terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

The Birth Of Trojan: Duke Reid Rocksteady


A capa

The Birth Of Trojan: Duke Reid Rocksteady é uma coletânea de 2002, focada exclusivamente na viagem músical empreendida por esse produtor de música jamaicana dos anos 60. O rocksteady foi um ritmo que existiu nesse país entre dois períodos bem distintos: o ska do tempo dos rude boys e as produções sofisticadas do reggae, a partir dos anos 70. O estilo surgiu, lá por 1964, como uma alternativa ao ska, que era muito mais uma dança de salão.

Ao contrário, o Rocksteady era mais lento, possuia um naipe de matais maior e músicos que trabalhavam mais o lado instrumental das canções do que simplesmente o ouriço do ballroom dancing da época dos sound systems.

O irônico é que muito do que foi elaborado durante o período do rocksteady influenciaria de forma seminal o reggae. Contudo, ao contrário deste, ele não conseguiu a mesma projeção fora da Jamaica. Até mesmo porque muito das produções como as da Trojan — embora este selo tenha sido o primeiro passo para a internacionalização desse tipo de som, depois da Island Records, a partir da Inglaterra, por exemplo, o rocksteady era um ritmo caseiro, sem a pretensão de sair desses domínios.

O que seria uma grande injustiça com um punhado de artistas e produtores musicais que, de forma quase artesanal, colhia fogos de abrolhos para criar uma cena músical, pelo menos do ponto de vista fonográfico. Nesse senmtido, a maioria dos cantores e músicos eram, a rigor, investidos em produções de singles, e muito desse material se esgotaria depois que o reggae ganhou o mundo, primeiro com Desmond Dekker e, depois, com os Waillers.

O ofício de Duke Reid, por exemplo, era catapultar um elenco de artistas que eram relativamente populares na Jamaica. Muitos, como Tommy McCook, tenha influência direta de Coltrane. Outros, como os músicos de Dobby Donson e Freddie McKay (naturalmente sob a batuta de Reid), estabeleceram uma linguagem sonora emoldirada por linhas complexas de contrabaixo — algo que floresceu no rocksteady e foi parar, por exemplo, no estilo de Aston "Family Man" Barrett.

Duke começou na época dos sound systems, carros de som que eram verdadeiras emissoras de rádio peripatéticas. Nos anos 60 é que ele se estabeleceria como produtor, tendo como referência direta o soul norte-americano. Por conta disso, muito do que seus artistas interpretava, eram, em geral, covers obscuros da Motown. Perfeccionista, ele sempre trabalhou com lavor de joalheiro nos arranjos das canções — algo quer contrastava muitas vezes com a qualidade sonora das gravações.

Hoje, claro que existe um certo charme fetichista em ouvir aqueles temas originalmente mixados como compactos. E, nessa coletânea, isso é evidente. sir Don, com Tommy Mc Cook & The Supersonics, é genial no sentido de ser possível imaginar que existia uma virtude musical ligeiramente subestimada num país de terceiro mundo.

Uma das estrelas da Trojan, Phyllis Dillon, é um exemplo de artista subestimada. Influenciada por Dionne Warwick, é uma pérola perdida em temas como Leaving In The Hands Of Love. Seus duetos com Oliver St. Patrick são memoráveis. O próprio Oliver,por sua vez, assim como Alton Ellis é um excelente crooner para canções românticas, como I Want To Be Loved, que é uma baladona soul de se escutar de joelhos. Ellis chegou a fazer sucesso fora da Jamaica, e teve uma carreira longa, ao contrário da maioria daqueles intérpretes hoje obscuros. Duke tinha a sua própria banda, os All Stars, e seus arranjos mostram o melhor do bom humor típico do rocksteady, despojado e inteligente.

Outro lado curioso do rocksteady instrumental são brincadeiras com temas conhecidos, como Roland Alphonso & The Supersonics tocando Never To Be Mine, que é nada mais nada menos que O Sole Mio. Cornet Rock Steady é A Di La. Starry Night, com McCook no sax tenor, é um improviso em cima daquele famoso tema do primeiro movimento da Sinfonia Patética, do Tchaikovsky. O resultado é excelente.

O rocksteady é algo tão fanscinante que não poderia durar muito. Há quem diga que o nome não ajudou em sua perpetuação; há quem diga que o fator preponderante foi o sucesso de Dekker e de Jimmy Cliff como ícones de algo que era substantivamente tributário desse gênero, mas que, ao contrário dele, tinha um conteúdo menos romântico e escapista em favor de letras militantes que iam de encontro com a filosofia Rastafari. Resumindo mal, a diferença entre os dois residia na linguagem. ao mesmo tempo, tanto a Trojan, como subsidiária da Island, passou a promover bandas que tinham ligação com o Rastafari — mais precisamente gente como Cliff, os Upsetters e, por fim, Bob Marley e os Waillers.

Com uma distribuidora na Europa e com uma pós-produção como a de Chris Blackwell, buscando uma cara mais cognata à do rock, a música jamaicana enfim iria atingir outros mercados, como o norte-americano. E foi o que aconteceu. Em 72, quando The Harder They Come virou sucesso, o rocksteady já era passado. De forma esporádica, gravadoras que adiquiriam os direitos da Trojan ou de outros selos, lançavam coletâneas — muitas vezes ripadas diretamente dos elepês, pois muitos dos masters haviam sido apagados ou perdidos.

No caso desta, Duke Reid Rocksteady não foge á regra. O som das faixas é digitalizada do vinil, o que acarreta numa certa perda de qualidade. Mas no fim, restitui à posteridade um gênero musical que o mundo esqueceu.


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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Time Fades Away


O clássico

A história de Time Fades Away, lançado por Neil Young no auge do seu sucesso após o êxito comercial de Harvest, é bastante peculiar. Começa pelo fato de que, a fama inesperada o obrigou a novamente cair na estrada. No entanto, ele estava mais disposto a estabelecer um set list de canções ainda inéditas que o cantor canadense tinha a intenção de editá-la em disco, mesmo já havendo um registro ao vivo da turnê de 1971 (de onde saiu a gravação den The Needle and the Damage Done.

Desse vez, Neil ia encarar a platéia com novas canções, e com outra banda que não o Crazy Horse, o Stray Gators. O público não entendeu o repertório e muito menos a mudança na sonoridade da banda. A pressão fez com que o baterista Kenneth Buttrey deixasse os Gators em favor de Johnny Barbata, ex-CSNY.

Além desses problemas nada fortuitos, Young teve que aguentar a birra de Jack Nietzche, que seguidamente se exasperava ante a platéia confusa que se punha aprotestar por conta do repertório. Fora as bebedeiras do steel guitar, Ben Keith, que às vezes nem se lembrava qual instrumento ele havia tocado no ensaio. O próprio Young enfrentyou problemas com a bebida, fato que fez com que a sua voz, ao final da turnê, ficasse afetada por uma inflamação na garganta.

Neil havia desenvolvido depressão por causa de Danny Whitten, que ele viu definhar com o uso indiscriminado de heroína, o que le levou à moete prematura. O compositor de Tell Me Why também entraria numa fase sombria de sua vida, cujas letras refletiam muito de suas angústias naquele momento histórico de sua carreiura musical. E o Time Fades Away, junto com On The Beach e Tonight Is The Night iriam fazer parte de uma trilogia, a Ditch Trilogy, marcado pelas letras tristes e extremamente autobiográficas.

Neil precisou pedir ajuda de David Crosby na guitarra, mas isso só gerou atritos entre os dois e Jack, que reclamava que o instrumento do ex-Byrd cobria o som do dele. Em 19 dias, a turnê malfadada acabava de forma melancólica.

Time Fades Away, lançado em 73, saiu logo de catálogo. Young sempre expressou sua especial predileção por esse elepê, mas achava que as canções e o que ele julgou como a péssima qualidade das interpretações dos músicos, a despeito de ser, como ele assevera, um documentário vivo do que foram aqueles anos para ele, ser algo indigno de ser recatalogado.

O resultado é que o disco, que é um dos melhores álbuns ao vivo da história do rock, desde a primeira prensagem, ficou fora de catálogo. Muitas prensagens em formato bootleg se sucederam, mas oficialmente Time Fades Away nunca foi lançado em formato digital; muitas das versões existentes em Mp3 são meras ripagens de material analógico.

Coletâneas do cantor também passam longe das faixas do disco, que é quase obscurecido pela sua pretensa (falta de) grandeza — já que, ao contrário de Harvest, ele não foi bem recebido por crítica e público na época, fato que deve ter contribuído para a decisão de Young em refugá-lo de forma tão irracional e injusta.

Mas o disco, ao contrário de julgamentos dessa natureza, é um registro indelével de Young em sua fase mais criativia e expressiva, com momentos geniais, como em L.A, The Bridge, Yonder Stands the Sinner, a lírica Love In Mind e a angustiante Journey Trough The Past.




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sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

No Tempo do Bumba-Iê-Iê Boi


A capa, feita no Cinema Império, no Rio


— Em 1971, quando eu trabalhava na CBS, eu fui expulso da CBS. Eu trabalhgava como produtor, e umprodutor me expulsou porque eu fiz um disco chamado Sessão das 10. Era eu, Sérgio Sampaio, a Míriam Batucada e o Edy Star, agora Edy, que tá fazendo muito sucesso hoje com esse negódio de andrógino. Esse disco era muito engraçado, não tinha nada de mais, e a própria CBS não gostou. Eu aproveitei uma viagem que o diretor fez para os Estados Unidos e fiz o elepê, custou 23 milhões a produção do disco. Porque a linha da CBS era aquela linha tipo Zé Povinho, eles diziam: "olha, meu filho, isso aqui é uma fábrica de vender ilusões, tem que vender". E aí eu saí da fábrica de vender ilusões, entrei no Iê-Iê-iê realista e fiz o disco. Teve uma música que eu até tive que botar uma harpa egípcia, eu falei que eu queria esse instrumento, e falei com um cara que transava com essas coisas e ele me disse: "não serve uma harpa paraguaia?". Eu disse que queria egípcia, e mandaram vir de São Paulo para gravar uma música só o último acorde na gravação, a música tinha três minutos e 300 compassos, e aí ele botou a harpa no caminhão e trouxe. E depois eu fui para a Philips. Mas o disco não vendeu nada — desapareceu misteriosamente do mercado, ninguém sabe o que aconteceu.

Esse depoimento, que aparece antes da faixa Sessão das 10, do CD Se o Rádio Não Toca (Eldorado, 1994) é um resumo quase irretocável
do que foi uma das experiências mais interessantes da carreira musical de Raul Seixas e conta a história de um dos maiores álbuns de música brasileira gravados nos anos 70 e por que não dizer, de todos os tempos na história da MPB moderna. E isso sem contar que a trajetória de Raulzito pelo rock brasileiro ainda estava começando.

Existem muitas versões da forma como Sessão das 10 foi concebido e as mais apócrifas são as mais interessantes. A verdade é que Seixas tinha um bom conhecimento do mercado musical tanto do Brasil e do mundo e, á medida em que ele era obrigado a lançar e produzir artistas que estavam enquadrados tanto dentro do esquemão das gravadoras naquele Brasil do som dos anos 60 e começo dos 70 — um pop brega-meloso-udigrudi-romântico com raízes recentes na Jovem Guarda com letras domesticadas pela Censura Federal, Raul tinha consciência do que estava acontecendo fora daqui.

Um exemplo tocante era ver que ele gravava artistas como Jery Adriani e Wanderléa e, ligado no rock inglês e americano, ele teve mais ou menos o mesmo choque cultural que Tim Maia teve ao chegar no país, em 1964, e descobrir que ninguém aqui sabia o que era soul music, Smokey Robinson, Marvin Gaye, Sam Cooke. Enquanto nas paradas no Brasil se ouvia Meu Limão, Meu Limoeiro, na América já havia acontecido Capitain Beefheart, Arthur Lee, Janis Joplin, Hendrix, Zappa e toda a turma que resolveu um dia chutar o balde do rock.

Quem iria fazer a Revolução Brasileira? Era o que mais se pensava naqueles tempos paranóicos de AI-5, perseguições políticas, reitores banidos, ensino de cabresto, jornalistas exilados, intelectuais censurados, guerrilhas, miséria e violência social longe da pauta das redações.

Na música, não poderia ser diferente — por uma questão de sobrevivência. Ninguém queria fechar a fábrica de ilusões que era a única forma de expressão vigente. Contestação era uma palavra banida da história.

Em suma, por isso e muito mais, não havia espaço para a estética iconoclasta do rock estrangeiro no Brasil. Aliás, sequer havia espaço para o rock no Brasil — o máximo que o mainstream aceitava e entendia era versão spaghetti: quem fazia rock de verdade acabava caindo na clandestinidade.

Por isso que muito do que foi produzido no gênero longe do esquemão de rádios, tevês e gravadoras se tornou subterrâneo, fora os selos que topavam embarcar em algo do tipo. Exemplo são os Baobás, que foram os únicos a gravar Moody Blues e Love numa época em que covers de iê-iê-ê não podiam sair do paradigma Beatles. Quem ouvia Moody Blues no Brasil de 1969/70?

O mais singular é que, com relação à Raul Seixas, Sessão das 10 é uma espécie de elo perdido entre o tempo do proto-rock dos Panteras e a fase áurea de Raulzito, a partir de Krig-Ha, Bandolo! Além de ser tão subestimado quanto conhecido, já que a CBS, depois que se livrou do "problema" Raul, decidiu impedir qualquer reedição (existe uma, independente, de 1984).

Com relação ao selo, nãopoderia ser diferente: nenhuma gravadora iria aceitar de bom grado uma opera-rock á brasileira (Leno e Odair José também naufgragariam ao fazer algo no estilo).

A despeito do relativo êxito e da repercussãode Panis Et Circencis, nem mercado, nem indústria musical, nem crítica e público brasileiros entenderiam a audácia de Edy, Sérgio, Míriam e Raul: um disco conceitual, muito bem concebido, conduzido e produzido. E naturalmente que, se foi um álbum feito às escondidas, pelas palavras de Raul, ele custou tempo e dinheiro, pelo menos para a pré-produção.

Sessão das 10 é, na linha de Capitain Beefheart e Zappa (e dos tropicalistas), um promor de deboche e crítica social. Num Brasil em que o Rio de Janeiro era o nosso pequeno mundo e um aparelho televisão o máximno da aspiração pequeno-burguesa do Brasil dos anos de chumbo, tanto o entretenimento domesticado, o conformismo, a exaltação à exuberante natureza do Brasil no país da Ordem e Progresso se tornariam o alvoprincipal dos membros da misteriosa Sociedade da Grã-Ordem Kavernista.

Para emoldurar todo o humor cáustico das letras simples e inteligentes, avacalhando com o estabilishment da terra da palmeira, eles inventaram um desfile de todos os estilos musicais típicos do Brasil; dessa forma, Eta Vida, com uma introdução circence, dá a largada, uma marchinha onde a tônica é o dualismo à integrar-se ou não àquele inconsciente coletivo do Brasil, Ame-o ou Deixe-o. Aceitar o conformismo do cotidiano, futebol, diversão na tevê — depois de listar, Sérgio e Raul questionam aquele eldorado e pensam se devem aceitar o estado das coisas ou não (algo que Raulzito retomaria de outra forma, em Ouro de Tolo, por exemplo).

Várias faixas são endadeadas através de vinhetas (ao estilo de Zappa — aliás, um dos pontos altos do disco são, justamente, as vinhetas, engraçadíssimas), que emprestam ao disco a cara de conceitual. A segunda faixa, Sessão das 10, é uma seresta ao melhor estilo Sílvio Caldas, uma instituição secular na MPB da Velha Guarda. Mas na linha paródica, a letra fala de um amor malfadado non-sense — singelo deboche com o gênero dor-de-cotovelo.

Eu Vou Botar Prá Ferver é um frevo cujo refrão é um divertido paradoxo ("eu vou botar prá ferver/no carnaval que passou"). Eu Acho Graça é um cateretê (esse exemplo de versatilidade de dupla Sérgio-Raul mostra que, antes de abraçarem o rock e a contracultura como um todo, eles não subestimavam toda a linguagem musical que gravitava em torno da música brasileira do passado e do presente)com uma letra que mostra as orelhas de burro para quem passa.

Chorinho Inconsequente é outra música com citações à Cidade Maravilhosa (numa descrição de usos e costumes, numa colcha de retalhos da vida carioca), num samba de breque cantado pela paulistana Miriam Batucada, obra-prima tanto letra quanto a interpretação da cantora paulistana. Quero Ir é um baião existencialista no sentido de evasão, de partida, algo recorente no cancioneiro do Norte: a voz de Sérgio Sampaio, a despeito de ser capixaba, parece de um pernambucano de nascença, e cai como uma luva nas músicas com temática nordestina.

Soul Tabarôa, um forró ("soul miusis, hehehe"), é o único cover de Sessão das 10. Composto por Antonio Carlos e Jocáfi e cantado por Míriam, demostra a versatilidade de uma das cantoras mais subestimadas da história da MPB (e um dos seus trabalhos mais promissores naquele momento em que sua carreira ainda engatinhava acabou sendo soterrado junto com o disco). Todo Mundo Está Feliz é uma toada (existenlista no melhor 'estilo acho que não sei', como Eu Acho Graça) cantada por Sérgio (que brinca de repórter de rádio na vinheta: "qual é o tipo de música que você prefere, melodiosa ou barulhenta?"), cujo refrão em coro é uma brincadeira com canções hippie como Let The Sunshine In, do 5Th Dimenson, que passa um júbilo e otimismo aparente, já que a segunda parte.

Aos Trancos e Barancos é clássico desde a primeira audição: ao som so surdo, Raul diz — "Taí, eu sou um cara que subi na vida, morava no morro e agora moro no Leblon". É um sambão jóia (provavelmente o único de Raulzito em toda a sua discografia) onde, no mote do todo mundo está feliz aqui na Terra, ele exalta a felicidade de ter tudo o que quer, num colorido paraíso tropical.

As deradeiras faixas de Sessão das 10, por sua vez, lembram mais do Raul Seixas que estor vir (embora ianda pré-Paulo Coelho): Eu Não Quero Dizer Nada (de Sérgio), cantado por Edy, é um iê-iê-iê afro soul (com a participação especial da tal harpa egípcia de que Raul fala no depoimento) e Dr. Paxeco, de Raul, é uma espécie de Mr. Jones à brasileira: um arquétipo do white collar man, um sujeito que acha que sabe tudo mas está por fora. E o Finale, com a fanfarra inicial se fundindo com os apupos do público, é o Gotterdamerung que joga todo o mosico musical descarga abaixo.

Como Raul disse à imprensa, na época, o objetivo do antes execrado e hoje incensado álbum "dizer absolutamente nada, não acrescentar nada e ser apenas o espelho da nossa crise músical". Por que são contra a máquina de consumo, "principal causa do caos que está formado", fizeram um disco bastante fácil de ser ouvido e consumido". E, no fim, quem fez a Revolução Brasileira foi a patota kavernista.



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quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Bits And Pieces


O Dave Clark Five em 1965

Eles foram os primeiros músicos de rock a empreender uma turnê pelos Estados Unidos. Eles lotaram o velho Carnegie Hall com doze apresentações em três dias. Das bandas inglesas, o conjunto bateu o recorde de shows no Ed Sullivan Show , contando dezoito aparições. Artistas do quilate de Aretha Franklin, Little Richard, Jerry Lee Lewis, Chuck Berry, Roy Orbison, Neil Diamond, Supremes, Sonny And Cher, Young Rascals e Bee Gees abriam os seus concertos.

Eles contam no currículo também seis turnês com gente “até no lustre”, na América. Mais: eles conseguiram emplacar vinte sucessos nas paradas americanas em apenas dois anos. Dois compactos atingiram a marca dos 2 milhões e meio de cópias vendidas, totalizando pelo menos trinta sucessos mundiais.

Alguém aí falou em Beatles? Não, não se trata do mítico quarteto de Liverpool. Eles são o Dave Clark Five, conjunto formado em 1961, cujo líder, Dave Clark, era o compositor principal, baterista e empresário — algo inusitado até então.

Mas inusitado mesmo foi o começo dos DC5. O núcleo original, que girava em torno de Dave, servia como banda de apoio de Stan Saxon, passando por várias formações nos primeiros anos. O quinteto nasceu de um projeto para um grande concerto, visando angariar fundos para o Tottenham Hotspurs Football Club, time do subúrbio do norte de Londres, em 1960.

Para tanto, Dave arranjou uma bateria e aprendeu a tocar na marra. No fim, resolveram levar o grupo adiante. A partir de 1962, ela chegaria à sua formação essencial — não mais como acompanhante de crooner , e com identidade própria, quando assinaram contrato com a Ember/Pye (a mesma gravadora dos Kinks). O quinteto era Dave castigando os couros na bateria, mais Mike Smith (órgão), Rick Huxley (baixo), Lenny Davidson (violão, guitarra solo) e Denis Payton (sax, harmônica, guitarra-base).


Diferente das bandas de blues de Londres, como os Yardbirds, que viviam tocando standards do gênero, e do skiflle passado a limpo do Merseybeat, conjuntos que tocavam essencialmente rityhm n' blues e que tentavam disfarçar o sotaque interiorano de Liverpool ensaiando covers do rock dos anos 50, o Dave Clark Five se formou num rock que amalgamava o fundamento do elementar guitarra-baixo-bateria com um som visceral. Para tanto, incluíram um sax barítono, um órgão e uma bateria característica e excessivamente hardcore.

Clark, que ensaiou a fundo para o concerto de caridade do Tottenham, resolveu ir até o fim. Mas, para ser a figura de proa da banda estando lá atrás dos outros músicos, ele decidiu chamar a atenção no grito. Para tanto, se ele não era um exímio e refinado percussionista, Dave era a moldura sonora do DC5, cujo toque final ficava por conta da voz rouca e rascante de Mike Smith.

O começo foi complicado. O primeiro single, uma cover dos Contours, “Do You Love Me”, foi abafada pelo sucesso da mesma música, que estourou nas paradas com uma versão histriônica do Brian Pole and The Tremeloes. A lição foi importante: a partir de então, eles não apenas apresentariam uma sonoridade própria, mas também defenderiam as suas próprias canções — isso muito antes das demais bandas inglesas, que viviam de versões e mais versões do então jovem e refugado rock ianque. Fato um tanto inusitado: os Beatles só lançariam um disco com faixas próprias três anos depois.

Dave Clark também era inusitado como líder da banda — porque ele também era o empresário e detentor da editora musical dos DC5. A despeito do romantismo das bandas de rock daquele tempo, eles também tomavam conta da loja. E mesmo que esse desvelo pecuniário parecesse ir contra a criatividade do quinteto, naquele momento, era a força motriz que viabilizava a banda. Apesar do começo titubeante, o single “Glad All Over”, lançado em fins de 1963, chegaria a um recorde memorável; em janeiro de 1964, ou seja, em pleno advento da Beatlemania , deflagrada por “I Want to Hold Your Hand”, dos cabeludos de Liverpool, atingiria o topo da parada britânica, mandando John, Paul, George e Ringo, que eram os inexpugnáveis primeiros colocados por seis semanas a fio, para a segunda colocação. Por muito tempo, o Dave Clark Five foi a única banda inglesa que conseguiu tal façanha.

“Glad all Over”, um número simples porém eficiente como “hit single”, seria, junto com “Bits And Pieces”, um dos símbolos da então nascente “era beat”, e que possibilitou que a banda tivesse “cacife” para enfrentar os Beatles em terras americanas, no começo daquele ano.

Junto com os quatro de Liverpool, o DC5 dava mostras que tinha condições de lançar discos de própria autoria, ombreando com os “reis do iê iê iê”. E na onda dos filmes como o A Hard Day's Night , o DC5 também entrou na moda (junto com o Herman's Hermits e o Gerry And The Pacemakers) dos band-movies com Having a Wild Weekend , que também seria a estréia de John Boorman (que seria o diretor de O Exorcista II ).

A condição de segunda banda inglesa na “invasão britânica”, o sucesso instantâneo jogou todos os holofotes em cima do quinteto londrino, permitindo um número 2 nas paradas inglesas, com “Bits And Pieces”. Contudo, muitos consideram hoje o Dave Clark Five uma banda de compactos, ainda que alguns de seus álbuns tenham o seu devido destaque — inclusive no Brasil, onde o velho original Session (aqui lançado pela Odeon, no tempo das velhas capas-sanduíche), que contém canções como “Zip-a_dee-doo-Dah”, e “On Broadway” é disputado a tapas em sebos, junto com o Catch Us If You Can (1965), o Five By Five (1965) e o Everybody Knows (1966) — todos outrora lançados no Brasil e atualmente fora de catálogo.

Além de “Glad all Over”, o quinteto emplacou sucessos que, se não embalaram tanto as festinhas nos anos 60, eram as preferidas do pessoal que gostava de rock para ouvir, e que cabem perfeitamente numa grande antologia.

Por exemplo, a balada “Because”, que abre o American Tour (1964), um dos melhores discos da banda. “Any Way Wou Want It”, single do álbum Coast to Coast (1965), que permaneceu nas paradas americanas por vinte e uma semanas, chegando ao sexto lugar entre os discos mais vendidos. Mesmo considerada produto típico da música ligeira e comercial de então, “Any Way..” é singular pela percussão pesadíssima para a época, e vocais com phasing (algo como um eco induzido de forma mecânica), recursos que seriam largamente utilizados por bandas do final da década.

Já o neo-twist “Cant'You See That She's Mine”, do Return! , que soa como uma resposta à “I Saw Her Standing There”, atingiu o quarto lugar nos Estados Unidos.

Aliás, como poucas bandas inglesas, o Dave Clark Five era um conjunto fadado ao sucesso comercial na América. Poucas souberam explorar tão bem o marketing ao seu favor — exceto, é claro, os Beatles. As aparições no popular Ed Sullivan foram fundamentais para a sedimentação da música dos DC5 na terra do Tio Sam. O visual da banda também era bem cuidado aos limites do dandismo, e por isso, diversa das demais, contrastando a imagem imberbe dos integrantes (sempre ternos preto, camisa e gravatas brancas) interpretando canções pop ligeiramente pesadas com a tradicional levada “de garagem” das baquetas.

Mas, a despeito da boa qualidade dos álbuns, o pièce de resistance do quinteto era os compactos, sempre contendo material de própria autoria e amplamente divulgado pela televisão. Entre 1964 e 1967, foram quinze deles, sempre bafejando o topo das paradas. A sua versão para “You Got What It Takes”, contudo, seria o último single a chegar entre as dez maiores, em 1967.

O fim no começo

Nesse meio tempo, as coisas estavam mudando no mundo da música. Com o surgimento do psicodelismo, Dave Clark resolveu não embarcar no bonde do “flower power”. Novos outros conjuntos surgiram nos Estados Unidos, sobretudo na Costa Oeste americana, e que representariam um novo ciclo no rock dos anos 60. O DC5 ainda logrou boas posições nas paradas britânicas com “Everybody Knows”, “Red Balloon” e “Everybody Get Together”. Dave Clark, que liderava o grupo, aos poucos foi se dedicando mais à produção de programas de tevê, depois do sucesso produzindo seu próprio quinteto Hold On, It's The Dave Clark Five .

Também adquiriu os diretos das transmissões do show de maior popularidade de música jovem, o Ready Steady Go! , e que apresentava sempre os maiores nomes da Swingin' London : Animals, Searchers, Lulu, Fourmost, Kinks, Beatles, Gerry and The Pacemakers e Hollies, entre outros. Muitos fãs entendem que muito do sucesso de Dave Clark como manager e compositor “temporão” também foi responsável pelo fim da banda — que ainda duraria, sem o mesmo brilho do começo, até 1970.

Na década seguinte, Dave Clark e Mike Smith formaram o Dave Clark and Friends. Lenny Davidson virou professor de violão, Rick Huxley empresário de instrumentos musicais e Dennis Payton apenas um músico eventual.

O fato mais curioso envolvendo Dave Clark e o espólio musical de sua banda hoje é que, depois de 1977, ele passou a proibir novas edições de cópias de seus álbuns. Com o surgimento do formato compact-disc , Dave permitiu o lançamento de apenas duas coletâneas em digital, respectivamente nos Estados Unidos e na Inglaterra, em meio a uma onda revisionista de bandas inglesas dos anos 60. No entanto, as faixas foram todas relançadas em mono.

A americana é uma edição dupla, e que inclui todos os singles, ao contrário da inglesa, que é simples, mas com números não incluídos na outra. Muitos colecionadores entenderam que era uma forma de provocar uma avalanche de vendas de cópias — o que realmente aconteceu. Porém, hoje ambas as coletâneas estão definitivamente fora de catálogo. Isso explica, de certa forma, como uma banda que ombreou com os Beatles hoje seja tão pouco conhecida, com relação às suas contemporâneas.

Segundo versões extra-oficiais, trata-se de uma decisão do próprio Dave — e esta draconiana opção resultou em uma série de “lendas” envolvendo o músico com relação à sua obra. E como ele detém a editora musical, nem as gravadoras originais responsáveis pelo lançamento dos seus velhos álbuns (Epic e Pye/EMI) podem fazê-lo. Com o tempo, surgiram dezenas de edições em bootleg, muitas das quais meras cópias mal digitalizadas do vinil original — geralmente em qualidade inferior.

Dos fonogramas lançados em CD nos anos 90, pelo menos as coletâneas de singles chegaram à era do Mp3 e podem ser encontradas pela web afora, e em boa qualidade. Ou seja, o DC5 hoje é uma banda que preexiste fora do mercado, e em coleções de particulares. Já a discografia completa do Dave Clark Five ainda é um mistério para os fãs de todo o mundo, e principalmente àqueles que se interessam pela história do rock.

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terça-feira, 10 de novembro de 2009

Summer In The City


O disco


Há exatos quarenta e três anos, o Lovin' Spoonful lançava a sua obra-prima, o Hums Of Lovin' Spoonful, que seria o seu maior êxito comercial, além do fato que o single do disco, Summer In The City, foi o primeiro e único número 1 nas paradas norte-americanas. O álbum também representou o ápice criativo do quarteto, formado por Zal Yanovski e John Sebastian, no começo de 1965 e que, em pouco tempo, junto com bandas como Beau Brumells, Rascals, Byrds e outros, representou uma espécie de resposta ianque à Invasão Britânica.

Contudo, mais do que isso, a tal resposta musical também seria um retorno às raízes do rock que havia sido negligenciado por todo o começo da década de 60, e que veio com toda a força na versão britânica. O papel das bandas americanas, por sua vez, era a de ratificar isso ou, como diria Bob Dylan, trazer tudo de volta para casa.

O diferencial do Lovin' Spoonful é que o líder da banda, John Sebastian, cresceu no tempo dos saraus acústicos em Washington Square, em Nova Iorque, na época do renascimento do folk. seu pai era um músico do gênero e conviveu com muitos dos músicos da velha geração que cultivava bluegrass e música rural. assim como eles, sebastian criou gosto por isso e com Yanowski, guitarista tão bom quanto subestimado, ele pôde dar vazão á idéia de mistura o espírito desasombrado e burlesco das jug bands com o rock dos Beatles, que ele viu quando os Fab Four se apresentaram no Ed Sullivan, em 1964.

Contratados pela Kama Sutra, um selo alternativo de NY, o Lovin' Spoonful, com a adição de Joe Butler (vocal e bateria) e Steve Boone (baixo), gravaram dois discos excelentes, que iam, de forma inteligente e simples, do folk rural ao good time rock, emplacando sucessos como Do You Believe In Magic, You Baby, Did You Ever Have To Make Up Your Mind? Daydream, You Didn't Have to Be So Nice e Younger Girl.

Hums Of Lovin' Spoonful é, pois, o ápice da experiência do Spoonful em amalgamar várias tendências da música americana dentro do rock — inclusive o country — muito antes dos próprios Byrds, que chegariama esse turning point no Notorious Byrd Brothers.

Outro ponto interesante do álbum é ver que, pela primeira vez, ele é composto basicamente de músicas próprias, trafega por estilos diversos e pôe a prova a versatilidade de Yanovski como (subestimado) guitarrista. Abre com Sittin' Here Lovin' You, um fox com sabor de vaudeville, e que foi gravado até pelo Bobby Darin; Bes' Friends é o típico exemplo de música de jug band: rústica, indisfarçavelmente cômica e com acompanhamento de clarinete. Eles voltam par o rock com Voodoo In My Basement e Sebastian aparece com a flavoured country Darlin' Companion que, dois anos mais tarde, entraria para o repertório de ninguém menos que Johnny Cash, no clássico At San Quentin.

Henry Thomas é outra incursão pelo estilo jug band, e é uma homenagem a um dos pioneiros do gênero (Henry Thomas), autor de Fishin' Blues, que eles também gravaram, no primeiro LP. Full Measure é a deixa para Butler cantar o seu tema no disco (parceria dele com John); Rain On The Roof, uma balada doce e simpática tocada com um violão de 12 cordas e uma harpinha, dando um ar barroco à música, se tornaria outro clássico dos spoonfuls.

Coconut Grove é uma baladinha ligeiramente maliciosa, composta por John e Zal; Nashville Cats, outro clássico da banda, foi uma tentativa de Sebastian em tentar atingir a seção country da Billboard. Pagou o proço de tamanha ousadia mais por ser o pioneiro, mas o resultado é extraordinário: é uma das melhores do disco — principalmente pela introdução feita por Zal numa Telecaster, imitando o estilo de Luther Perkins, o mitológico guitarrista do Johnny Cash.

Se 4 Eyes é uma incursão, e a última no disco, dentre tantas, dessa vez pelo blues, a faixa que encerra o Hums é difícil de classificar — aliás, pode-se dizer que ela foga totalmente ao estilo da banda e é a mais peculiar de todo o repertório do Lovin' Spoonful.


O compacto

O texto de Summer In The City era originalmente um longo poema impressionista beat do irmão de Sebastian, Mark, que ele escreveu para um concurso de Letras. John pegou o texto e o modificou em alguns versos, a ponto de poder pôr-lhe a música. Para o aranjo, eles decidiram utilizar dois órgãos, um Hohner Pianet (tocado por John) e um Vox Continental (que Boone, que criou o interlúdio, o baixo).


Hot town,
summer in the city
Back of my neck
getting dirty and gritty
Been down,
isn't it a pity
Doesn't seem to be
a shadow in the city

All around,
people looking half dead
Walking on the sidewalk, hotter than a match head]

But at night it's a different world
Go out and find a girl
Come-on come-on and dance all night
Despite the heat it'll be alright

And babe, don't you know it's a pity
That the days
can't be like the nights
In the summer
in the city
In the summer
in the city


Summer In The City chegaria ao topo da Billboard e, de quebra, como não poderia deixar de ser, seria o hino do verão (americano) de 1966.


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sábado, 7 de novembro de 2009

A Day In a Life


A capa


O Moody Blues é uma daquelas bandas de R&B britânicas do começo dos anos 60 que eu conhecia só de nome e que tinha dificuldade em encontrar algum disco dela. Um exemplo é o primeiro álbum deles, o The Magnificent Moodies, que eu só conheci muito depois do advento do CD. Isso que, no começo, eles eram realmente uma straight band ao estilo dos Small Faces ou dos Beatles, ligados ao som da British Invasion. Isso que, nessa primeira fase, além do Mike Pinder, Graeme Edge, Ray Thomas, eles contavam com o Denny Laine,que depois, nos anos 70, integraria o Paul McCartney & Wings.

Mas eu falava que eu então conhecia de longe o Moddy Blues e não liguei o nome à música estritamente até que viciei numa versão obscura de Nights In White Satin, gravada pelos brasileiros dos Baobás, num também obscuro disco de 1968. Achava essa canção sensacional, mas não sabia nem que ela era um dos — senão o — maior clássico da banda de Pinder nem que ela encerrava de forma brilahnte um dos maiores álbuns dos anos 60 — o mítico Days Of Future Passed.

A história do disco começou quando um produtor da Decca Records, Hugh Mendl, convidou o Moody Blues a entrar para a nova subsidiária da gravadora, a Deram. O objetivo principal do novo selo era lançar projetos alternativos de easy-listening, com produções sofisticadas e alta tecnologia de gravação, especialmente destinado a um público especializado.

O projeto incial de Mendl com Pinder & companhia era fazer com que a banda fosse solista de um concerto com uma orquestra sinfônica para criar uma versão pop da Sinfonia em Mi Menor, Op. 95 do compositor tcheco Antonin Dvorak, conhecida como a "New World", composta em Nova Iorque, em 1893.

A banda declinou gentilmente da idéia, mas sugeriu à Deram para que eles tivesem pleno controle do projeto, e convenceram o maestro da London Synphony Orchestra, Peter Knight, a criar uma particura especial para um projeto particular deles — e ele topou. Os executivos do selo, que à principio estavam céticos quanto à viabilidade comercial do trabalho, resolveram botar fé nos rapazes: fato é que, depois do sucesso tremendo que foi a hibridização musical de material erudito com o rock, no então recém consagrado Sgt. Pepper's, dos Beatles, pasaram a crer que o Moody Blues poderiam fazer o seu Pepper's.

E assim se deu. O roteiro de Days Of Future Passed é, mais ou menos no estilo de Ulysses, de James Joyce, a história de um dia na vida de um sujeito, desde o amanhecer até a noite, quando ele chega só em casa. Ao contrário de outros trabalhos, menos coesos, o disco do Moody Blues é compacto e bem enfeixado. Por exemplo, a abertura do álbum, The Day Begins, tem, na introdução, trechos de temas musicais que serão retomados nos movimentos seguintes — no mesmo estilo do leitmotiv das óeras de Richard Wagner e Carl Weber.

Dawn - Dawn Is A Feeling começa com um tema pastoral na orqueatra, até a canção filosófica; sempre ao cabo de cada música, a orquestra responde a mesma melodia, sob a forma de interlúdio, até se interligar sutilmente com o tema seguinte. The Morning - Another Morning se inicia numa marcha conduzida pelas flautas, onde a banda entra em resposta e, na coda, o tema prioncipal da marcha perpassa por todas as seções da orquestra, metais, madeiras.

Lunch Break - Peak Hour, a mais roqueira do disco, não orquestrada, é total e completamente influenciada pelo The Who. The Afternoon - Forever Afternoon (Tuesday) se destaca pelo largo uso do mellotron, instrumento que Pinder foi pioneiro em trazê-lo para o rock. Evening - The Sun Set - Twilight Time é quase uma pequena suíte em concerto dentro do disco, onde a orquestra — que faz o ritornello no fim, aparece de forma mais discreta, em favor de teclados e o coro.

O disco finalmente termina com The Night - Nights In White Satin, a piece de resistance do álbum, ia se tornar um sucesso em single tempos depois do seu lançamento, em 1972. A questão é que, quando o disco saiu, em novembro de 1967, não era comum que bandas de rock pop se ariscassem a editar compactos com mais de três minutos. Só depois de experiências como Like a Rolling Stone, Hey Jude e Layla que isso deixou de ser exceção e se tornou regra.

Cinco anos depois, a melancólica Nights In White Satin foi relançado em single e chegou ao primeiro lugar nas paradas da Billboard — se tornando um dos grandes clássicos do rock. No entanto, uma versão breve saiu em 68 e se saiu relativamente bem, cheganndo ao vigésimo lugar nas paradas britânicas, rendendo um clipe promocional, sem a parte da orquestra.


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domingo, 25 de outubro de 2009

King of Delta Blues Singers


Robert Johnson


Quando o Kingston Trio apareceu do nada, no fim dos anos 50, entoando canções do folclore norte-americano, no estilo dos Weavers, acabaram chegando ao topo das paradas. Tal fenômeno acabou provocando, numa progressão fulminante, uma espécie de revival da tradição daqueles artistas do começo do século, todos mal documentados e praticamente esquecidos.

Os Weavers haviam transformadno Leadbelly em astro quando fizeram sucesso em 1949 com a versão de Goodnight Irene: nove anos mais tarde, o Kingston virou moda com uma velha canção tradicional, Tom Dooley, que chegou, de forma surpreendente, ao primeiro lugar na Bilboard no auge do rockabilly.

O fato de artistas tão jovens entoarem canções tão interessantes foi um elo perdido que ligou a guarda velha do folk para os jovens do fim dos anos 50. Claro que aquilo não se transformou numa coqueluche, mas despertou a atenção de toda a mocidade bem letrada e bem vestida que habitava os centros urbanos dos Estados Unidos, principalmente os redutos boêmios e as universidades.

Logo muitos selos começaram a também relançar antigos 78 rotações com artistas como esses, em geral gravados antes da Depressão. Um exemplo clássico foi o Anthology Of American Folk Music. Compilação editada em 52 pela Folkways, era na verdade uma caixa de três long-plays que reproduzia vários daqueles 78 r.p.m esgotados há mais de três décadas. A série ia do blues ao folk, passando pela hillibily e o bluegrass, trazendo dezenas de intérpretes, da Carter Family até Henry Thomas.

O Anthology of American Folk Music virou o evangelho daquela geração. Dick Van Ronk, um dos jovens intérpretes, criados no Greenwich Village no começo dos anos 60, junto com Joan Baez, Phil Ochs, Judy Collins, Fred Neil e Bob Dylan, dizia que eles ouviam aqueles elepês até ficarem rosados de tanto serem varridos pela agulha da vitrola; e escutavam até as “músicas ruins”.

Todavia, se essa compilação foi o evangelho do folk, no rastro desse revival da velha guarda do folclore ianque, em 1961, um colecionador apaixonado por material da antiga desencavou o registro histórico de outro artista mitológico. O nome do tal colecionador era o executivo da Columbia Records, John Hammond e o tal músico esquecido era Robert Johnson.

Como se sabe, lá por 1936, um sujeito chamado H. C speir, andava pelo Missisipi atrás de talentos do blues. Achou Johnson e o indicou a um produtor da Brunsuick para que gravasse algumas canções num estúdio que o selo havia montado em um quarto de hotel em San Antonio, Texas.

Foi uma de duas sessões que ele gravou (a outra foi em Houston), totalizando vinte e sete músicas. Robert chegou a ver Terraplane Blues vir á lume e obter relativo sucesso: o 78 rotações vendeu 5 mil cópias. O resto chegoua ser lançado, sendo que treze temas postuimamente. Johnson morreu em agosto de 1938, com apenas 27 anos. A partir dali, nascia a lenda do rei do blues do Delta.

John Hammond corria atrás daqueles discos raros e há muito tempo fora de catálogo. Quando ele as encontrou, descobriu que os direitos pertenciam a Vocalion. Decidiu adquirir tudo, sem pestanejar.

Quando surgiu o momento ideal, no começo dos anos 60, ele decidiu fazer uma seleção das mais representativas canções de Johnson e pó-las num long-play, lançado agora pela Columbia, dentro de uma séris de discos temáticos que compilavam o melhor do blues e do folk do passado.

Não mais que de repente, o vinil King of Delta Blues Singers, a seleção do autor de Cross Road Blues, assombrou o mundo. Em pouco tempo, aquilo iria assombrar o mundo e mudar os rumos da música. Ninguém havia ouvido nada igual. Quando ele saiu, poucos haviam ouvido Johnson, sendo que três das dezesseis faixas nunca haviam sido editadas.

É notório que o elepê passou batido comercialmente; Robert não iria aparecer na capa da Time como aconteceu com a jovem Joan Baez. Mas um homem que era apenas uma lenda surrealista, agora tinha voz para cantar e ouvidos para ser ouvido. Aquela música iria e foi absorvida — tanto por toda aquela geração quando pelas posteriores.

Da mesma forma pela qual ele foi redescoberto, muitos dos que estavam vivos foram alçados ao primeiro plano: velhos violonistas de blues e de folk que há muito tinham abandonado á música viraram estrelas no palco do Festival de Newport. Outros foram largamente coverizadas e, depois de anos, conseguiram ver a cor do dinheiro por canções que antes estavam flanando somente na tradição oral.

Mississipi John Hurt e Cisco Houston, por exemplo, no fim da vida, puderam gravar um disco. Muddy Waters disse que os Rolling Stones lhe deram uma identidade; Sonny Boy Williamson e Howlin’ Wolf dividiram o palco com roqueiros e foram gravados pelos Yardbirds e o Cream. Contudo, se a nova geração lhes concedeu uma nova identidade, a velha geração forneceu àqueles jovens o essencial: um repertório.

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