do rock'n roll com algumas (sérias) restrições.

Lewis cedo criou uma banda, os Clowns: o conjunto, por sua vez, tinha uma picardia e um deboche que ia das letras non-sense ao visual — especialente do vocalista (e transformista) Bobby Marchan, que se vestia de mulher e cantava em falsete.

Para aqueles anos bafejados pela caça às bruxas do Senado norte-americano, não havia, junto com outros malucos que apareciam nas paradas de sucesso, como o excêntrico Esquerita (da mesma estirpe dos Clowns, e que influenciou Little Richard), não havia nada mais escandaloso e engraçadamente subversivo.

Em 1957, Huey assinou com a Ace Records e apareceu na Billboard R&B com Rockin' Pneumonia and the Boogie Woogie Flu. As músicas dos Clowns, a despeito de serem potemcialmente canções de sucesso, no entanto, assim como a contecia com quase todos os artistas negros de Ryhthm And Blues e rock da época, sofriam sérias e ridículas restrições por parte das emissoras de rádio. Elas sempre davam a primazia à cantores brancos, em detrimentos dos negros.

Isso era comum, por exemplo, com o citado Little Richard, ele viu muitos de seus sucessos estourarem na voz de cantores brancos, como Elvis e Pat Boone — esse seu copiador implacável. Pois entre 1857 e 1960, o período áureo do rock nascente, os Clowns lançaram uma série de 78 rotações originalíssimos e excelentes, mas que passaram quase despercebidos.

A exceção, como se sabe, é do compacto Don't You Just Know It/High Blood Pressure, de 1958 que, contra tudo e contra todos, chegou ao nono lugar no Top Ten da Billboard.



Foi o maior sucesso de Huey Lewis (depois regravado pelos Sonics e pelo Sha-Na-Na), e o tema que formou a sua reputação como um dos grandes nomes do R&B nummomento histórico em que o gênero ainda se firmava. Aliás, muito do próprio escrache dos Clows era uma forma indisfarçada de chamar a atenção: o único jeito de sacudir as estruturas era incomodar a tradicional família ianque.

Ou não: no ano seguinte, Huey compôs Sea Cruise. A Ace, contudo, sabendo da restrição das rádios à artistas negros, recrutou um branquelo, Frankie Ford, para cantar o número. Smith teve que se contentar em participar da gravação como músico de estúdio. Não pôde nada fazer; Sea Cruise acabou virando sucesso nos Estados Unidos, de costa a costa.

Em 1960, Merchan saiu dos Clowns, após conseguir sucesso com There Is Something on Your Mind, partindo para uma obscura carreira solo. Huey recrutou um casal de cantores — Gerry Hall e Curley Moore, e trocou a Ace pela Imperial, por sugestão de Fats Domino. Voltaria ainda ao seu antigo selo para emplacar um último single, Pop-Eye (não como intérprete, porém, como no caso de Sea Cruise), em 1962.

Nos anos seguintes, Smith tocaria como músico de estúdio, enquanto tentava em vão reformular os Clowns, porém como outros nomes (The Hueys, The Pitter Pats e Shindig Smith and the Soul Shakers. Quando o gosto musical dos ouvintes mudou, pelo curso dos anos 60, Huey largou a música e virou Testemunha de Jeová. Huey Smith vive bem hoje, aos 76 anos, em Nova Orleans.




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