domingo, 23 de agosto de 2009

It's Smoke Time!



A vez primeira que eu ouvi falar do The Smoke (acima) foi numa coletânea random pirata, tosca mas muito bem bolada, feita por um sebo daqui de Porto Alegre, chamada Best Of Underground Light. A seleção, inspirada num programa que o próprio dono da loja levava ao ar na Unisinos FM de São Leopoldo, tinha mais ou menos o espírito do que se convencionou chamar de Nuggets, ou seja, bandas obscuras — e subestimadas — dos anos 60.

Naqueles tempos pré-internet, se já era quase tarefa de gincana achar esse tipo de material de alternative rock sessentista, imagine conseguir qualquer informação a respeito deses conjuntos que, em geral, mal emplacavam singles o suficiente para fechar um long-play.

Aquela seleção que eu tive em mãos dava um apanhado geral do que se fazia além do mainstream da época, principalmente bandas do fim dos anos 60, como It's a Beautiful Day, Laghonia (peruana, por incrível que pareça), Nirvana (o original), Argent (projeto que o tecladista dos Zombies, Rod Argent, criou após a dissolução do quinteto) e o The Smoke, além de muitos outros.

Muito tempo depois eu fui conseguir um disco do The Smoke — o único, aliás, que saiu em 1967. A minha surpresa é que eu sempre tive referências à eles como uma banda alemã, mas depois fui ver que eles eram ingleses de York, e tiveram várias formações, a mais conhecida delas se intitulava Five Chords.

O curioso era justamente isso: a banda emplacou a maioria dos seus sucessos na Europa Continental, embora tivesse uma imagem fortemente vinculada à Swinging London e à banda do estilo do Small Faces ou até do The Who, embora o Smoke fosse mais eclético e com uma linguagem rock menos agressiva e bem mais pop.

No começo, eles eram capitaneados por Mick Rowley e Phil Peacock, num duo chamado Moonshots, depois apenas The Shots. Com o advento da Invasção Britânica, eles mudaram o som de R&B para algo mais próximo do mod. Formaram um quinteto e conseguiram um contrato com um produtor independente, que conseguiu levá-los ao disco pela Columbia inglesa. Descontente com as mudanças, Peacock saiu do Smoke, e eles permaneceram como quarteto, com Mal Luker na guitarra base, Zeke Lund no baixo e Geoff Gill na bateria.

Trocaram de empresários, e assinaram com Ron e Reg Kray que, para azar deles, tinha boa fama no submundo inglês, e não entendiam nada de música. Logo, o Smoke teve extrema dificuldade em conseguir tocar em clubes londrinos, dado a incúria da dupla de gângsters. Sorte que, com o acordo firmado com o editor musical, Monty Babson, eles tinham copa franca para compor e ensaiar em seu estúdio — uma disponibilidade de equipamento e de tempo de estúdio que talvez só os Beatles tivessem.


Promo de My Friend Jack

Foi nessa época que eles mudaram de nome para The Smoke e criaram o seu maior sucesso, My Friend Jack, bem ao estilo agressivamente mod daqueles meados dos anos 60 e que mais tarde seria rotulado como punk psicodélico — referências à drogas, distorção e power chords à cotoveladas. Para azar deles, o compacto saiu em fevereiro de 1967, e foi abafado pelo suceso de Penny Lane/Stawberry Fields Forever, chegando apenas ao 45 lugar e, para piorar, por causa da letra, My Friend Jack foi banida da BBC, e ficou apenas três semanas nas paradas.

A sorte deles foi que a música estourou na Áustria, na França, na Suécia e fez sucesso suficiente na Alemanha, aponto do quarteto ser convidado a tocar no Beat Club, programa de tevê local, ao lado de Jimi Hendrix, The Who, Cliff Bennett & the Rebel Rousers. De quebra, ainda conseguiram uma turnê pelo país, junto com o small Faces e os Beach Boys naquele verão.

Tamanho sucesso exigiu que eles lançassem um disco por lá. E baseado na quantidade de material que eles haviam exaustivamente ensaiado e gravado no estúdio de Babson, em 1966, saiu o It's Smoke Time, um interesante crossover entre a psicodelia e o pop rock, com alguns momentos além do gênero, como em If The Weather's Is Sunny, uma quase Bossa Nova, que é sem dúvida uma das melhores do LP e que, no entanto, é totalemnte subestimada. Após o disco, eles se radicaram msucialmente na Alemanha e conseguiram assinar contrato com Chris Blackwell que, no entanto, queria que eles voltassem a gravar na Ilha. O Smike declinou e isso fez com que a história deles como banda inglesa fosse refugada para sempre. Mick Rowley ficou no continente e os demais viraram músicos de estúdio de Monty Bobson, em Londres.

My Friend Jack se tornaria sucesso do grupo de eurodance Boney M, em 1976. O único disco do Smoke, It's Smoke Time, ficou anos esgotado e só seria relançado em formato digital no fim dos anos 90.


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sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Ferry Cross The Mersey



Esse é o nome do filme e da trilha sonora original (foto) de mesmo nome — aqui no Brasil, a película foi solenemente intitulada de Os Frenéticos do Ritmo. O musical é estrelado por um quarteto de Liverpool, Inglaterra: Gerry And The Pacemakers. Eles surgiram bem na mesma época dos Beatles, e chegaram a dividir o palco com eles diversas vezes, antes do advento da Beatlemania.

Formado originalmente por Gerry Marsden (guitarra e vocal), Freddy Marsden (bateria), Les Maguire (piano) e Les Chadwick (baixo), eles estouraram nas paradas britânicas um pouco antes dos Fab Four. Também empresariados por Brian Epstein, eles gravaram uma canção (de Mitch Murray), chamada How Do You Do It, que foi recusada pela banda de John Lennon. O compacto foi primeiro lugar. Na sequência, eles enfeixaram mais dois: Away From You e I Like It.

Com isso, se tornaram celebridades da noite para o dia, puderam lançar um álbum — o How Do You Like It? — e conseguiram passagem reservada na Invasão Britânica. Catapultados ao estrelato e com visibilidade nos Estados Unidos (apareceram no Ed Sullivan Show), sob os auspícios do intrépido Epstein, depois dos Cavaleiros de Sua Majestade Britânica, eles foram convidados pela United Artists a estrelarem um longa.

Tanto o filme quanto o disco, aqui no Brasil, são muito difíceis de se encontrar. Como os dois únicos discos do Gerry And The Pacemakers aqui foram lançados pela Fermata, uma subsidiária da Odeon, depois que ela fechou, os fonogramas foram todos para o arquivo morto, e os dois discos estão esgotados há mais de quarenta anos.

Eu cheguei a topar em sebos todos os LPs dos Pacemakers lançados aqui, em 1964 e 65, respectivamente. A Fermata era uma liliputiana subsidiária da Odeon e que não tinha o mesmo approach mercadológico da irmã mais velha. Além disso, tinha em seu cast artistas quase obscuros ou subestimados pela Odeon. Para piorar, a qualidade da prensagem dos discos era inferior à da Odeon, mais parecida com a da Victor brasileira, ou seja, de qualidade de som regular prá ruim. O incrível é, depois de passar anos ouvindo o LP original em mono, escutar a versão digitalizada e ter a sensação de estar ouvindo outra coisa: faixas como This Thing Called Love ou I Love You Too com voz dobrada.

Ao contrário do que acontece na Europa, onde pequenos (porém eficientes) selos conseguiam direito para relançar material como esse — coletâneas de conjuntos dos anos 60 em geral ou discos esgotados e de importante valor histórico, aqui, por limitações comerciais e falta de visão (de interesse, eu diria) de mercado fizeram com que a única saída para a imensa maioria dos colecionadores fosse importá-los. Pelo menos, quando esse fenômenos tomou vulto, pelo começo dos anos 90.

Mesmo depois do advento da era do compact disc, a gravadora deles aqui (a EMI) não se interessou em lançar coletânea nenhuma do quarteto, ao contrário do que aconteceu, por exemplo, com seus co-irmãos ingleses, o Herman's Hermits e os Hollies que, ao contrário dos Pacemakers, conseguiram fazer mais sucesso em terras brasileiras. Os Hermits, aliás, fizeram sucesso suficiente a ponto de realizarem uma turnê aqui, em 1970 — mas isso é assunto para outra post...

No caso do Gerry And The Pacemakers, além do fato dos dois LPs aqui lançados permanecerem fora de catálogo, as únicas coletâneas que apareceram são de material "frio", ou seja, regravado pelo próprio conjunto, nos anos 80 (com outra formação, embora as capas enganem) e que saiu no Brasil pela extinta Brasidisc, um dos poucos selos — senão o único — que se interessou em se debruçar sobre esse material perdido dos anos 60 (e 50), mas que teve vida curta, já que ela acabou sob os escombros de um incêndio na própria fábrica, nos anos 90.

Ferry Cross The Mersey foi, sem dúvida, o ápice criativo do quarteto inglês. Marsden, o compositor da banda, queimou pestanas porque teve que fazer toda a parte deles no tocante à trilha sonora do filme. A história ia se passar em Liverpool. Reza a lenda que ele ficava por horas a fio diante do Mersey, buscando inspiração para a música tema. E nada.


Cartaz do filme

Ela acabou surgindo inesperadamente num átimo, quando ele estava no volante do seu carro, esperando a namorada para jantar. Saiu correndo para casa, com cara de "eureka", pegou a guitarra, lápis e papel, e assim nasceu Ferry Cross The Mersey, certamente a sua canção mais famosa — principalmente aqui no Brasil. No enbalo, ele escreveria as outras nove (apenas nove entrariam na película). O outro sucesso — e canção que abre o musical, é It's Gonna Be Alright (outro grande sucesso aqui, em 1965), e que teve a honra de ser regravada em versão brasileira pelo Renato e Seus Blue Caps (Você Não Soube Amar).

A música nada mais é que uma sublime declaração de amor àquela cidade, que fica ao noroeste da Inglatera, à margem esquerda do estuário do famoso rio. Os ferry boats, que fazem parte da moerna paisagem natural da cidade, realizam o transporte entre o Pier Head, em Liverpool e Woodside e Wallasey, do outro lado do Mersey.

People around every corner
They seem to smile and say
We don't care what your name is boy
We'll never turn you away

So I'll continue to say
Here I always will stay

So ferry 'cross the Mersey
'cause this land's the place I love


Ferry Cross The Mersey foi o ápice dos Pacemakers porque, depois da primeira onda da British Invasion, o pop mudou, e o quarteto de Gerry não conseguiu emplacar mais nada nas paradas ianques.

A Columbia (o selo deles na Inglaterra) não se interessou em lançar um terceiro álbum e muito do que foi lançado posteriormente por eles (em singles), junto com material esparso de EPs viraram discos "póstumos" nos Estados Unidos e, principalmente, no Canadá — onde a Laurie chegou a lançar um quarto disco, o Girl On a Swing, que não saiu em nenhum outro lugar do planeta. em 1966, o Gerry and The Pacemakers acabou, junto com toda a cena de Liverpool que emergeu lá por 1961-2 e que havia ganhado o mundo.



Os Pacemakers entraram no filme com apenas nove músicas porque a trilha sonora dos Frenéticos do Ritmo fechava em doze temas sendo, fora estas, um instrumental, a cargo da orquestra de George Martin (sim, ele era o produtor deles), a interessante All Quiet On The Merseyfront, uma com Cilla Black (uma das clássicas burtbacharachetes, Is This Love) e The Fourmost (I Love You Too). Na edição americana da trilha do filme, Cilla (que seria a primeira intérprete de Alfie) e o Fourmost foram suprimidos em favor de artistas de lá, e a capa original — com Marsden posando diante do rio Mersey sob um plúmbeo céu de chumbo — por uma capa sem graça, com uma foto da banda tocando no Cavern Club.




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segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Os 40 anos de Easy Rider




Esse é um dos discos que fez com que eu passasse a ouvir o rock sesentista do final da década — Eletric Prunes, Byrds, Hendrix, The Band, Country Joe, Canned Heat, Steppenwolf e congêneres. Ele me caiu em mãos de uma forma meio insólita: a mulher do zelador do prédio o abandonou e ele, de raiva, pôs toda a coleção de discos na lata do lixo.

Quando eu vi, não consegui acreditar. Então o porteiro me contou a história toda. Achado não é roubado, peguei o que se salvava da coleção e a trilha sonora do cult Easy Rider (foto) e que, asim como Woodstock, foi um fenômeno da contracultura (inesperado, pelos produtores, já que nenhum estúdio acreditou na produção) e que, assim como o Festival, esse ano fez 40 anos.

Quem criou a trilha foi o editor do road movie, Donn Cambern, que, enquanto trabalhava no filme, ouvia boa parte da sua coleção de discos e, ao invés de uma trilha para o longa, ele optou por uma seleção de canções da época.

Bob Dylan foi convidado a contribuir com uma faixa, It's Allright Ma (do Bringing All Back Home, de 1965), que foi utilizada na cena em que Peter Fonda (no filme, Wyatt) na cena em que ele pergunta à uma estátua da Virgem num cemitério, — como se interpelasse para sua mãe — por que ela "o abandonara".

(Parêntese: Peter não queria fazer tal cena de forma alguma, porque sua mãe, Frances Ford Seymour, havia se suicidado num sanatório. Porém, depois de muito esforço, Dennis Hooper — que queria usar a música justamente nesse momento — o convenceu a atuar).

Como Dylan não quis, Camben convidou Roger McGinn, dos Byrds, para que ele a interpretasse. Dylan apenas interviu mudando a letra, e depois a deu para Roger. Sua versão é mais rápida e mais curta do que a original, porém expressiva. McGinn também fez uma versão Ballad Of Easy Rider (mais bonita que a do álbum homônimo, de 1969) especialmente para a película.

Já os Byrds aparecem num tema, Wasn't Born To Follow (Carole King, que eles coverizaram no Notorious Byrd Brothers). A música passou batido na época do lançamento mas, em Easy Rider, virou mítica.

Dispensaria comentários citar os canadenses do Steppenwolf, que aparecem com The Pusher (na cena do tráfico), do country singer Hoyt Axton (também autor de Greenback Dollar) e com Born to Be Wild (créditos), do álbum de estréia da banda, de 1968.

O curioso é que, mesmo que no filme, The Weight apareça com a The Band, na trilha sonora, por problemas de liberação do fonograma original (a Capitol não liberou), eles optaram por colocar uma versão com o Smith (que mudou o tom original da música, de Lá para Sol Sustenido), que havia tido relativo sucesso (apenas um) com uma versão de Baby It's You, do Burt Bacharach. Na edição de luxo, lançada em CD, em 2004, a versão da The Band aparece no disco, junto com outros clássicos dos anos 60, como Get Together, Groovin e A Whiter Shade Of Pale, entre outros.

O Experience aparece com If Six was Nine, do Jimi Hendrix (do Axis: Bold As Love, de 1967), a segunda faixa do Lado B. Impressionado como resultado do filme, ele resolveu compor uma canção sobre o tema, Ezy Rider, que sairia no seu disco póstumo, Cry Of Love.

Destaque para os "coadjuvantes": he Holy Modal Rounders, um duo de folk psicodélico nova iorquino, toca If You Want To Be a Bird, do seu quarto disco, The Moray Eels Eat The Holy Modal Rounders (de 68), quando eles contavam com a participação de sam Shepard, que depois viraria ator. Fraternity of Man, com Don't Bogart Me (a expressão naturalmente remete ao hábido do Hunphrey Bogart de pendurar o cigarro na ponta dos lábios. Como os americanos criam verbo para tudo, inventaram o to bogart, que seria algo como ego´pisticamente não passar o "pito para o próximo", ou seja, fica subentendida o espírito da coisa). Nada gratuito, já que atores e produção fumaram juntos toneladas de maconha durante as filmagens...

Por último, o Kyrie Eleison é um excerto da versão psicodélica dos californianos do Eletric Prunes no quarto disco, Mass in F Minor, com coleboração com um arranjador eminentemente experimental e (portanto) pouco conhecido aqui, David Axelrod, que escreveu a partitura. O Kyrie é a abertura da missa.


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segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Cry For a Shadow


Capa da primeira coletânea do quinteto


O leitor conhece "Cry For a Shadow", dos Beatles? É uma homenagem à banda de rock mais popular da Inglaterra antes dos Beatles e a primeira do gênero a alcançar o topo das paradas britânicas — e tocando somente números instrumentais.

E "Cry For a Shadow" é uma brincadeira com o estilo do quinteto de Hank Marvin, já que os Beatles eram um quarteto instrumental — muito embora, havia o detalhe: assim como os Shadows, quando eles gravaram essa canção, em 1961, John Lennon e companhia eram o backing de Tony Sheridan (como Cliff Richard era o crooner), ou seja, no fim das contas, atuavam também como banda de apoio...

Para quem não conhece os Shadows, que têm uma extensa discografia, essa coletânea é um excelente parâmetro para medir o impacto do pioneiro quinteto inglês no universo do rock. Me lembro que era quase impossível achar qualquer compilação do cunjunto por aqui e, como sempre, era preciso recorrer à CDs importados a preços escorchantes, em importadoreas e sebos por aí.

Bem, lá por 1996, a EMI lançou aqui uma série, a Gold Collection, que exumava boa parte do catálogo antigo da gravadora, mas em coletâneas que eram mais para pegar aleatório e, como sempre, saíam de catálogo facilmente. Na série, saiu um disco dos Shadows, mas a seleção musical deixa a desejar.

Pega mais as canções que, via de regra, pagavam tributo mais ao gosto do ouvinte comum (e que eram mais conhecidos dos brasileiros, lógico) do que se debruçar em singles de carreira. Mas os Shadows eram mais do que uma coletânea: é impossível não querer correr atrás dos outros LPs originais, porque é puro easy listening (música de tiozão), cai no ouvido feito uma luva.

E o segredo era justamente esse: na mesma forma dos conjuntos de jazz, eles utilizavam uma base elementar com bateria, baixo, guitarra-ritmo e solo que destilava uma sonoridade que transcendia a esfera roqueira rockabilly e boogie woogie para reelaborar outros estilos em canções de arranjos sofisticados, e que iriam influenciar a música nas décadas seguintes.

Ao contrário dos conjuntos que acompanhavam crooners na década de 50, os Shadows trabalhavam como cinco instrumentistas concentrados nos arranjos. Claro que eles não fugiram à regra: no começo da carreira, acompanharam Cliff Richard (nem os Beatles escapariam de bancarem a banda de fundo, no princípio). Mas foi como banda instrumental que eles criaram uma legião de imitadores confessos — inclusive no Brasil, como os Jet Blacks, os Clevers e os Jordans.

Nesse meio tempo, houve a “revolução” da guitarra-baixo. Na década de 50, bandas de rock usavam os gigantescos contrabaixos de jazz, os “rabecões” que até faziam o solista roubar a cena, girando-o ou marcando o ritmo, não sem estrépito.

Da mesma maneira, o novo formato permitiu a disseminação de pequenos conjuntos, já que o baixista não precisava carregar o peso morto dos velhos “contrabaixões”. A formação clássica do grupo começava com Hank Marvin na guitarra-solo (aquele com o aro dos óculos estilo Buddy Holly), Tony Meeham (depois Brian Bennett) na bateria, Jet Harris (substituído por John Rostill) na guitarra-ritmo e John Farrar no baixo.

Tudo começou em 1958, quando Hank Marvin viajou de Newcastle para Londres, a fim de tentar a sorte com um grupo chamado Railroaders, num reles concurso de novos talentos na capital inglesa. Conseguiram o terceiro lugar, ficando atrás de um quarteto de jazz e uma cantora lírica. Foi lá que Marvin conheceu Brian que, à época, castigava os couros no The Velvets.

Após as apresentações, os demais integrantes dos Roaders voltaram para casa. Decidido a seguir como profissional, Hank ficou na capital para tentar a sorte.

Com Bennet e mais dois músicos que ele conheceu no certame, eles formaram os Five Cesternuts, liderados por Pete Chester. Chegaram a editar um compacto (“Teenage Love” / “Jean Dorothy”) e apareceram na televisão, mas não foram além disso.

As coisas mudariam no fim do ano. Cliff Richard, que fazia sucesso com “Move It”, estava agendado para cantar numa turnê com o duo norte-americano The Kalin Twins. Seu empresário procurou outro band-leader da época, Tony Sheridan (ele mesmo), pois precisava de um guitarra solo para o seu grupo de apoio, The Drifters. Terminaram assinado com Hank para a turnê.

Mesmo que o baixista original fosse Paul Samwell, ele foi logo substituído por Jet Harr. Desta forma, o conjunto assinou com a mesma gravadora de Richard, a Columbia. Tudo pronto, exceto por um detalhe: o nome.

Batizados em homenagem aos americanos do The Drifiters (“Under the Boardwalk”), quando Hank e sua turma ainda eram apenas músicos obscuros, agora eles corriam o risco de serem processados por seus ídolos, que começavam a fazer sucesso na Inglaterra àquela época.

Como eram apenas o “grupo de apoio” de Cliff, escolheram o nome The Shadows (sombras). À medida em que o acompanhavam, eles corriam por fora, lançando alguns compactos solos. O primeiro, com vocais (“Feelin' Fine” / “Don't be a Fool with Love”).

A partir do segundo, fariam apenas instrumentais, com a Stratocaster de Marvin como solista. Foi quando gravaram a clássica “Apache”. Um daqueles temas, típico de filme de faroeste, como aquelas cavalgadas de épicos western, estilo Hugo Montenegro ou Enio Morricone, atingiu o topo das paradas, surpreendendo a todos.

Mais: de cara, ficou seis semanas em primeiro lugar na Inglaterra, e só não conquistou a América porque o cantor Jorgen Ingmann pegou “Apache” e lançou em compacto simples nos Estados Unidos, frustrando qualquer chance de repetir o feito inglês de ser o número um na terra do Tio Sam. Quis o destino que os Beatles tivessem essa primazia, com “I Want to Hold Your Hand”, em 1964.

Lançado em 1960, “Apache” serie o debut de uma série de sucessos. Até 1963, os Shadows emplacariam mais cinco vezes no primeiro lugar (“Apache”, “Kon-Tiki”, “Wonderful Land”, “Dance On” e “Foot Tapper”) e permaneceriam nas paradas por sete longos e produtivos anos. O primeiro disco sairia em 61.

Outra marca importante: foi a primeira vez em que um grupo daquele estilo conseguia liderar a parada com um Long-Play — fato antes apenas conseguido por artistas de renome, como Nat King Cole ou Frank Sinatra, por exemplo.

Foi um pequeno passo que mudaria a concepção de música popular. Inspirados por eles, várias bandas de rock inglês resolveram decretar o fim daquele velho estilo “baixo-contínuo” de acompanhar crooners (alguns ligeiramente cafonas) que guardavam para si os louros da fama, enquanto os músicos do “trabalho sujo” ficavam sempre em segundo plano.

Os Shadows encheriam dezenas de discos com covers, regravações, inclusive muitas de outros estilos, mas sempre com o toque pessoal deles. Parte do repertório da banda se revezava entre o rock tradicional (“Runaway”, “The Wanderer”) e trilha sonora de western (“The High and the Mighty”, “The Savage”), esta talvez a mais convincente de todas. Por último, havia o exótico em reinventar velhas canções tradicionais que não tinham mais a ver com Matt Monro do que com Elvis, como fazia Frank Pourcell.

Muitos dos seus cultores pagam tributo a um quinteto que definiu uma forma de o guitarrista solo se sobrepor como músico, além de deixar uma marca registrada que era o retrato de uma época em que o rock se reciclava do rescaldo dos conturbados e rebeldes-sem-causa anos 50 para ganhar o mundo novamente. — Desta vez, para sempre.


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sábado, 8 de agosto de 2009

O disco "brasileiro" de Trini Lopez


A capa

Trini Lopez não é muito lembrado hoje em dia, mas ele fez um tremendo sucesso nos anos 60, especialmente no Brasil, onde ele liderou as paradas com suas canções em espanhol. Trini tocava no PJ em Los Angeles, quando foi descoberto por Don Costa.

O maestro achou incrível que um artista chicano com versões 'modernas' de boleros e mariachis conseguia lotar a boate e fazer com que centenas de pessoas cantassem La Bamba junto com ele.

Além disso, ele criou versões singulares de canções como If I Had A Hammer, do Pete Seeger, e America, do musical West Side Story. Foi prontamente contratado pela Reprise, selo fundado por Frank Sinatra no começo dos anos 60. Costa queria que Lopez transformasse os highlights do seu show em disco, e assim nasceu o PJ's, que ganhou uma sequência, mais ou menos no mesmo estilo do Whisky a Go Go, do Johnny Rivers.

A partir de 1964, Trini lançou vários discos temáticos, como o Rhythm and Blues Album, o Folk Album, Love Album e o que mais fez sucesso no Brasil (nos tempos da Jovem Guarda), o Latin Album. Claro que, pela proximidade da língua e o gosto que brasileiro tem por boleros(mais ou menos como ocorreu com Nat King Cole nos seus discos em espanhol), o Latin Album ficou meses no topo das paradas da TV Intervalo (alguém lembra?).

Desse disco são os clássicos - especialmente na voz dele, Perfídia, Angelito e Quando Calienta El Sol. Lopez regravou Granada (que já aparecia no PJ's, porém cantado em inglês. Além de El Reloj, Chamaka e Piel Canela. Outra que fez bastante sucesso, Angelito, chamaa atenção por ter um baixo fuzz, e Adelita, com um trabalho acústico incrível

O sucesso foi tanto que a maioria da discografia da Reprise saiu de catálogo, exceto o Latin Album, que foi reeditado várias vezes, porém a muito custo saiu em versão digital no Brasil.

Aliás, como não poderia deixar de ser, é praticamente impossível achar seus LPs originais em CD. E como não foram reeditados os outros, a maioria das cópias que as pessoas encontram em sebos são discos de época, ou seja, bastante raros.

Alguma coisa chegou a sair, mas geralmente fonogramas eram lançados em gravadoras fantasma, que apareciam e desapareciam do mercado. Ou, pior: eram regravações que ele fez nas décadas seguintes, e saiam em coletâneas pouco interessantes.

Assim como o PJ's, o Latin Album também ganharia uma sequência.




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sexta-feira, 31 de julho de 2009

Queimando Tudo


Capa do Live at Star Club

Depois do escândalo envolvendo sua vida pessoal e o casamento com sua prima de segundo grau, Jerry Lee Lewis sofreu uma espécie de suicídio cultural. Foi banido da memória musical da conservadora, bizantina e calvinista América dos anos 50. seus discos não eram mais produzidos, não mais vendiam e só tocavam no programa do mítico DJ Allan Freed, que foi o único do meio que abraçou a causa do cantor e pianista, nascido no sudeste dos Estados Unidos.

Lewis chamou a atenção por fazer uma espécie de crossover entre o country e o boogie, porém tocando de forma mais vigorosa e entusiástica. Além do mais, mesmo sendo convencido a desistir do piano e tocar guitarra, como todo mundo fez quando nasceu o rockabilly, Jerry Lee foi até o fim, com todas as forças.

O resultado é que ele conseguiu uma vaga como músico de estúdio na Sun Records. Tocou com Cash e Carl Perkins — o piano de Marchbox é dele. Ou seja, Lee praticamente foi um dos pioneiros na consolidação do instrumento dentro do rock.

Porém, Lewis foi julgado pela sua forma despojada de tocar e pela suposta lascívia de algumas letras, como Whole Lotta Shakin' Goin' On, o que era comum com boa parte dos roqueiros daquele tempo. Little Richard, que copiara o penteado igual ao do Esquerita (um topete do tamanho de um chapéu coco), provocava um misto de escândalo, pânico e frisson quando aparecia na tevê. Algo que, uma década e meia seria considerado, vamos dizer assim, antiquado.

Mas depois de 1958, Jarry foi banido da história. Conseguiu relativo sucesso com um cover de What'd I Say, de Ray Charles, porém cantando sob pseudônimo (The Hawk). Mas foi prontamente desmascarado e banido dos broadcastings de novo.

Contudo, enquanto a América lhe virava as costas (profetas são sempre rejeitados em sua terra), Jerry Lee passou a se tornar cultuado na Europa, especialmente Inglatera e Alemanha, a partir de meados dos anos 60. Isso possibilotou a ele uma nova turnê ao Velho Mundo, em 1964. Conseguiu um contrato para tocar no Star Club de Hamburgo. Recém inaugurado (em 1962) no Reeperbahn, região licensiosamente boêmia da velha cidade hanseática. Ali, ele travou contato com um dos muitos conjuntos britânicos que tocavam lá — os Nashville Teens.

Lee conseguiu um contrato com a Philips para transformar o show em disco. O que parecia apenas uma apresentação registrada ao vivo (algo que era mais comum em selos de jaz e de blues do que do rock) se tornou um dos maiores discos do gênero em todos os tempos. em treze canções, ele escreveu a sua profissão-de-fé.

Mesmo que aquilo soasse ultrapassado, ainda que a geração da British Invasion tivesse beatificado aquele som, Lewis mostrava que tinha pela noção de seu talento e da sua capacidade de se mostrar original, desafiador e às vezes até ligeiramente iconoclasta ao tocar seus sucessos de forma deliciosamente garageira, quando em geral se prezava sempre o bom mocismo musical.

Além das canções mais conhecidas(Whole Lotta Shakin' Goin' On, High School Confidential e Great Balls Of Fire), ele ataca com velhos (forma de dizer, já que não eram tão velhas na época) standards do rock, como Good Golly Miss Molly, Hound Dog, Matchbox e Long Tall Sally e toca até Hank Williams (Your Cheatin' Heart, em sua melhor versão, mostrando também suas influências do country), Ray Charles (What'd I Say) e uma versão irresistível de Money (That's What I Want), clássico dos primórdios da Motown, e que, naquela época, já fazia a cabeça da juventude dos anos 60.

E o interessante é que a linguagem dos Nashville Teens é um upgrade sonoro que catalisa o ímpeto de Lewis, num som mais cru e barulhento que as antigas versões da Sun, mais contidas e com menos percussão. No fim, ele toca aquelas mesmas canções porém com uma vitalidade e energia fora do comum.

Jery Lee foi (justmente ou injustamente?) execrado e banido por sua música e sua conduta numa época e num contexto histórico que não demorou a ruir por suas próprias contradições. Mas os deuses do rock lhe compensaram tamanha injustiça, lhe concedendo a vida eterna.








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quarta-feira, 29 de julho de 2009

Sentimentalmente Patsy


Capa do Sentimentally Yours

Patsy Cline foi uma das maiores cantoras norte-americanas do Século 20. Só não foi maior porque ela fazia questão de ser, antes de mais nada, uma honesta e insuspeita country singer.


Detalhe: o country, como nós conhecemos hoje, na verdade,é uma espécie de anacronismo que foi criado pela indústria musical do sul dos Estados Unidos. Nashville era a terra do Grand Ole Opry (programa de rádio que mandou o melhor do country éter afora já a quase um século) e a meca da maioria dos artistas do gênero. Porém, até a era do Hank Williams, esse estilo tinha raízes muito fortes no folk e no honky-tonk, um tipo de música caipira de bar.

O nome "honky tonk" é uma onomatopéia para designar o som do piano de saloon que, na maioria das vezes, estava sempre meio desafinado e queimado de bitucas de cigarro.

O honky tonk era elemntar e rude, mas extremamente popular. Nashville queria conquistar um público maior e resolveu domesticar o country.

Owen Bradley, produtor musical que, naquele tempo, trabalhava na Victor, juntou um time de músicos, entre eles Grady Martin, Bob Moore, Hank Garland e Buddy Harman e, junto com a visibilidade gerada pela audiência devastadora do Grand Ole Opry em todo o território ianque, resolveu atravesar o Rubicão: deu um blend essencialmente pop no country, colocou backing vocals de extremo bom gosto, orquestra de cordas e tudo o mais. Foi o começo do estúdio B da RCA. Foi o que faltava para que surgissem cantores do estilo de Faron Young, Don Gibson, Lefty Fritzell e, principalmente, Jim Reeves.

Mas o Nashville Sound precisava de uma musa, e Owen achou essa musa — Patsy Cline. Ela havia largado o primeiro casamento (o marido queria que ela fosse uma reles dona de casa), e se lançou como cantora. Conseguiu um contrato meio de risco com Four Star, que além de subestimar o seu talento, queria que ela cantasse só material da editora musical deles.

A coisa mudou de uma forma bizarra: em 1957, eles queriam que ela cantasse um tema antigo, Walkin' After Midnight. Patsy não gostou nem um pouco. Para ela, era apenas mais uma canção pop antiquada, e não queria gravar.

Foi esa música que a catapultou aos píncaros da fama, quando ela foi descoberta no Arthur Godfrey's Talent Scouts. Godfrey gostou tanto da música que insistiu até o limite das suas forças para que ela cantasse esse tema. Foi tamanho o sucesso que ela não pôde acreditar. Resultado: Walkin' After Midnight foi gravada e a música chegou ao décimo segundo lugar na Billboard Pop. Cline foi a primeira country singer a conseguir a façanha.

Contudo, por conta do contrato leonino com a Four Star, ela não conseguiu
(de só gravar as músicas do selo) e , somado ao fato de ela ter dado luz à primeira filha, Patsy deu uma sumida por um bom tempo.

Retornou à música em 1961, quando o contrato expirou e Owen Bradley conseguiu que ela virasse estrela da Decca. Ela sempre foi extremamente grata pelo papel de Owen em sua carreira, mas smepre implicava como fato de que ele queria que ela fosse uma pop star, não uma cantora de country. Mesmo assim, no fundo ela sabia de que lado o vento soprava. Conseguiu outro êxito com I Fall To Pieces e virou a diva maior do Grand Ole Opry nos anos 60.

Um acidente de carro nessa época quase lhe tirou a vida, mas ela voltou ao disco em 1963, no disco Patsy Cline Showcase . É certamente o álbum mais conhecido de Patsy e que marcou o auge da sua carreira (interrompida num acidente aéreo, no ano seguinte).

Foi quando Willie Nelson (curiosamente o maior "inimigo" do Nashville Sound, taxado de fora-da-lei no mundo country bem vestido, Nelson lhes deu um dos maiores sucessos de toda a história) lhe ofererceu Crazy. Ela, como sempre, achou a canção "pop demais" e " muito difícil de cantar". Mas também como sempre, acabou gravando. Chegou ao nono lugar na Billboard Pop. Com Crazy, Cline virou figura de proa na mundo country, numa época em que cantoras geralmente eram crooner de "segunda linha" no organograma dos conjuntos do gênero.

Mas o seu disco mais bonito é, sem dúvida, o Sentimentally Yours. O disco é mais ou menos uma seleção dos seus sucessos recentes mais algum material novo (por exemplo, o cover de Your Cheatin' Heart, clássico póstumo do Hank williams, é da última sessão do disco). Um exemplo é a primeira faixa, She's Got You, de Hank Cochran (mesmo autor de I Fall To Pieces). essa, pelo menos, ela fez questão de gravar. She's Got You também seria o seu primeiro grande sucesso na Inglaterra.


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