quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Gente da Antiga (e os primitivos do samba)



A partir do começo dos anos 60, o poeta e escritor Hermínio Bello de Carvalho se tornaria uma espécie de mecenas da Velha Guarda da música brasileira. O surgimento do famoso bar Zicartola, em 1964, também possibilitou esse elo entre os velhos sambistas com a segunda dentição da Bossa Nova, que agora se voltava para o morro e a “renascença” de sua típica sonoridade rítmica.

Logo, a música de Zé Keti, Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito apareceria no repertório de cantores como Nara Leão e Elizeth Cardoso, por exemplo. Essa integração gerou frutos, como o musical Rosa de Ouro — produzido por Hermínio e que rodou por várias cidades do Brasil, e acabou virando disco.

Foi nesse espetáculo que surgiu para o grande público a música de Clementina de Jesus, acompanhada com Élton Medeiros e o jovem compositor Paulinho da Viola.

No ano seguinte, Carvalho debutava como produtor musical, com a obra-prima Elizeth sobe o Morro (reunindo Cartola, Zé Keti, Nelson Cavaquinho, Paulinho da Viola, entre outros). Além deste, o autor de “Cicatriz” traria para o disco Dalva de Oliveira, Isaurinha Garcia, Elza Soares e Turíbio Santos.

Mas o melhor estava por vir quando, em 1968, o escritor e poeta reuniu três dos patriarcas do samba: Pixinguinha (1898-1973), Clementina de Jesus (1901-1987) e o decano destes, João Machado Guedes, o João da Baiana (1887-1974). Em onze faixas, ele apresenta uma atemporal aula de bambas, com temas que vão desde lundus do começo do século até criações recentes — incluindo parcerias entre o criador de “Carinhoso” e o próprio Hermínio. O disco tem um nome peculiar: Gente da Antiga.

O velho compositor estava longe do disco desde meados dos anos 50, mas seguia compondo. Convalescendo de um enfarte, em 1964, ele criou vinte valsas, uma por dia. Logo depois, Vinícius de Moraes poria letra em seu choro “Lamento”. Com a retomada de sua carreira de músico, junto com o poeta e agitador cultural, com quem compôs “Harmonia das Flores”, “Isso Não se Faz” e “Isso é Que É Viver”, veio a idéia de fazer um disco só com os primitivos do samba.

De roldão, veio João da Baiana, legendário ritmista, que integrou o conjunto Guarda Velha, que era a pequena grande orquestra do autor de “Rosa” quando este se tornou arranjador profissional, a partir dos anos 30.

Clementina de Jesus era a grata surpresa do projeto: embora nova no cenário musical, no alto dos seus 63 anos, ela era uma antologia musical, o elo perdido do samba.



A despeito de viver anos como doméstica, cantando informalmente, a rainha Ginga demonstrava ser um cancioneiro ambulante, uma lenda viva: conhecia inúmeros temas de partido-alto, cantos folclóricos e outros gêneros musicais afro-brasileiros que remetem à idade da pedra da música popular, com seu repertório de jongos, cantos de trabalho, cateretês e corimás. O disco lhe permitiria uma bela carreira de cantora, nas décadas seguintes.

Mas e João da Baiana? “Patrimônio da música popular brasileira”, como ele se designava aos mais chegados, no fim da vida, ele é, de fato, o patriarca — do tempo em que o samba ainda não era samba. Quando jovem, freqüentava terreiros e batuques na casa da Tia Ciata (ou Aceata), na Praça Onze, no Rio, quando acompanhava sua mãe, Perciliana de Santo Amaro.

Para acompanhar os percussionistas, o garoto utilizava um pandeiro enorme. Acabou se tornando o introdutor do instrumento nesses ritos, ou em primitivas agremiações “carnavalescas”, como o Dois de Ouro e o Pedra de Sal — onde ele nascera. O lugar foi o primeiro a reunir concentrações de negros libertos, a partir do fim do século XIX.

Um pouco de história

É corrente relacionar o período da transformação do samba em criação de entretenimento de massa e os seus respectivos símbolos — o malandro. Mas a verdade é que o gênero hoje entronizado como o maior representante da cultura musical brasileira nasceu de maneira diversa:

— Esse negócio de dizer que o samba nasceu de morro, não é verdade. O samba saiu da cidade. Nós fugíamos da polícia e íamos para o morro fazer samba — , revelou o compositor em depoimento do Museu da Imagem e do Som, nos anos 60.

Ele conta que, no começo, reuniões em casas de baianas como os da casa da Tia Ciata, eram consideradas “caso de polícia”, que perseguia, prendia e apreendia instrumentos, como tamborins, pandeiros, afoxés, como se fossem armas ilegais. O mitológico partido-alto daqueles pioneiros era reduzido à “feitiçaria”, “batuque de bantos”, algo alheio à modernidade e à civilização. De todos os pandeiros apreendidos, João só preservou um, de cedro e couro de lei, que conseguiu sob os auspícios de Pinheiro Machado.

O nome do ilustre senador, escrito no couro, lhe franqueou um certo grau de autoridade. E a polícia passou a tolerá-lo, como o “amigo do homem”...

Já a idéia de “morro” e de “malandragem” como símbolos do samba passa necessariamente pelo processo do surgimento da camadas de trabalhadores livres na República, todos egressos da escravidão e que começaram a disputar um espaço na sociedade. Os membros se organizaram — principalmente no Rio de Janeiro — em sociedades recreativas carnavalescas (os ranchos) que imitavam as brincadeiras de momo importadas da Europa.

A tolerância, no entanto, permitiu o surgimento de um grupo que continuava a se exercitar em batuques ou rodas de pernadas ou de capoeira.
Seria desse tipo de música, calcada na percussão e em refrões de temas populares, que eram chamados de batucada que iria nascer o samba, — e João da Baiana viveu todo esse processo.


O Disco


Gente da Antiga foi gravado em três dias, entre 10 e 17 de janeiro de 1968. O trio principal era formado por João da Baiana (pandeiro e voz), Clementina de Jesus (voz), acompanhados de Dino e Meira (violões), Canhoto (cavaquinho), Pixinguinha (sax-tenor), Marçal, Gilberto Luna e Joege Arena (percussão) , mais Nelsinho (trombone), Manuelzinho (flauta) e o coro formado por Nelson Sargento, Jairzinho da Portela, Pedro Rodrigues, Copacabana, Jair Avellar, Anescar e Nelsinho. As faixas são:

1) Oito Batutas: instrumental assinado por Pixinguinha e Benedito Lacerda, na verdade se trata de criação original do primeiro. Benedito era o caso comum em que o co-autor entrava na parceria porque fazia o papel do divulgador. O nome da faixa remete ao tempo do cinema mudo, em 1919, quando Pixinguinha tocava em um bloco carnavalesco, chamado Grupo de Caxangá. Quando o conjunto foi recrutado para chamar a freguesia para as fitas no Palais, os caxangás foram reduzidos a um octeto. O dono do cinema, Isaac Frankel os batizou de Os Oito Batutas. Contratados para concorrer com Ernesto Nazareth, do Odeon, acabaram transformando o velho pioneiro em fã. O choro apresentado mostra-se integrado ao estilo de época, em que o samba ainda sofria influência de maxixes, toadas sertanejas, corta-jacas e lundus.

2) Yaô: o compositor Gastão Viana tinha o hábito de utilizar palavras africanas em suas letras. Nesta parceria com Pixinguinha, um típico lundu (transformado em samba). Aparecem, por exemplo, expressões como akicó (galo), jacutá (casa), pelu adié (peru que rodopia entre as galinhas) e Yaô (mulher filha de santo). O compositor, que antes havia gravado “Yaô” originalmente em 1950, em um dos raríssimos momentos em que Pixinguinha cantou em disco, deixou o vocal desta vez para o amigo João da Baiana.

3) Roxá: tema folclórico, um cateretê, cantado por Clementina de Jesus: “roxá, vamo vadiá minha nega! Roxá vamo vadiá minha nega!”, o coro repete e bate palmas. “Roxá” é típico exemplo de samba de partido alto, típica das rodas de pernada do começo do século passado, onde o cantor principal entoava o tema principal, e os demais integrantes da roda improvisavam e respondiam.
4) A Tua Sina: outra canção folclórica, entoada por Clementina: “mulher/a tua sina/é viver/ no mei de vagabundo/ Não sei por que/Você nasceu assim/ A tua vida/ É a desgraça do mundo”. Detalhe para o solo de sax de Pixinguinha.


5) Elizete no Chorinho: instrumental, um belo dueto de flauta e saxofone, entre Manoelzinho e Pixinguinha.

6) Quê, Quê, Quê, Querê, Quê: composto por João da Baiana, a data da criação deste corimá se perde no tempo em que o batuque ainda guardava raízes fortemente religiosas, e o sincretismo da linguagem nagô com mitos religiosos africanos e cristãos.

7) Mironga de Moça Branca: outro corimá, cantado em nagô, desta vez interpretado por Clementina, com a participação de João. “Mironga”, ao contrário do que se diz em expressão corrente, do Quimbundo, significa: “mistério” ou “segredo”.
8) Cabide de Molambo: uma das mais notáveis criações de João da Baiana, foi composto na década de 10 e concluído em 1917. Só seria gravado porém 1932, por Patrício Teixeira e Orquestra Copacabana. É designado pelo autor como um samba tradicional. Tanto o título quanto a letra (dessa vez, cantada em Português) são inspirados em um malandro que, em idade provecta, já era uma lenda urbana, cujo nome era desconhecido, e todos o chamavam de “Cabide de Molambo”, dado a sua mania de disfarçar elegantemente a sua condição de andrajo: “meu Deus eu ando/com o sapato furado/tenho a mania/de andar engravatado/a minha cama/é um pedaço de esteira/é uma lata velha/que me serve de cadeira”. Consta que ele era quase poeta, alfabetizado, mas vivia dependendo de amigos para sobreviver. O jovem João da Baiana o conheceu na tendinha do Tinoco (citada na letra), na Gamboa. A ancestralidade da música pode ser observada nos versos, como “a gravata foi achada na Ilha da Sapucaia”, ou “as botina foi dum véio/da revolta de Canudo”.


9) Batuque na Cozinha: outro samba de João da Baiana, desta vez do tempo em que seus avós tinham uma quitanda de artigos religiosos no Largo do Sé — justamente do tempo em que samba ainda se fazia “na cidade”, como o autor ressaltou, ou seja, antes da população negra ser mandada para o morro, no começo do século XX. “Batuque na cozinha/sinhô não qué/por causa do batuque/eu queimei meu pé”.

10) Aí, seu Pinguça: instrumental de Pixinguinha, entremeado pelo refrão cantado pelo conjunto de coro, o tema que dá nome à canção.


11) Fala Baixinho: outro tema instrumental de Pixinguinha, em que Hermínio Bello de Carvalho pôs versos. A música concorreu em festivais. No álbum, ela aparece apenas em forma de choro. Essa canção traz um estilo que lembra uma polca do tempo em que as raízes européias foram sendo transformadas graças às peculiaridades locais da música brasileira. Essa relação era muito comum na virada do século XIX para o XX, quando faziam sucesso grandes chorões, como Pedro Galdino e Paulino Sacramento, entre outros.

12) Estácio, Mangueira: Clementina de Jesus encerra o disco com esse samba tradicional. Talvez toda a inefável personalidade e talento da rainha Quelé se encerre em sua interpretação, e explica o motivo pela qual a cantora conquistou, em pouco tempo, tanto crítica quanto público — com exceção de sua ex-patroa, que dizia que a voz dela parecia “miado de gato”. Miado que era a quintessência do folclore e o amalgama do batuque dos terreiros com o samba urbano. Sobre Clementina, disse Paulinho da Viola, certa vez: “Ouvi-la cantando, sentada, com o seu vestido de renda, era algo absolutamente fascinante, difícil de transmitir, de traduzir em palavras”.


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domingo, 13 de setembro de 2009

Bluejean Bop!


O disco de estréia de Gene, de 1956

— Hey cat, where are ya goin' man?
— Man, I'm going down to Bop Street
— Tell me cat, where's that direction?
— Man, ain't you heard? They got one of 'em in every town
— Real cool!


É curioso ver que, numa época em que pioneiros do rock geralmente lançavam seus sucessos em compactos, Gene Vincent tenha emplacado em LP nas paradas em 1956, quando a indústria do long-play ainda engatinhava.

Mas é mais curioso ainda ver um guitarrista tão promissor como o líder dos lendários blue caps ter desaparecido tão rápido como surgiu. Gene havia recém largado a carreira de marinheiro — devido a um obscuro acidente de moto que quasee lhe curtou uma das pernas — para investir na carreira musical. No inverno de 1956, o DJ "Sheriff Tex Davis" (William Douchette) ouviu Vincent em ação, num show de calouros, em Norfolk, Virginia.

Davis logo se ofereceu para ser o empresário do cantor, e sugeriu que ele montasse uma banda com um guitarrista que era sete anos mais velho que ele, mas que seria o spalla dos futuros Blue Caps, Cliff Gallup, que gostava de fazer experimentos com amplificadores e pedais, e criou um som que seria característico do conjunto de Gene.

Infelizmente, Gallup não chegou a ser membro efetivo, e se limitou a colaborar com Vincent como músico de estúdio. É dele a famosa guitarra com vibrato no álbum Blue Jean Bop, uma espécie de big bang do rockabilly.

Gene era um talento promissor porque, num concurso de talentos para char um novo Elvis Prelsey, ele passou por mais de duzentos candidatos. Contudo, era preciso um empurrãozinho, e como os Blue Caps haviam gravado três canções em acetato sob a supervisão de Ken Nelson, em Nashville, nos estúdios de Owern Bradley, o Homero do Country. entre elas, Be-Bop-A-Lula, um blues que nasceu das histórias em quadrinhos da Luluzinha.

Quando Gene se inscreveu no caça-talentos, os executivos da Capitol já conheciam Vincent. E gostaram do que ouviram. ele tinha agora um contrato com uma das maiores gravadoras ianques, fundada no fim dos anos 40 por Johnny Mercer, e que tinha em seu cast gente como Frank Sinatra, Dinah Shore e o grande country man Merle Travis, entre (muitos) outros.

Mas nem tudo teria que ser perfeito. A Capitol não entendia nada de rock e apenas queria um novo Elvis. E ao contrário das grandes pré-produções que eles faziam em LP, ninguém lá estava preparado para o empirismo do rock'n roll. Tanto que não queria que Gene tocasse com sua banda. Foi a excelência de Gallup quem mostrou que eles estavam errados. E foi tudo no espírito do improviso. Na esteira do suceso de Be-Bop-A-Lula, o selo queria que ele emplacasse um disco memorável — nem tempo emque apenas o próprio Elvis, Lloyd Price ou Little Richard se aventuravam nesse formato.

A surpresa é que, dentro do espírito descompromissado das sessões, o talento dos Caps suplantou qualquer percalço — até mesmo a falta de músicas suficientes para fechar as 16 que compõem Blue Jean Bop. Tanto que eles apelaram para standards ligeiramente alienígenas ao rock, como Wedding Bells, Jezebel e Ain't she Sweet.

Misturando rock cru (Who Slapped John?) com canções meio smooth jazz, como Hoagy Carmichael (Lazy River). Eclético, sem querer, eles abriram um leque de possibilidades dentro do rock, e que seria explorada pelas gerações posteriores. O lado pop do rock britânico sessentista levaria esse paradigma ao extremo e Vincent seria a pedra da esquina dessa revolução silenciosa.

Porém, a divulgação do álbum foi complicada: a Capitol tinha problemas com jabá, decidiu refugar Be-Bop-A Lula em favor de Woman Love — o que fez com que os disc-jockeys divulgassem o lado B. E o maior sucesso dos Blue Caps simplesmente não foi incluído no disco. Isso que, um ano depois, Be-Bop-A Lula havia chegado aos 2 milhões de cópias vendidas e ficado mais de vinte semanas na Billboard.

O sucesso foi tão grande que, depois de chegar ao ápice, a audiência do rock mudou e o rockabilly foi fazer eco na Europa, principalmente, onde Gene resolveu se exilar, já que, na América, depois de participar do filme The Girl Can'1t Help It e tocar no Ed Sullivan show, os próprios Blue Caps definharam em deserços, em meio a intermináveis turnês. E nada mais seria como antes.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

The Searchers Live at The Star Club




Mesmo após ter passado por diversas formações através do tempo, The Searchers é a única banda de Liverpool dos tempos do "beat boom" que ainda está em atividade - embora o único membro dos tempos áureos seja o baixista Frank Allen. Contudo, a história do conjunto é anterior ao advento da Beatlemania.

Como a maioria dos combos do fim dos anos 50, o quarteto, originalmente formado por Mike Pinder era um grupo de skiffle, e que se profissionalizou na mesma época de Johnny Kidd And The Pirates e o Swinging Blue Jeans.

Surgidos em 1957, o núcleo central girava em torno de John McNally e Mike Pender, mais Tony Jackson no baixo e Norman McGarry na bateria — que seria substituído por Chris Curtis, excelente vocalista e um dos membros fundamentais do período áureo dos Searchers.

Foi nessa fase em que o quarteto emplacou os seus maiores sucessos — Needles And Pins, Don't Throw Your Love Away, Sweets For My Sweet e Sugar And Spice (escrito originalmente pelo produtor da banda, Tony Hatch, sob o pseudônimo de Fred Nightingale, sem que eles soubesem).


Em segundo plano, Curtis, Tony Jackson, John McNally e Mike Pinder

Aliás, além de baterista, Curtis era o cara que fazia as canções próprias dos Searchers ou então era o cara que tinha sensibilidade o suficiente para garimpar canções obscuras e subestimadas — que ele procurava na loja de discos da NEMS de Brian Epstein, ou seja, não eram só John, Paul e George os garotos pobres que olhavam todo o estoque de discos e pedia para ouvir tudo e não comprava nada.

Um exemplo disso é a gravação de um antigo sucesso dos Clovers, Love Potion No 9 que, na versão deles, chegou ao quarto lugar nas paradas britânicas,e Bumble Bee, que chegou ao 21o. Porém, Curtis era um sujeito ligeiramente genioso, polêmico e não conseguia se socializar muito com os membros dos Searchers. George Harrison, amigo dele dos tempos do Cavern, costumava chamá-lo de "Henry, o Maluco".

Curtis foi quem sugeriu que eles gravassem Needles And Pins, um fracasso comercial de Jackie DeShannon. Os Searchers chegaram ao primeiro lugar e tanto o riff de guitarra quanto o uso de um instrumento de 12 cordas influenciaria, so outro lado do Atlântico, Roger McGinn e os Byrds que, na canção I Feel a Whole Lot Better (do seu primeiro disco, de 65), usam o mesmo riff no Lá da guitarra.

No caso de Love Potion No 9, Curtis achou o disco à venda numa loja em Hamburgo, numa das dezenas de turnês que os Searchers realizaram no Star Club que, naquele tempo, era a meca dos maiores astros rock, tanto o mainstream quanto o alternativo.

O Star Club foi fundado em 1962 e, naquele momento histórico, atraía tanta gente que os donos da casa, Manfred Weissleder e Horst Fascher, resolveram fazer uma parceria com a Philips alemã, a ponto de criar um selo particular, a Star Club Records. A subsidiária durou pouco tempo — de 1964 até 1967 — mas registrou em disco dezenas de artistas, como Lee Curtis and the All Stars, Fats Domino, James Brown, Little Richard, The Rattles, Ian & The Zodiacs, The Pretty Things, Wayne Fontana & The Mindbenders, Jerry Lee Lewis e, é claro, os Searchers.

Em 1966, a Star Club lançou o Searchers Live. Registro sonoro incrível pois, no palco,eles estão longe da sonoridade domesticada dos discos da Pye, numa gravação que, se está longe do que a tecnologia permitiria hoje e a despeito de alguns problemas de microfonação (a guitarra líder às vezes some), é um retrato cru e sem retoques de uma das maiores bandas britânicas dos anos 60, com vocalizações de três num microfone só, em versões bem ao estilo excêntrico do merseybeat, como Beautiful Dreamer (tradiiconal de Stephen Forster), além de covers de Brenda Lee, como Sweet Nothings e dois clássicos dos Crickets, Listen To Me e Learning The Game (grafado errado na contracapa do LP como Led In The Game), sucesso póstumo de Buddy Holly.

Já em careira solo, em 67, Pinder fundaria os Roundabouts, uma espécie de embrião do que viria a ser o Deep Purple.



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domingo, 30 de agosto de 2009

O Disco que Você Merece


O logo clássico

Era uma vez um Bando da Lua que gostava de Bossa Nova. Aloysio de Oliveira (1914-1995), cantor e compositor, estava na berlinda após deixar a direção artística da Philips (hoje Universal). Antes, porém, ele havia deixado o emprego de produtor da EMI-Odeon porque a gravadora estava dispensando todo um grupo de intérpretes promissores como Roberto Menescal, Carlos Lyra, Sérgio Ricardo e Sylvia Telles em favor de João Gilberto. Na verdade, a gravadora sabia que, cedo ou tarde, as pessoas iriam cansar de ouvir aqueles cantores de voz pequena e de arranjos exóticos e que, além do mais, não tinham nenhuma tradição musical frente ao público. Ele próprio tinha certeza disso, embora não acreditasse que o movimento deflagrado por João Gilberto fosse apenas um modismo passageiro.

Pelo contrário, seu faro indicava que seria possível trabalhar com toda essa gente, porém dentro de um conceito completamente novo. Assim nasceu a gravadora Elenco, selo que se tornaria símbolo da Bossa Nova e de bom gosto musical, e que se primava por lançamentos originais e de alta qualidade artística.

Aloysio foi crooner do lendário regional que acompanhava Carmen Miranda entre as décadas de 30 e 50. A partir de 1942, ele passou a trabalhar como consultor musical, ator e dublador nos estúdios de Walt Disney, assinando a direção musical de desenhos como Alô Amigos e Você Já Foi à Bahia?. Com a morte de Carmen, em 1957, ele retornou ao Brasil, para assumir o departamento artístico da Odeon e da Philips.

Agora, em 1962, Oliveira tinha experiência suficiente para manter a sua própria gravadora. Conhecendo as dificuldades de divulgação e distribuição de discos, sua idéia inicial era de fundar a Elenco como subsidiária de alguma grande gravadora, interessada em trabalhar com um selo temático, como as norte-americanas Prestige e Verve eram especializadas em jazz.

Não poderia contar nem com a Odeon, nem com a Philips, das quais havia se demitido justamente por dispensarem a Bossa Nova de seu catálogo. Procurou a CBS, porém não obteve sucesso.

Decidiu fazer tudo sozinho. Procurou Flávio Ramos, seu amigo e produtor musical, mas acabou ficando sem parceria, tempos depois. Tudo o que Aloysio tinha agora era o seu idealismo e a sua turma de artistas promissores.

Se do estúdio para fora, ele não tinha muito jogo de cintura, colocou todas as suas forças na concepção musical dos discos. Para completar a idéia, ele escolheu o fotógrafo Chico Pereira (Odeon) e César Villela como diretor de arte.

Juntos, o trio foi responsável pela proposta — que muitos julgaram revolucionária — de criar um fetiche gráfico nas capas dos álbuns: fotografias com sombra, três cores (preto, branco e vermelho), espaços brancos para o lay-out “respirar”, letras com formatos e tamanhos comuns, de capa para capa, e um logotipo onde o “N” da palavra “Elenco” era um holofote. O “fetiche visual” das capas marcaria época e provocou uma legião de imitadores.

O estilo também servia como uma espécie de gestalt para os consumidores, que podiam reconhecer um disco da Elenco a milhas de distância. O maior fenômeno, porém, foi o êxito da publicidade involuntária: a Elenco foi a única gravadora brasileira cujos discos eram procurados nas lojas pelo selo. O sujeito chegava no balconista, e perguntava: “tem alguma coisa da Elenco, aí?”. Tinha até um slogan: “O Disco que Você Merece”.

Durante a sua fase áurea, de 1963 e 1966, o selo editou cerca de sessenta títulos, a maioria deles dentro da proposta de gravar e divulgar autores e intérpretes de Bossa Nova e congêneres.

No início, foi difícil de arranjar dinheiro. Em uma questão de meses, a Elenco já estava dando um relativo lucro ao seu idealizador. Porém, o verdadeiro crédito de Aloysio era artístico: “não havia contratos”, confidenciou ele, em depoimento ao jornalista Tárik de Souza, em 1990.

“Os artistas confiavam em mim e no projeto”, disse certa feita Aloysio de Oliveira. Segundo ele, todos os músicos recebiam royalities, que seria bom se os discos tivessem prensagens estratosféricas e vendas idem, o que jamais aconteceu.



Odette e Vinícius: o primeiro lançamento

Havia dois problemas um tanto bizantinos: sozinha, a Elenco só tinha capacidade de distribuir pequenas tiragens de, no máximo, 2 mil cópias – o que hoje seria piada, seria o mesmo que nada. Se tivesse que prensar mais de 10 mil discos, aí não haveria pernas para distribuir os discos fora do Rio de Janeiro.

O destino da gravadora foi selado em seu nascedouro. Se tivesse distribuição garantida só em São Paulo e em mais algumas capitais, com certeza ela teria durado muito mais tempo e chegada a mares nunca dantes navegados. Mas não foi o que aconteceu, a Elenco surgiu para viver no Rio mesmo. O catáçogo depois seria relançado em parte, quando o selo foi adquirido pela Companhia Brasileira de Discos, a partir de 1967.

Por outro lado, a maioria dos remanescentes da Bossa Nova havia migrado para a Philips que, com o tempo, seria a gravadora que divulgaria a maior parte dos intérpretes de MPB. A Philips também havia tirado de Aloysio o seu maior sucesso, que era Nara LeãO; foi o tiro de misericórdia. Por sua vez, a Bossa paulista estava toda na RGE, como Alaíde Costa ou Edson Machado.

A Elenco, que não tinha divulgação, agora não tinha mais nem elenco. E o verdadeiro mercado promissor, e que consumia aquele tipo de música, agora era mesmo Europa e a América.

Com o tempo, a marca “Elenco” foi adquirida pela BMG Ariola, que chegou a lançar discos com o selo, embora não houvesse nenhuma relação com a Elenco original, enquanto os fonogramas foram parar na Philips. Já na era do CD, em 1991, a Polygram, novo nome da Philips, relançou os álbuns mais importantes do selo, com som remasterizado. O projeto ganhou nova edição em 1996, dessa vez com capas novas, fato que desagradou muita gente. Hoje, todos esses discos estão novamente fora de catálogo, esperando que alguém os reedite.

erm seu pouco tempo de vida, a Elenco lançou poucas coletâneas. A mais interessante e representativa do seu catálogo chegou a ser prensada em estéreo, na época. A Kaleidosicópio é um pequeno porém interessante exemplo da produção do selo nos seus tempos áureos. Começa com Garota de Ipanema, do primeiro LP de Tom Jobim,que foi lançado nos Estados Unidos pela Verve, com o nome de Composer Of Desafinado; Você e Eu, com Sylvinha Telles e Baden Powell no violão; Berimbau com o poetinha Vinícius, numa interpretação singular; Maria Moita com Nara, no disco que fez o morro descer para a Avenida Atlântica; Rio, de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli, executado pelo próprio Menescal, com seu conjunto, do LP Surfboard; Lennie Dale, o homem que "inventou" Elis e Simonal, do seu álbum ao vivo, cantando uma versão particularíssima (misturando Inglês e Português) de Corcovado; Maysa (também ao vivo), derretendo corações com Fim de Noite, do Chico Feitosa, a melhor da coletânea; Sérgio Ricardo, do disco Sr. Talento, com a existencislista A Fábrica; Baden ao violão, com o Samba do Avião, do LP À Vontade, de 1963; Lúcio Alves se rendendo à Bossa Nova com outro clássico da dupla Menescal-Bôscoli, Ah, Se Eu Pudesse, com aranjo do maestro Gaya; Só Por Amor, fruto etílico da parceria de Baden e Vinícius, na performance deliciosamente prá lá de blasé de Odette Lara. Por fim, Chris Connor ao vivo, com I Concentrate On You (que Sinatra gravaria com Jobim, em 1967). Detalhe que a introdução de I Concentrate é similar que Tom Jobim criou para Se É Tarde Me Perdoa, do segundo disco do João Gilberto, O Amor, o Sorriso e a Flor, de 1960.

Link nos comentários e créditos ao Zeca Louro, do Loronix, que foi quem ripou o vinil.

sábado, 29 de agosto de 2009

A musa blasé do Flower Power


Melanie


O mundo inteiro comemorou, esse mês, a passagem dos quarenta anos do mítico Festival de Woodstock, ocorido entre os dias 15 e 18 de agosto de 1969. Houve momentos marcantes, protagonizados tanto por personagens consagrados, como Jimi Hendrix em sua versão beligerante de Star Spangled Banner, Janis Joplin, que dispensa apresentações, o Who mostrando Tommy em primeira audição, a apresentação impecável de Crosby, Stills, Nash e Young, no auge de sua criatividade, cuja consequência direta seria o ótimo álbum Deja Vu; Joe Cocker cantando With a Little Help From My Friends ou Ritchie Havens fazendo seu violão soar quase como uma guitarra com Freedom, Country Joe fazendo todo mundo cantar o hino de protesto Fixin' To Die Rag.

Houve aqueles que tinham tudo para estourar no palco, mas suas respectivas performances deixaram a desejar, como o Creedence Clearwater Revival, que se apresentou de madrugada e o som não ficou como John Fogerty desejava — tanto que ele pediu para que fosse excluído do documentário; o Grateful Dead, que era imbatível no palco, acabou tocando apenas quatro músicas, porque o sistema de som estava péssimo e os instrumentos davam choque o tempo todo. Houve, no entanto, os subestimados que acabaram roubando a cena, como Santana, com Soul Sacrifice, o Sly And The Family Stone, o Canned Heat e o Ten Years After...

Mas houve aqueles que ninguém quase se lembra que tocaram em Woodstock: Sweetwater, Quill, Keef Hartley Band, Arlo Guthrie, John sebastian — que foi convidado para assistir os shows nos bastidores (ele morava em Woodstock), entrou de improviso, porque o palco estava molhado no sábado de manhã e a produção do Festival o convidou para tocar umas quatro canções enquanto o staff passava o rodo no palco. No fim das contas, ele ganhou cachê, apareceu no filme tocando Younger Generation e ainda apareceu no LP duplo.

Mas da trupe dos subestimados em Woodstock, eu destaco uma cantora que tocou na sexta, dia 15, antes do Arlo Guthrie — Melanie Safka. Nascida no Queens, em Nova Iorque, ela era daquela geração Newport, jovem, idealista, esquerdista e tipicamente urbana, que foi influenciada pelo folk rural e que floresceu na boemia bem vestida do Greenwich Village, no começo dos anos 60, junto com Fritz Richmond, Mel Lyman, Geoff and Maria Muldaur, John Sebastian, Mama Cass, Zal Yanovsky e muitos outros.

Do próprio estilo espirituoso das jug bands que tocavam nos bares da moda no Village, Melanie também herdaria esse lado bem humorado nas suas canções. Com a diferença que, com o surgimento do flower power, ela acabou se tornando uma hippie — porém de boutique. Depois de lançar alguns singles pela Columbia, Sarka assinou com a Buddah Records, que era uma extensão da nova iorquina Kama Sutra (a mesma do Lovin' Spoonful), e que era essencialmente um selo alternativo.

Mesmo gozando de um relativo sucesso nas paradas americanas, Melanie foi estourar mesmo na França, com Bobo's Party, e na Hplanda (!) com Beautiful People. Com o montante de defecções para se apresentar em Woodstock, (Joni Mitchell, Byrds, Doors, Spirit, Bob Dylan...), ela conseguiu uma brecha. Tocou apenas quatro músicas, tarde da noite. quando tocava Beautiful People, o público a acompanhava com isqueiros acesos. Infelizmente, não existe registro da cena, mas aquilo ficou na retina de Melanie que, dias depois, inspirado naquele momento singular, compôs Lay Down (Candles In The Rain), que se tornaria o seu primeiro grande sucesso americano, no verão de 1970.

Candles In The Rain era a cara de Melanie: hippie, sempre usando um hábito marrom, com cara de menina despenteada, com uma voz estridente, que vagamente lembrava Janis Joplin e Joni Mitchell, mesmo que passando desapercebida em Woodstock, ela começou a aparecer a partir dali. Seguindo Lay Down — que chegou ao sexto lugar na Billboard, vieram Peace Will Come (According To Plan) e um belíssimo cover dos Rolling Stones, Ruby Tuesday.

Se ela passou desapercebida em Woodstock, recebeu as verdadeiras boas vindas para a platéia britânica que a assistiu,pela primeira vez, no Festival da Ilha de Wight, em 1970. Além dessa, Melanie foi pioneira em outro festival, o de Glastonbury, e que existe até hoje.

Quando ela resolveu ampliar os horizontes musicais, Safka abandonou a Buddah e fundou o seu próprio selo, a Neighborhood Records. A mudança deu certo: foi na Neighborhood que ela conseguiu o seu primeiro número 1 na Billboard, com Brand New Key, provavelmente a sua canção mais conhecida, e que chegou a vender 3 milhões de cópias em todo o mundo, em 1971.



Por conta da letra, ligeiramente maliciosa (ela diz que ganhou patins e precisa da chave do namorado), Brand New Key foi banida em algumas estações de rádio; porém, a estratégia saiu pela culatra, e a polêmica só ajudou a catapultar o compacto para o topo das paradas.

Mesmo com o fim da moda hippie, Melanie ainda enfeixou alguns singles pelos 70 afora, como Ring the Living Bell e Nickel Song. Os tempos mudaram, mas ela continuou naquele mesmo estilo peculiar riponga que a entronizou. O curioso é que hoje, passados quaranta anos de Woodstock, Melanie Safka continua na ativa, com suas vestes hippie e empunhando seu violão parta cantar aquelas adoráveis canções dos anos 60, como se o tempo não tivesse passado. E não passou, mesmo.



The Very Best Of Melanie

1. Ruby Tuesday
2. Brand New Key
3. Nickel Song
4. What Have They Done to My Song Ma?
5. Beautiful People
6. Any Guy
7. Close to It All
8. Mr. Tambourine Man
9. Baby Day
10. I Don't Eat Animals
11. Lay Lady Lay
12. Pebbles in the Sand
13. Save the Night
14. Gardens in the City
15. Christopher Robin Is Saying His Prayers
16. Good Book
17. Carolina on My Mind
18. Somebody Loves Me
19. Leftover Wine
20. Lay Down (Candles in the Rain)
21. Peace Will Come (According to Plan)




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sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Beatles Para Americano Ver


O Something New, de 1964

Aproveitando que o assunto é Beatles, me lembrei do primeiro disco importado dos Fab Four que eu achei garimpando pelos sebos da vida, o Something New, da Capitol. Naquela época eu já devia ter praticamente toda a discografia brasileira do quarteto, incluindo as coletâneas. Mas não tinha nada de estrangeiro.

Foi quando eu descobri que a coleção norte-americana tinha uma peculiaridade: a disografia britânica deles foi pulverizada em discos de onze faixas, de forma a aproveitar ao máximo o material lançado na Ingleterra em compactos e extended-plays (singles de quatro faixas). A despeito de passar por cima dos álbuns originais, do ponto de vista mercadológico, a idéia da Capitol (subsidiária ianque da EMI) era de uma lógica irrefutável.

Numa época em que um long-play (exceto os de jazz, naturalmente) era nada mais, nada menos que um punhado de canções, não havia diferença, pelo menos do ponto de vista do ouvinte/consumidor em mudar a ordem das músicas ou a foto da capa, desde que fosse tudo feito de forma estratégica, a ponto de chamar a atenção e vender.

É claro que a Capitol observava que havia uma ligeira diferença entre a, vamos dizer assim, cultura do disco de um país para outro. E a maioria dos lançamentos do selo, via de regra, sempre vinha com onze ou doze faixas, ao passo que, no caso particular dos Beatles, eles lançavam discos de quatorze músicas, fora o material inédito em singles e EPs. Pois num tempo em que a Beatlemania grassava na América, se eles não se aproveitassem disso para vender LPs como nunca seria um atestado de burrice, então, ponto para eles.

Para se ter uma idéia, só em 1964,por exemplo, enquanto, na Inglatera, John, Paul, George e Ringo lançaram dois discos, nos Estados Unidos, o número subiu para cinco, sendo um duplo (o Beatles' Story, tremendo caça-níquel, com todo o respeito).

Essa sangria desatada só estancaria quando o próprio quarteto se rebelou contra isso, porém da forma mais sutil: reza a lenda que a capa do polêmico Yesterday And Today,onde o quarteto aparece sorrindo alegremente de jaleco, cercado de postas sangrentas de carne e de bonecas quebradas era um protesto contra o esquartejamento que a Capitol draconianamente infringia ao trabalho deles.

Mas houve um outra forma de protesto, porém mais sutil. Em 1967, a banda lançou um álbum que, com efeito, era "imexível": o Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band. Como eles iriam mexar com uma pretensa obra de arte? Como alterar uma capa modelar daquelas? E como mudar as faixas, se elas estão quase todas entrelaçadas? Aquilo colocou qualquer teoria fonograficamente mercadológica em xeque.

Aliás, depois do advento do proto-disco conceitual, pelo menos dentro do gênero, o próprio mercado passou a perceber que, além do fato de que um álbum não é apenas uma rescolta de canções, havia vida inteligente dentro do rock.

Porém, se a sanha da Capitol em vender discos tinha os seus pontos negativos, havia alguns pontos positivos. Um deles é alguns desses LPs dos Beatles entre 1964 e 1966 vinham com capas belíssimas, muitas faixas tinham mixagens diversas das versões britânicas (e que eram relançadas aqui no Brasil) e, o mais interessante: a gravadora criou uma forma de realçar mecanicamente os tapes originais, utilizando um processo de reequalização das faixas num "mock stereo" que, em tempos de vinil, era algo prá lá de supimpa.

O nome desse maldito sortilégio sonoro era um tal de "Full Dimensoinal Stereo". Era mais ou menos o mesmo que o Phil Spector fazia na Philies nos seus compactos. A diferença é que, enquanto Spector mixava tudo de forma artesanal, a Capitol usava pura tecnologia. O objetivo era o mesmo: fazer com que o som Hi-Fi soasse melhor do que o da concorência e, naturalmente, soase melhor no broadcasting dos seus artistas no éter.

No caso particular dos Beatles, esses álbuns da Capitol, embora ordinariamente feitos para vender, ganharam uma aura mítica que perdura até hoje. Tanto que, devido à pressão dos próprios fãs, mesmo depois do relançamento padronizado da discografia britânica em CD no mundo inteiro depois de 1988, a velha discografia americana foi relançada em formato digital, em 2004.

O curioso é que o fetiche dos audiófilos em cima desses discos transcendeu a própria fidelidade do CD. Mesmo que a remasterização digitalizada fosse (quase) impecável, faltava algo ali. Era o maldito Full Dimensional Stereo! Mesmo que o estéreo fosse (em algumas faixas) forjado em duofônico (um canal realçando o grave e o outro, o agudo), a delícia em ouvir aquelas canções em vinil e com aquele som característico - fora o fato que a qualidade do próprio bolachão era melhor do que a inglesa e a brasileira era uma experiência única, especial, inefável e intransferível.

Eu particularmente me flagrei disso quando ouvi o Something New pelaprimeira vez. O disco, lançado logo após o sucesso do filme A Hard Day's Night, era o exemplo típico do que a Capitol fazia com o meterial dos Beatles: a espinha dorsal do LP é o lado B da trilha do filme. Porém (ah, porém), como nos Estados Unidos a United Artists lançou o disco metade instrumental e a outra metade o lado A (ou seja, as músicas que aparecem na película), sobraram as seis faixas da versão britânica (o Something New tem três músicas do filme, também). Somadas à estas, eles juntaram material do EP britânico Long Tall Sally (que não saiu nos Estados Unidos) e a versão alemã dos Fab para I Want To Hold Your Hand (Komm, Gib Mir Deine Hand) e, zás, eis o disco.

Fora a qualidade do Full Dimensional Stereo, o Something New, que foi lançado em versões estéreo e mononatural, em cada uma delas trazia mixagens diferentes das originais. Na versão mono, I'll Cry Instead não é editada, e é maior que a conhecida When I Get Home tem vocais diferentes da original. E no formato estéreo, várias faixas, como If I Fell, têm vocal dobrado na introdução.

Outra curiosidade é que a Parlophone (selo da EMI inglesa) lançou o Something New numa edição limitada apenas para venda onde havia bases americanas na Europa Continental e essa edição é raríssima. E a outra (a última, prometo) é que o LP ê que ficou nove semanas no segundo lugar da Billboard — saiu também pela Odeon alemã.


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terça-feira, 25 de agosto de 2009

Off The Beatle Track


Paul McCartney, George Martin e George Harrison, em 1965

O disco Off The Beatle Track é o primeiro de uma série de álbuns temáticos que Sir George Martin realizou com a música dos Beatles. O produtor britânico, cujo nome está rigorosamente imbricado com o trabalho do quarteto de Liverpool, era originalmente maestro do pequeno selo Parlophone que, a partir dos anos 50, era especializado em música clássica. O máximo que a gravadora se permitia dentro do universo pop era gravar discos de humor, com gente como Peter Sellers e Shirley Abicair. Nos anos 60, Martin dedicidu que a Parlophone deveria investir num gênero que estava em profusão — o rock.

Foi através de Sid Coleman que ele travou contato com Brian Epstein, que era empresário de um grupo do gênero. através dele, George ficou sabendo que os quatro haviam sido limados da Decca/London, e pediu à Brian o tape que eles haviam gravado. Ao ouvir, Martin achou que eles estavam longe de serem promissores, mas viu algum arrojo de originalidade nos vocais de John Lennon e Paul McCartney — embora achasse que Paul soasse demasiadamente como um pastiche de Elvis.

quatro meses depois do enxcontro com Brian, Martin marcou uma sessão com os Beatles nos estúdios da Parlophone, em Abbey Road. George não participou da gravação, apenas deu o veredito, no fim. Achou que eles não tinham canções boas o suficiente, e sugeriu que eles gravssem um tema sob encomenda, How Do You Do It. Eles gravaram, mas não gostaram do resultado: não queriam cantar material alheio, dizendo que eles tinham o seu próprio repertório. "Nós temos esas canções aqui e queríamos gravá-las", disse McCartney a Martin, na ocasião. Ele tinha certeza que How Do You Do It estouraria — tanto que ela acabou chegando ao primeiro lugar, mas com outra banda empresariada por Epstein e produzia por George, o Gerry And The Pacemakers, em 1963.

Em resposta, insistiram em gravar Love Me Do e mostraram Please Please Me para Martin. A primeira canção (com P.S I Love You de lado B) foi lançada como balão de ensaio e se saiu bem nas paradas, chegando ao 17o lugar. O próximo passo era lançar Please Please Me. Martin não queria fazê-lo, e ainda queria que eles tocassem músicas sob encomenda — algo muito comum na época (mais do que hoje).

Contudo, diante da insistência de John e Paul, ele topou. Please Please Me chegou ao segundo lugar, e Martin começou a desconfiar que os Beatles eram promissores de fato. Mais do que isso, eles demonstraram que podiam ser mais do que meros intérpretes, compondo o seu próprio material e, de quebra, transformando a subestimada Parlophone numa máquina de sucessos dentro do pop, algo que ele ruminava há algum tempo, desde que ele produziu compactos do The Vipers Skiffle Group, em 1961.

O resto é história: o êxito comercial dos Beatles cresceu numa progressão fulminante. From Me To You chegou ao primeiro lugar, She Loves You também, e o corolário de tudo isso foi, como se sabe, o single I Want To Hold Your Hand, que foi o passaporte para que o quarteto tomasse a América de assalto, no começo de 1964, instaurando o que se convencionou chamar de... Beatlemania.


A capa

Foi no auge do sucesso 'americano' dos Beatles que George Martin produziu o primeiro disco com a sua assinatura — antes, ele havia lançado material próprio sobre pseudônimo — o Off The Beatle Track. Nada mais é que uma compilação de canções dos Beatles do começo da carreira.

Martin lançou o disco no lastro da produção das canções que ele havia gravado para a trilha sonora original do filme A Hard Day's Night que, no entanto, só foi lançado nos Estados Unidos e no Canadá. Na trilha, Martin criou arranjos interesantíssimos para And I Love Her (que virou um bolero) e Can't Buy Me Love (que ficou ligeiramente coltraneana, inspirada na versão do saxofonista americano para My Favourite Things) e This Boy que, no filme, viou o tema de Ringo (Ringo's Theme).

Em Off The Beatle Track, além de se render ao talento dos quatro garotos que ele outrora subestimara, ele elabora arranjos em seu estilo particular. Aqui, Can't Buy me Love virou um be bop requintado, Don't Bother Me, um twist e I Want To Hold Your Hand, um chá-chá-chá.

em 1965, no mesmo estilo de A Hard Day's Night, Martin também faria a trilha original do filme Help! e, é claro, o famoso (e controverso) lado B da trilha do filme Yellow Submarine, que nove entre dez beatlemaníacos detestam.





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