terça-feira, 22 de abril de 2014
England's Newest Hit Makers
A capa
Estava acostumado por décadas a ouvir o peimeiro disco dos Stones "maquiado" pelo falso estéreo e a qualidade de som típica do vinil antigo. Quando fui ouvir o mesmo álbum em versão SACD, e depois de ler na biografia do Keith que boa parte das sessões de gravação foi realizada em um estúdio de jingles com isolamento acústico improvisado com caixas de ovos, e sabendo da quase total incúria do Andrew Oldham na parte musical, noves fora a inexperiência da banda em estúdio - que, para Richards, era o ápice do improvável para eles, naquele estágio onde os Stones tocavam em pulgueiros, o resultado é surpreendente, é um parto à fórceps (mas o bebê é lindo e rosado, muito embora narigudo e dentuço, como o Keith).
Essa sonoridade "raw" dos primeiros discos, entre os quais o seu debut homônimo, lançado há exatos 50 anos, fariam parte do capítulo 1 dos Stones, que é hoje mais cultivado pelos iniciados do rock. Esse capítulo se insere num contexto interessante: garotos ingleses que transformavam um gênero de música norte-americano que, à época, era um fenômeno tanto localizado quando totalmente subestimado.
Nota-se que foi tudo registrado ao vivo, inclusive palmas (Walking The Dog, por exemplo, imaginem o staff, o escovinha do Gene Pitney, Spector e o próprio Oldham dividindo maracas e tambourine nas faixas).
Sabendo da dificuldade de todo começo, o repertório estava bem arranjado, e inclusive o divino Charlie Watts, cuja lenda era a de que ele sequer era baterista antes dos Stones (lenda, mas que muitos de nós acreditávamos), segura muito bem o ímpeto do quinteto, mais do que faria muitas vezes depois, mas sempre muito seguro de si, a ponto de não deixar a sonoridade cair em garagem pura.
Watts é um gênio incompreendido em sua discrição, como no caso dos grandes bateristas incompreendidos e subestimados, como Al Jackson Jr. Como disse Keith no livro, Charlie é a cama em que os outros quatro se deitam, ele, principalmente.
O que é a virtude dessas primeiras gravações, no entanto, é algo que pesa contra, pelo menos num exercício de imaginação. A infra-estrutura daqueles tempos deixava a desejar em matéria de captar a banda de forma ideal (existem poucos registros em estéreo ou mixagens definitivas nesse modo) no seu começo e a falta de direção de um produtor de escol (Jimmy Miller, o homem que realizou a maiêutica musical do quinteto, só acenaria na história dos Stones em janeiro de 1968) impediu que tivéssemos registros decentes daqueles dias primitivos. Por outro lado, seria impossível conceber tudo aquilo de outra maneira.
Keith fala, em sua autobiografia, que Andrew foi quem os obrigou a começar a compor. No entanto, na verdade, eles já haviam produzido faixas próprias sob a alcunha coletiva de Nanker-Phledge - e Tell Me, uma preferida dos fãs, muito embora soasse como Motown (algo que seria típico dos mods, isto é, transpor para a guitarra os doo-ups das Cleftones ou Martha Reeves, por exemplo).
Ou seja, nada que fosse de novidade, A não ser o fato, salientado por Richards em seu livro: na verdade, Oldham não queria mais cópias de blues de Chicago. Pelo menos, ao contrário do purismo de um Eric Clapton, que realmente se sentiu marginalizado ao quebrar lanças pelo seu purismo no blues, os Stones, e Keith explica, não tinham, ao contrário do futuro guitarrista do Cream, escrúpulos com relação à isso.
Com exceção de "Little Red Rooster" - onde Jagger e Keith realmente queriam quebrar barreiras defendendo a signature song do seu ídolo, Howlin Wolf nas paradas, a banda optou por abraçar o pop.
Tanto que, com efeito, o escopo das canções dos glimmer entre 1964 e 1967 era fundamentado em pop, com raras e obscuríssimas concessões ao blues (como Who's Driving Your Plane, lado B de Have You Ever Seen Your Mother, Baby, Standing in the Shadow). A qualidade da produção dos álbuns dos Rolling Stones caminharia em seus altos e baixos pelo menos até as sessões do Aftermath, que foi gravado no Estúdio A da RCA, em Hollywood (os tapes da Chess eram propositadamente gravados em mono, para soar como a velha Chess) e quando eles defintivamente passaram a usar o Olympic Studios, em Londres.
Quando Mick, Keith e grande elenco chegaram em terra ianque, não existia nada mais passadista que o blues de Chicago ou Memphis. Quando eles adentraram os estúdios da Chess, deram de cara com Muddy Waters no topo de uma escada, dando uma demão de tinta na entrada. Para se manter gravando, mister Morganfield tinha que bancar o factorum. Pois foram esses garotos ingleses que tiraram Muddy daquela escada e lhe deram uma nova reputação.
Porém, como disse Richards em suas memórias, abandonar os standards de blues foi o ponto crucial em suas carreiras. Tanto é verdade que os seus símiles do rock britânico daquele tempo ficou perdido no passado. Até mesmo o début dos Rolling Stones, quando veio à lume, há 50 anos era, ao mesmo tempo, o fim de um capítulo e o começo de outro. Em pouco tempo, o quinteto inglês não seria o mesmo - e o rock também.
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