quinta-feira, 24 de dezembro de 2009
Bits And Pieces
O Dave Clark Five em 1965
Eles foram os primeiros músicos de rock a empreender uma turnê pelos Estados Unidos. Eles lotaram o velho Carnegie Hall com doze apresentações em três dias. Das bandas inglesas, o conjunto bateu o recorde de shows no Ed Sullivan Show , contando dezoito aparições. Artistas do quilate de Aretha Franklin, Little Richard, Jerry Lee Lewis, Chuck Berry, Roy Orbison, Neil Diamond, Supremes, Sonny And Cher, Young Rascals e Bee Gees abriam os seus concertos.
Eles contam no currículo também seis turnês com gente “até no lustre”, na América. Mais: eles conseguiram emplacar vinte sucessos nas paradas americanas em apenas dois anos. Dois compactos atingiram a marca dos 2 milhões e meio de cópias vendidas, totalizando pelo menos trinta sucessos mundiais.
Alguém aí falou em Beatles? Não, não se trata do mítico quarteto de Liverpool. Eles são o Dave Clark Five, conjunto formado em 1961, cujo líder, Dave Clark, era o compositor principal, baterista e empresário — algo inusitado até então.
Mas inusitado mesmo foi o começo dos DC5. O núcleo original, que girava em torno de Dave, servia como banda de apoio de Stan Saxon, passando por várias formações nos primeiros anos. O quinteto nasceu de um projeto para um grande concerto, visando angariar fundos para o Tottenham Hotspurs Football Club, time do subúrbio do norte de Londres, em 1960.
Para tanto, Dave arranjou uma bateria e aprendeu a tocar na marra. No fim, resolveram levar o grupo adiante. A partir de 1962, ela chegaria à sua formação essencial — não mais como acompanhante de crooner , e com identidade própria, quando assinaram contrato com a Ember/Pye (a mesma gravadora dos Kinks). O quinteto era Dave castigando os couros na bateria, mais Mike Smith (órgão), Rick Huxley (baixo), Lenny Davidson (violão, guitarra solo) e Denis Payton (sax, harmônica, guitarra-base).
Diferente das bandas de blues de Londres, como os Yardbirds, que viviam tocando standards do gênero, e do skiflle passado a limpo do Merseybeat, conjuntos que tocavam essencialmente rityhm n' blues e que tentavam disfarçar o sotaque interiorano de Liverpool ensaiando covers do rock dos anos 50, o Dave Clark Five se formou num rock que amalgamava o fundamento do elementar guitarra-baixo-bateria com um som visceral. Para tanto, incluíram um sax barítono, um órgão e uma bateria característica e excessivamente hardcore.
Clark, que ensaiou a fundo para o concerto de caridade do Tottenham, resolveu ir até o fim. Mas, para ser a figura de proa da banda estando lá atrás dos outros músicos, ele decidiu chamar a atenção no grito. Para tanto, se ele não era um exímio e refinado percussionista, Dave era a moldura sonora do DC5, cujo toque final ficava por conta da voz rouca e rascante de Mike Smith.
O começo foi complicado. O primeiro single, uma cover dos Contours, “Do You Love Me”, foi abafada pelo sucesso da mesma música, que estourou nas paradas com uma versão histriônica do Brian Pole and The Tremeloes. A lição foi importante: a partir de então, eles não apenas apresentariam uma sonoridade própria, mas também defenderiam as suas próprias canções — isso muito antes das demais bandas inglesas, que viviam de versões e mais versões do então jovem e refugado rock ianque. Fato um tanto inusitado: os Beatles só lançariam um disco com faixas próprias três anos depois.
Dave Clark também era inusitado como líder da banda — porque ele também era o empresário e detentor da editora musical dos DC5. A despeito do romantismo das bandas de rock daquele tempo, eles também tomavam conta da loja. E mesmo que esse desvelo pecuniário parecesse ir contra a criatividade do quinteto, naquele momento, era a força motriz que viabilizava a banda. Apesar do começo titubeante, o single “Glad All Over”, lançado em fins de 1963, chegaria a um recorde memorável; em janeiro de 1964, ou seja, em pleno advento da Beatlemania , deflagrada por “I Want to Hold Your Hand”, dos cabeludos de Liverpool, atingiria o topo da parada britânica, mandando John, Paul, George e Ringo, que eram os inexpugnáveis primeiros colocados por seis semanas a fio, para a segunda colocação. Por muito tempo, o Dave Clark Five foi a única banda inglesa que conseguiu tal façanha.
“Glad all Over”, um número simples porém eficiente como “hit single”, seria, junto com “Bits And Pieces”, um dos símbolos da então nascente “era beat”, e que possibilitou que a banda tivesse “cacife” para enfrentar os Beatles em terras americanas, no começo daquele ano.
Junto com os quatro de Liverpool, o DC5 dava mostras que tinha condições de lançar discos de própria autoria, ombreando com os “reis do iê iê iê”. E na onda dos filmes como o A Hard Day's Night , o DC5 também entrou na moda (junto com o Herman's Hermits e o Gerry And The Pacemakers) dos band-movies com Having a Wild Weekend , que também seria a estréia de John Boorman (que seria o diretor de O Exorcista II ).
A condição de segunda banda inglesa na “invasão britânica”, o sucesso instantâneo jogou todos os holofotes em cima do quinteto londrino, permitindo um número 2 nas paradas inglesas, com “Bits And Pieces”. Contudo, muitos consideram hoje o Dave Clark Five uma banda de compactos, ainda que alguns de seus álbuns tenham o seu devido destaque — inclusive no Brasil, onde o velho original Session (aqui lançado pela Odeon, no tempo das velhas capas-sanduíche), que contém canções como “Zip-a_dee-doo-Dah”, e “On Broadway” é disputado a tapas em sebos, junto com o Catch Us If You Can (1965), o Five By Five (1965) e o Everybody Knows (1966) — todos outrora lançados no Brasil e atualmente fora de catálogo.
Além de “Glad all Over”, o quinteto emplacou sucessos que, se não embalaram tanto as festinhas nos anos 60, eram as preferidas do pessoal que gostava de rock para ouvir, e que cabem perfeitamente numa grande antologia.
Por exemplo, a balada “Because”, que abre o American Tour (1964), um dos melhores discos da banda. “Any Way Wou Want It”, single do álbum Coast to Coast (1965), que permaneceu nas paradas americanas por vinte e uma semanas, chegando ao sexto lugar entre os discos mais vendidos. Mesmo considerada produto típico da música ligeira e comercial de então, “Any Way..” é singular pela percussão pesadíssima para a época, e vocais com phasing (algo como um eco induzido de forma mecânica), recursos que seriam largamente utilizados por bandas do final da década.
Já o neo-twist “Cant'You See That She's Mine”, do Return! , que soa como uma resposta à “I Saw Her Standing There”, atingiu o quarto lugar nos Estados Unidos.
Aliás, como poucas bandas inglesas, o Dave Clark Five era um conjunto fadado ao sucesso comercial na América. Poucas souberam explorar tão bem o marketing ao seu favor — exceto, é claro, os Beatles. As aparições no popular Ed Sullivan foram fundamentais para a sedimentação da música dos DC5 na terra do Tio Sam. O visual da banda também era bem cuidado aos limites do dandismo, e por isso, diversa das demais, contrastando a imagem imberbe dos integrantes (sempre ternos preto, camisa e gravatas brancas) interpretando canções pop ligeiramente pesadas com a tradicional levada “de garagem” das baquetas.
Mas, a despeito da boa qualidade dos álbuns, o pièce de resistance do quinteto era os compactos, sempre contendo material de própria autoria e amplamente divulgado pela televisão. Entre 1964 e 1967, foram quinze deles, sempre bafejando o topo das paradas. A sua versão para “You Got What It Takes”, contudo, seria o último single a chegar entre as dez maiores, em 1967.
O fim no começo
Nesse meio tempo, as coisas estavam mudando no mundo da música. Com o surgimento do psicodelismo, Dave Clark resolveu não embarcar no bonde do “flower power”. Novos outros conjuntos surgiram nos Estados Unidos, sobretudo na Costa Oeste americana, e que representariam um novo ciclo no rock dos anos 60. O DC5 ainda logrou boas posições nas paradas britânicas com “Everybody Knows”, “Red Balloon” e “Everybody Get Together”. Dave Clark, que liderava o grupo, aos poucos foi se dedicando mais à produção de programas de tevê, depois do sucesso produzindo seu próprio quinteto Hold On, It's The Dave Clark Five .
Também adquiriu os diretos das transmissões do show de maior popularidade de música jovem, o Ready Steady Go! , e que apresentava sempre os maiores nomes da Swingin' London : Animals, Searchers, Lulu, Fourmost, Kinks, Beatles, Gerry and The Pacemakers e Hollies, entre outros. Muitos fãs entendem que muito do sucesso de Dave Clark como manager e compositor “temporão” também foi responsável pelo fim da banda — que ainda duraria, sem o mesmo brilho do começo, até 1970.
Na década seguinte, Dave Clark e Mike Smith formaram o Dave Clark and Friends. Lenny Davidson virou professor de violão, Rick Huxley empresário de instrumentos musicais e Dennis Payton apenas um músico eventual.
O fato mais curioso envolvendo Dave Clark e o espólio musical de sua banda hoje é que, depois de 1977, ele passou a proibir novas edições de cópias de seus álbuns. Com o surgimento do formato compact-disc , Dave permitiu o lançamento de apenas duas coletâneas em digital, respectivamente nos Estados Unidos e na Inglaterra, em meio a uma onda revisionista de bandas inglesas dos anos 60. No entanto, as faixas foram todas relançadas em mono.
A americana é uma edição dupla, e que inclui todos os singles, ao contrário da inglesa, que é simples, mas com números não incluídos na outra. Muitos colecionadores entenderam que era uma forma de provocar uma avalanche de vendas de cópias — o que realmente aconteceu. Porém, hoje ambas as coletâneas estão definitivamente fora de catálogo. Isso explica, de certa forma, como uma banda que ombreou com os Beatles hoje seja tão pouco conhecida, com relação às suas contemporâneas.
Segundo versões extra-oficiais, trata-se de uma decisão do próprio Dave — e esta draconiana opção resultou em uma série de “lendas” envolvendo o músico com relação à sua obra. E como ele detém a editora musical, nem as gravadoras originais responsáveis pelo lançamento dos seus velhos álbuns (Epic e Pye/EMI) podem fazê-lo. Com o tempo, surgiram dezenas de edições em bootleg, muitas das quais meras cópias mal digitalizadas do vinil original — geralmente em qualidade inferior.
Dos fonogramas lançados em CD nos anos 90, pelo menos as coletâneas de singles chegaram à era do Mp3 e podem ser encontradas pela web afora, e em boa qualidade. Ou seja, o DC5 hoje é uma banda que preexiste fora do mercado, e em coleções de particulares. Já a discografia completa do Dave Clark Five ainda é um mistério para os fãs de todo o mundo, e principalmente àqueles que se interessam pela história do rock.
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