domingo, 25 de outubro de 2009
King of Delta Blues Singers
Robert Johnson
Quando o Kingston Trio apareceu do nada, no fim dos anos 50, entoando canções do folclore norte-americano, no estilo dos Weavers, acabaram chegando ao topo das paradas. Tal fenômeno acabou provocando, numa progressão fulminante, uma espécie de revival da tradição daqueles artistas do começo do século, todos mal documentados e praticamente esquecidos.
Os Weavers haviam transformadno Leadbelly em astro quando fizeram sucesso em 1949 com a versão de Goodnight Irene: nove anos mais tarde, o Kingston virou moda com uma velha canção tradicional, Tom Dooley, que chegou, de forma surpreendente, ao primeiro lugar na Bilboard no auge do rockabilly.
O fato de artistas tão jovens entoarem canções tão interessantes foi um elo perdido que ligou a guarda velha do folk para os jovens do fim dos anos 50. Claro que aquilo não se transformou numa coqueluche, mas despertou a atenção de toda a mocidade bem letrada e bem vestida que habitava os centros urbanos dos Estados Unidos, principalmente os redutos boêmios e as universidades.
Logo muitos selos começaram a também relançar antigos 78 rotações com artistas como esses, em geral gravados antes da Depressão. Um exemplo clássico foi o Anthology Of American Folk Music. Compilação editada em 52 pela Folkways, era na verdade uma caixa de três long-plays que reproduzia vários daqueles 78 r.p.m esgotados há mais de três décadas. A série ia do blues ao folk, passando pela hillibily e o bluegrass, trazendo dezenas de intérpretes, da Carter Family até Henry Thomas.
O Anthology of American Folk Music virou o evangelho daquela geração. Dick Van Ronk, um dos jovens intérpretes, criados no Greenwich Village no começo dos anos 60, junto com Joan Baez, Phil Ochs, Judy Collins, Fred Neil e Bob Dylan, dizia que eles ouviam aqueles elepês até ficarem rosados de tanto serem varridos pela agulha da vitrola; e escutavam até as “músicas ruins”.
Todavia, se essa compilação foi o evangelho do folk, no rastro desse revival da velha guarda do folclore ianque, em 1961, um colecionador apaixonado por material da antiga desencavou o registro histórico de outro artista mitológico. O nome do tal colecionador era o executivo da Columbia Records, John Hammond e o tal músico esquecido era Robert Johnson.
Como se sabe, lá por 1936, um sujeito chamado H. C speir, andava pelo Missisipi atrás de talentos do blues. Achou Johnson e o indicou a um produtor da Brunsuick para que gravasse algumas canções num estúdio que o selo havia montado em um quarto de hotel em San Antonio, Texas.
Foi uma de duas sessões que ele gravou (a outra foi em Houston), totalizando vinte e sete músicas. Robert chegou a ver Terraplane Blues vir á lume e obter relativo sucesso: o 78 rotações vendeu 5 mil cópias. O resto chegoua ser lançado, sendo que treze temas postuimamente. Johnson morreu em agosto de 1938, com apenas 27 anos. A partir dali, nascia a lenda do rei do blues do Delta.
John Hammond corria atrás daqueles discos raros e há muito tempo fora de catálogo. Quando ele as encontrou, descobriu que os direitos pertenciam a Vocalion. Decidiu adquirir tudo, sem pestanejar.
Quando surgiu o momento ideal, no começo dos anos 60, ele decidiu fazer uma seleção das mais representativas canções de Johnson e pó-las num long-play, lançado agora pela Columbia, dentro de uma séris de discos temáticos que compilavam o melhor do blues e do folk do passado.
Não mais que de repente, o vinil King of Delta Blues Singers, a seleção do autor de Cross Road Blues, assombrou o mundo. Em pouco tempo, aquilo iria assombrar o mundo e mudar os rumos da música. Ninguém havia ouvido nada igual. Quando ele saiu, poucos haviam ouvido Johnson, sendo que três das dezesseis faixas nunca haviam sido editadas.
É notório que o elepê passou batido comercialmente; Robert não iria aparecer na capa da Time como aconteceu com a jovem Joan Baez. Mas um homem que era apenas uma lenda surrealista, agora tinha voz para cantar e ouvidos para ser ouvido. Aquela música iria e foi absorvida — tanto por toda aquela geração quando pelas posteriores.
Da mesma forma pela qual ele foi redescoberto, muitos dos que estavam vivos foram alçados ao primeiro plano: velhos violonistas de blues e de folk que há muito tinham abandonado á música viraram estrelas no palco do Festival de Newport. Outros foram largamente coverizadas e, depois de anos, conseguiram ver a cor do dinheiro por canções que antes estavam flanando somente na tradição oral.
Mississipi John Hurt e Cisco Houston, por exemplo, no fim da vida, puderam gravar um disco. Muddy Waters disse que os Rolling Stones lhe deram uma identidade; Sonny Boy Williamson e Howlin’ Wolf dividiram o palco com roqueiros e foram gravados pelos Yardbirds e o Cream. Contudo, se a nova geração lhes concedeu uma nova identidade, a velha geração forneceu àqueles jovens o essencial: um repertório.
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sexta-feira, 23 de outubro de 2009
O último vôo folk
A capa
Os Byrds são uma banda cultuada entre os ouvintes de rock em geral, mas a maioria das pessoas conhece apenas a primeira fase do quinteto, como Mr Tambourine Man e o Turn, Turn, Turn!
O problema é que, devido a problemas de compatibilidade musical, duelo de egos e brigas, o conjunto foi mudando de formação a cada elepê, até o ponto em que o único remanescente dos áureos tempos dos Byrds no último trabalho da banda, Farther Along, era o proprio Roger McGinn.
Gene Clark saiu em 1966 porque tinha medo de avião. David Crosby foi demitido em 67 por Mcginn porque ele resolveu dar um discurso aloprado em Monterey e ainda deu uma canja no Buffalo Springfield no festival. Clarence White, um dos guitarristasd mais subestimados do mundo, acabou se tornando membro efetivo após trabalhar com os Byrds como guitarista de estúdio.
Mais tarde, Gram Parsons integraria a banda e mudaria o estilo do folk rock para o country e o bluegrass (White também vinha da mesma escola). Na nova formação, eles lançariam o clássico Sweetheart Of The Rodeo. Depois Gram seria demitido (McGinn vivia demitindo membros da conjunto)e, com Chris Hillman (que sairia também), fundaria o Flying Burrito Brothers. Clarence permaneceu e, com Roger, criou cinco álbuns muito bons, Dr. Byrds & Mr. Hyde, Ballad of Easy Rider , o duplo(Untitled), Byrdmaniax e o canto do cisne (ou seria pássaro), Farther Along.
Um parêntese: ainda com contrato com a CBS, McGinn resolveu surprenedentemente topar um retorno meio WTF com os membros originais, dessa vez reunidos como um supergrupo, para fecharem de vez o boteco com uma saideira, Byrds, de 73, que eu particularmente acho muito Crosby, Stills, Nash. O álbum não é ruim, muito pelo contrário, mas sempre achei meio absurdo essa reunião — eu ouço o disco, mas é como se não fossem os Byrds. Sem falar na puxada no tapete dos então membros atuais do grupo.
Até porque, muito tempo passou e todos desenvolveram carreiras-solo bastante distintas e peculiares, e além do mais, parcia mais um golpe publicitário para alavancar a recém criada Asylum que, depois de contratá-los, tentou contratar Bob Dylan, e conseguiu, por três discos (depois ele retornaria à Columbia).
Farther Along, mesmo que não traga os músicos que notabilizaram o quinteto mundialmente, é mais sincero, repara derrapagens na pós-produção do Byrdmaniax e fecha a discografia deles com estilo. É um tiro curto, sem mixagens ou as orquestrações que descaracterizaram a música deles, no disco anterior.
Mais para entonizar uma tendência que estava acontecendo com eles e que parecia irresistível, os Byrds iam cada vez mal nas paradas. O último trabalho deles simplesmente não charteou nem nos Estados Unidos, nem na Inglaterra — onde ele, aliás, foi gravado, durante uma turnê britânica.
A banda agora estava reduzida a um quarteto, Clarence, Roger, Skip Battin e Gene Parsons. McGinn insistiu que as músicas de trabalho fossem America's Great National Pastime e Tiffany Queen, mas as canções mais interessantes do disco são a que dá nome ao álbum, Farther Along, um hino gospel que ficou belíssima no arranjo de White, que canta Bugler, a história de um sujeito que perde o seu melhor amigo de quatro patas. Bugler é simples e comovente, e vale o disco.
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quinta-feira, 15 de outubro de 2009
O Vade Mecum da música de Porto Alegre
Quando um amigo meu havia me dito que havia achado uma cópia do elepê Paralelo 30 (foto) lacrado num balaio do Palácio Musical, a preço de banana, eu não acreditei> disco, lançado em 1978, devia ter sobrado em algum lote que hibernou em algum estoque que foi comprado pela loja: o vinil estava intacto. Esse álbum é um elo perdido na história da música porto-alegrense dos anos 70 e é um testemunho de uma época que musicalmente foi muito produtiva, porém muito pouco registrada.
Pesquisando sobre a história do rock na cidade, eu descobri o Liverpool, lá do fim dos anos 60, e garimpei a biografia do Carlinhos Hartlieb, escrita pelo Jimi Neto e Rossyr Bernyr e lançada pela Tchê, nos anos 80. O problema era, naqueles tempos, eu achar algum disco que me contasse a história da música urbana da capital que, com o surgimento do movimento do rock gaúcho, anos depois, legou aquelas manifestações musicais ao esquecimento.
Hartlieb foi um agitador cultural e compositor prolífico, e criador das Rodas de Som, no Teatro de Arena e idealizador de uma série de pocket shows, que agregavam arte cênica e música, como M’boitatá, Voltas. Interessante era ver que, na ebulição criativa daqueles verdes sanos, havia a formaçção de uma imagem musical peculiar, que misturava tanto a música pop dos Beatles com música latina e regional, porém sem arroubos de regionalismo, mas mais ou menos no sentido de um folk sulino, urbano, eclético e sofisticado.
O corolário desse 'movimento' é álbum Paralelo 30. A idéia foi do jornalista Juarez Fonseca — em colaboração com Geraldo Flach, de juntar quatro dos músicos mais proeminentes da época e, numa tentativa audaciosa, lançá-los para o mercado. era um momento especial, porque seria o primeiro registro fonográfico daquilo que acontecia em Porto Alegre, em meados dos 70 e uma forma de fazer aquilo explodir.
Como diz Fonseca no encarte do elepê, "Paralelo 30 é um disco gaúcho, mas não é um disco gauchista. Ele mostra tendências que coexistem aqui, em Porto Alegre, e que são resultado de muitas influências, inclusive a recente influência da consciência da terra, do que se vê e faz no lugar".
Contudo, o que talvez haja de peculiar além desse conceito incluso na musicalidade dos seis compositores, Carlinhos Hartlieb, Raul Ellwanger, Nando D’Ávila, Nelson Coelho de Castro, Bebeto Alves e Cláudio Vera Cruz é que esse espírito fez com que um disco coletivo, que contaria com compositores de estilos parcicularíssimos se fundissem, de tal arte que, mesmo que gravando respectivamente suas duas canções à parte, Paralelo 30 parece um diosco coeso, como se o quarteto fosse uma banda imaginária, que resolveu fazer uma espécie de White Album gaúcho.
E a tese da "coesão do Lp não é gratuita, já que muitos dos quatro tocaram e cantaram nas faixas de seus colegas.
O disco nasceu quando Juarez apresentou o projeto à extinta gravasdora Isaec. O selo tinha recém adquirido uma mesa de som de última geração e Flach topou a empreitada. As gravações se realizaram no começo de 1978 e o álbum foi lançado no fim do ano, pela Pentagrama, uma pesudo-subsidiária da Isaec.
Mais do que um ítem de colecionador, Paralelo 30 prá mim virou um disco especial, porque ele me caiu em mãos no momento certo e eu ouvi ele um bilhão de vezes. Além de ser um daqueles discos essenciais, é como se eu conseguise visualizar essa estética do pop porto-alegrense da época.
Quando eu ouço Sem Rei eu me lembro da foto que o Leonid Strelaiev tirou do Cláudio Vera Cruz atravessando a Comendador Coruja com o viollão no saco, tendo a Brahma ao fundo (quem é de Porto Alegre deve estar imaginando a cena). E é um daqueles discos que a gente gosta de todas as faixas, e só consegue ouvir do começo ao fim.
Não saberia destacar qual é a mais bonita, se a toada Água Banta, do falecido Nando D'Ávila, a andina Maria da Paz, com direito a bumbo legüero e flautas, o quasi-tango De Banquetes E De Jantares e a milonga Que Se Pasa?, do Bebeto Alves, o xote Fronteiras, do Raul Elvanger ("faz bem tempo me larguei/mundo velho sem porteira/foi cruzando fronteira/que eu aprendi a viver).
Resumindo, em termo, é uma inefável referência de uma musicalidade que é se transformou num paradigma que o tempo não apagou. Muito do que se fez ou e concebeu, em matéria de múica urbana aqui na cidade tem sólidas raízes. Pela sua excelencia, originalidade, nunca saiu de cena e nunca vai sair de moda, por conta de seu carater universal.
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terça-feira, 6 de outubro de 2009
Vereda Tropical
A famosa capa de Amor, de Eydie e o Los Panchos
Eydie Gorme é uma das cantoras mais legais que eu conheço. E é curioso perceber que ela tem uma carreira enorme cantando em inglês mas, pelo menos, aqui no Brasil, ela ficou eternamente lembrada por conta da sua colaboração com o Trio Los Panchos como crooner, em meados dos anos 60.
Nova-iorquina do Bronx, começou a carreira nos anos 50, a despeito do sucesso no mercado latino ser notório. Aliás, é curioso notar que ela parece duas ao mesmo tempo. A que canta na língua de Shaekespere com o seu marido, Steve Lawrence — uma espécie de Dick Farney piorado — e os dois LPs míticos que ela gravou com o Los Panchos. Bolero pode ser considerado um gênero piegas e brega por seus detratores mas, vamos combinar, cantar com o marido é mais brega ainda.
E o auge do sucesso da Eydie cantando em inglês foi até o começo dos anos 60. Gormé sempre foi crooner (aquele intérprete demodé que vivia em função de alguma big band, como na Era do Swing). Como cantora solo, ela é mais lembrada pela bizarra Blame It On Bossa Nova. O ápice no mercado ianque, por exemplo, foi um Grammy como melhor cantora com If He Walked Into My Life.
Contudo, se formos pensar bem, as duas são pouco lembradas do público latino. Mas se alguém citar Eydie cantando pérolas como Sabor a Mi, Piel Canela ou Luna Lunera, aí é impossível não associá-la ao gênero que a entronizou como uma das intérpretes mais expressívas, o bolero.
Gormé é um exemplo peculiar de como o gosto musical varia de continente para continente. Mais ou menos como aconteceu com Trini Lopez ou Nat King Cole, o repertório em espanhol sempre foi muito mais ouvido e apreciado.
A parceria com o Trio Los Panchos — com efeito o maior no estilo, pelo menos ao que concerne ao sucesso de público e de vendas de discos em todo o mundo. Despeito de possuir diversasas formações ao longo do tempo, seus membros originais eram Alfredo Gil, Chucho Navarro e Hernando Aviles. Fruto tardio da relação de amizade cultural entre as américas, dos tempos da Política da Boa Vizinhança, eles acabaram caindo no gosto dos ouvintes de várias gerações.
Questiúnculas políticas à parte, aqui no Brasil, bolero foi e sempre será cativo dessa especialidade musical. E, na esteira daquele tipo de material que hoje é mal e porcamente chamado de easy listening (até porque é de fácil audição mesmo), Eydie fez o crossover entre o seu garbo de cantora afinada com big bandas e o blend latino de um regional de bolero. Perfeito. Lançado em 1964, Amor até hoje é um dos discos mais fantásticos do gênero.
Melhor só a continuação, Mas Amor, de 1965. É mais do mesmo mas é tão bom quanto. Eu, particuylarmente, acho o segundo melhor que o primeiro, muito embora Amor tenha sido o mais famoso, a começar pela capa clássica, com Gormé sorindo com um blusão verde de gola rolê. É aquele tipo de disco que, sempre que eu vejo num sebo, acabo puxando para olhar capa, contracapa, olhar o estado do LP — fetiche de colecionador, fazer o quê...
Sabor A Mí acabou se tornando para ela uma espécie de signature song, ou, traduzindo mal, aquele tipo de canção que é a cara do intérprete e vice-versa. Mas quase todos os números que constam nos dos LPs podem ser consideradas como versões definitivas: La Ultima Noche, Historia de Un Amor (como se sabe, originalmente um tango) Vereda Tropical, Nosotros, No Te Vayas Sin Mi, Flores Negras, Desesperadamente ("Ven, mi corazón te llama,
¡ay! desesperadamente"), Guitarra Romana e Contigo en La Distancia.
Eydie gravou um disco muito interessante com Luiz Bonfá — Bonfá & Brazil — porém mais Bossa Nova e acabou não atingindo o mesmo sucesso da parceria com o Trio Los Panchos. Como se não bastasse o fato de que o estilo entronizado por Tom Jobim e João Gilberto nunca tenha sido lá comercial — mesmo em sua tera natal, ela ainda inventou de cantar em covers de BN em inglês e com seu consorte, a cópia barata do Dick Farney (brincadeira, gente), e nem o compositor de Manhã de Carnaval salvou a bolacha. Vá saber.
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