sexta-feira, 28 de março de 2014

The Fool


A capa




Sessões de gravação de Elvis sempre foram ligeiramente caóticas: na prática, tudo o que era agendado acabava caindo por terra. Canções programadas não conseguiam aval para publicação pelas editoras do cantor a tempo, enquanto ele rejeitava pilhas e pilhas de acetatos franqueados pela RCA e, de quebra, acabava escolhendo músicas que sequer haviam sido cogitadas.

A coisa começou a ficar realmente caótica quando Felton Jarvis passou a produzi-lo, a partir de 1966. Nada contra Jarvis; pelo contrário, ele foi o responsável por segurar todas as barras do rei a partir dos anos 70, quando Presley mergulhava sutilmente num turbilhão de frustrações pessoais e profissionais, depressão, excessos e desespero.

Felton conseguia até demais para o gasto. Precisava reagendar sessões de gravação e solicitar novos adiantamentos de verba para gastos com contratação de músicos. No geral, elas se tornavam mais caras à medida em que ficavam improdutivas e à mercê de barganhas musicais para a obtenção de direitos autorais, já que Elvis era um típico intérprete dependente de escritórios do tipo Tim Pan Alley.

O resultado final dessa fase dos anos 70 ficava na média de altos e baixos - às vezes num mesmo álbum. Mas o maior problema não era esse. O fator complicante é que as sessões eram aleatórias, sem um disco em mente. Ou seja, pecava pela falta de coerência. Material era gravado e apenas cumpria-se o contrato com a RCA e pelo menos dois discos por ano e quatro compactos.

Some-se a isto o fato de que o selo, já além da parcimônia do Coronel Tom Parker nos primeiros anos de carreira do cantor, não estava nem aí pelo fato de a RCA, via selo caça-níquel Camden, editar discos com sobras de compactos-duplos com algum sucesso do momento (como, por exemplo, o Saparate Ways). Discos esses que encalhavam no mercado, e que em termos estéticos, não iam a parte alguma, ou seja, não indicavam nenhuma evolução. Presley mais parecia uma prima-dona dependente de torch songs cada vez mais tristes. Mesmo assim, ele ainda era Elvis Presley.

O problema também era esse. era preciso encarar a realidade. Ele agora era um artista do passado, preso numa turnê sem fim onde ele era refém de si mesmo. O tédio guiava a sua carreira. Agora, única coisa que o Rei e Parker tinham em comum, era a possibilidade de fazer dinheiro. seu empresário não se metia mais em suas canções, cuja produção ficava restrita à Presley e Jarvis. Nem a RCA tinha condições de demovê-lo de nada, do ponto-de-vista artístico. O resultado era um amálgama de pouca ousadia e uma certa integridade musical. Elvis, nessa fase, parecia cada vez mais autoral em suas interpretações.

Ele era um artista do passado, embora tivesse trilhões de fãs, e seus shows comprovavam isso. Mas era um artista do passado no sentido de que, ao contrário do que empresário e gravadora pudessem esperar, sua fase de vender milhões já havia passado, pelo menos se pensássemos em Elvis como artista contemporâneo. Talvez a cobrança tivesse sido pesada demais para ele. Hoje vemos que nenhum artista, nem ele, se fosse vivo, teria que se debruçar a um regime de trabalho tão estafante. A morte prematura, em 1977, veio redimi-lo, um homem que não pôde viver a não ser pelo seu público.

Ainda hoje, mesmo que seu desaparecimento tenha dado uma nova dimensão a sua obra, esses discos, feitos às pressas, com capas de gosto duvidoso e sem grande apuro em matéria de arte-final, são lembrados apenas pelos iniciados na arte maior de Elvis. Ele tem pelo menos sete ou oito discos de carreira que venderam relativamente bem à época, mas que passaram batidos. Aliás, Elvis era cobrado por um desempenho nas paradas, como se a culpa das más posições fossem inteiramente culpa de Jarvis e do repertório. A verdade é que, naquele contexto, não se poderia esperar um milagre de 3 milhões de cópias de discos ou que ele gravasse "Suspicious Minds" de três em três meses.

Parece brincadeira hoje, mas a despeito de toda a reputação e sucesso mundial, Presley tinha que provar que era Elvis o tempo todo. Hoje, qualquer artista jurássico solta um dó de peito e ganha disco de ouro (embora não se venda mais discos como antigamente). Com o tempo, ele foi realmente se cansando. As sessões eram cada vez menores, mais escassas, pouca coisa sobrava para um disco (a coisa chegava num ponto em que bastava encher 123 músicas que voilá, tinham um disco, mesmo com sobras de dois anos atrás, como o disco Now).

O que salvou a RCA foi a opção primeiro por gravá-lo a dez minutos de casa de carro, na Stax (que, depois que quase dez anos, já decadente, voltou a arrendar o estúdio) e, por fim, com o estúdio móvel instalado na Jungle Room de Graceland. Ali, ele gravaria suas derradeiras faixas.

Os discos gravados entre 1973 e 77 devem hoje ser sentidos com outra percepção, de um artista que se tornava mais autoral, tinha completo domínio de voz e deixou interpretações únicas, mesmo em canções que podem ser consideradas descartáveis.

O primeiro dessa série de discos é este aqui. O The Fool. saiu na esteira do sucesso de Aloha, mas não despertou interesse dos fãs. A RCA começou a dardejar sobre Felton Jarvis, já que a concepção do disco é dele. Nessa época, a gravadora queria enfiar outra executiva do selo, Joan Deary, a fim de reformular a produções dos discos, que não vendiam bem. Elvis franqueou a permanência de Jarvis, como fez com Scotty Moore e Bill Black quando os dois se demitiram (e foram readimitidos logo depois, em 1956, mesmo com pressão para a saída da dupla). Como sempre, para o Rei o que contou foi a fidelidade. O seu produtor era o seu fiel escudeiro disposto a quebrar lanças com Deus e todo mundo em nome da sua autonomia musical. E, além do mais, Elvis confiava em Jarvis. Naquela altura do campeonato, não havia nem como mudar time ainda que o escrete tivesse perdendo).

O álbum The Fool (ganhou essa apelido por conta do homônimo disco de estréia do cantor) não é fraco. Tem grandes canções, como It's Impossible (na verdade, Somos Novios, do Armando Manzanero, transladado para o Inglês com Perry Como), Padre e I'll Take You Home Again, Kathleen (famosa canção popular). O único porém no disco é que, o que parece um lançamento de 1973, na verdade, são todas sobras de estúdio compiladas e enfeixadas como um disco "novo". Requentado seria o termo, (ainda mais com uma sobra com fade-in ("Don't Think Twice It's Alright") que era evidentemente um ensaio sacado da gaveta e ditado, e o cover de Somos Novios, que é de um show em Las Vegas. Porém, uma coletânea de canções sem um "carro-chefe" e, para terminar, muito pouco divulgado tanto por Elvis quanto pela RCA. Parecia uma manobra para puxar o tapete do Rei em favor de outra equipe para a produção dos próximos discos.

Fool vendeu bem em todo o mundo. O que eles notavam é que as vendas nos Estados Unidos pareciam diminuir consideravelmente. A RCA deu uma cartada com a edição de (verdadeiras) coletâneas, chamadas "A Legendary Performer" (às costas de Elvis) que, paradoxalmente, vendiam pelhor que os recentes discos de carreira do cantor. Somado a isto a preferência pelos sucessos do passado e os shows, ainda hoje, esses momentos preciosos de Presley em disco no decorrer dos anos 70 é algo a ser redescoberto e re-ouvido.

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Um comentário:

Anônimo disse...

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