sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Beatles Para Americano Ver


O Something New, de 1964

Aproveitando que o assunto é Beatles, me lembrei do primeiro disco importado dos Fab Four que eu achei garimpando pelos sebos da vida, o Something New, da Capitol. Naquela época eu já devia ter praticamente toda a discografia brasileira do quarteto, incluindo as coletâneas. Mas não tinha nada de estrangeiro.

Foi quando eu descobri que a coleção norte-americana tinha uma peculiaridade: a disografia britânica deles foi pulverizada em discos de onze faixas, de forma a aproveitar ao máximo o material lançado na Ingleterra em compactos e extended-plays (singles de quatro faixas). A despeito de passar por cima dos álbuns originais, do ponto de vista mercadológico, a idéia da Capitol (subsidiária ianque da EMI) era de uma lógica irrefutável.

Numa época em que um long-play (exceto os de jazz, naturalmente) era nada mais, nada menos que um punhado de canções, não havia diferença, pelo menos do ponto de vista do ouvinte/consumidor em mudar a ordem das músicas ou a foto da capa, desde que fosse tudo feito de forma estratégica, a ponto de chamar a atenção e vender.

É claro que a Capitol observava que havia uma ligeira diferença entre a, vamos dizer assim, cultura do disco de um país para outro. E a maioria dos lançamentos do selo, via de regra, sempre vinha com onze ou doze faixas, ao passo que, no caso particular dos Beatles, eles lançavam discos de quatorze músicas, fora o material inédito em singles e EPs. Pois num tempo em que a Beatlemania grassava na América, se eles não se aproveitassem disso para vender LPs como nunca seria um atestado de burrice, então, ponto para eles.

Para se ter uma idéia, só em 1964,por exemplo, enquanto, na Inglatera, John, Paul, George e Ringo lançaram dois discos, nos Estados Unidos, o número subiu para cinco, sendo um duplo (o Beatles' Story, tremendo caça-níquel, com todo o respeito).

Essa sangria desatada só estancaria quando o próprio quarteto se rebelou contra isso, porém da forma mais sutil: reza a lenda que a capa do polêmico Yesterday And Today,onde o quarteto aparece sorrindo alegremente de jaleco, cercado de postas sangrentas de carne e de bonecas quebradas era um protesto contra o esquartejamento que a Capitol draconianamente infringia ao trabalho deles.

Mas houve um outra forma de protesto, porém mais sutil. Em 1967, a banda lançou um álbum que, com efeito, era "imexível": o Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band. Como eles iriam mexar com uma pretensa obra de arte? Como alterar uma capa modelar daquelas? E como mudar as faixas, se elas estão quase todas entrelaçadas? Aquilo colocou qualquer teoria fonograficamente mercadológica em xeque.

Aliás, depois do advento do proto-disco conceitual, pelo menos dentro do gênero, o próprio mercado passou a perceber que, além do fato de que um álbum não é apenas uma rescolta de canções, havia vida inteligente dentro do rock.

Porém, se a sanha da Capitol em vender discos tinha os seus pontos negativos, havia alguns pontos positivos. Um deles é alguns desses LPs dos Beatles entre 1964 e 1966 vinham com capas belíssimas, muitas faixas tinham mixagens diversas das versões britânicas (e que eram relançadas aqui no Brasil) e, o mais interessante: a gravadora criou uma forma de realçar mecanicamente os tapes originais, utilizando um processo de reequalização das faixas num "mock stereo" que, em tempos de vinil, era algo prá lá de supimpa.

O nome desse maldito sortilégio sonoro era um tal de "Full Dimensoinal Stereo". Era mais ou menos o mesmo que o Phil Spector fazia na Philies nos seus compactos. A diferença é que, enquanto Spector mixava tudo de forma artesanal, a Capitol usava pura tecnologia. O objetivo era o mesmo: fazer com que o som Hi-Fi soasse melhor do que o da concorência e, naturalmente, soase melhor no broadcasting dos seus artistas no éter.

No caso particular dos Beatles, esses álbuns da Capitol, embora ordinariamente feitos para vender, ganharam uma aura mítica que perdura até hoje. Tanto que, devido à pressão dos próprios fãs, mesmo depois do relançamento padronizado da discografia britânica em CD no mundo inteiro depois de 1988, a velha discografia americana foi relançada em formato digital, em 2004.

O curioso é que o fetiche dos audiófilos em cima desses discos transcendeu a própria fidelidade do CD. Mesmo que a remasterização digitalizada fosse (quase) impecável, faltava algo ali. Era o maldito Full Dimensional Stereo! Mesmo que o estéreo fosse (em algumas faixas) forjado em duofônico (um canal realçando o grave e o outro, o agudo), a delícia em ouvir aquelas canções em vinil e com aquele som característico - fora o fato que a qualidade do próprio bolachão era melhor do que a inglesa e a brasileira era uma experiência única, especial, inefável e intransferível.

Eu particularmente me flagrei disso quando ouvi o Something New pelaprimeira vez. O disco, lançado logo após o sucesso do filme A Hard Day's Night, era o exemplo típico do que a Capitol fazia com o meterial dos Beatles: a espinha dorsal do LP é o lado B da trilha do filme. Porém (ah, porém), como nos Estados Unidos a United Artists lançou o disco metade instrumental e a outra metade o lado A (ou seja, as músicas que aparecem na película), sobraram as seis faixas da versão britânica (o Something New tem três músicas do filme, também). Somadas à estas, eles juntaram material do EP britânico Long Tall Sally (que não saiu nos Estados Unidos) e a versão alemã dos Fab para I Want To Hold Your Hand (Komm, Gib Mir Deine Hand) e, zás, eis o disco.

Fora a qualidade do Full Dimensional Stereo, o Something New, que foi lançado em versões estéreo e mononatural, em cada uma delas trazia mixagens diferentes das originais. Na versão mono, I'll Cry Instead não é editada, e é maior que a conhecida When I Get Home tem vocais diferentes da original. E no formato estéreo, várias faixas, como If I Fell, têm vocal dobrado na introdução.

Outra curiosidade é que a Parlophone (selo da EMI inglesa) lançou o Something New numa edição limitada apenas para venda onde havia bases americanas na Europa Continental e essa edição é raríssima. E a outra (a última, prometo) é que o LP ê que ficou nove semanas no segundo lugar da Billboard — saiu também pela Odeon alemã.


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Um comentário:

Anônimo disse...

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