terça-feira, 14 de dezembro de 2010

O Canto de Cisne de Lady Day


Lady In Satin

Depois de se livrar de sérios problemas com drogas e a Justiça (mais com a segunda do que a primeira, já que os agentes de narcóticos eram quase como um fã-clube ao contrário, morcegando cada apresentação sua), Billie Holiday conseguiu novas boas vindas ao show business depois do lançamento da sua autobiografia, Lady Sings The Blues, em 1956.

Seu retorno culminou num memorável concerto no Carnegie Hall, naquele mesmo ano. Ao mesmo tempo, ela retornaria ao disco, desta vez pela Verve, a convite de Norman Granz.

No ano seguinte, Lady Day se apresentria em festivais de jazz, como em Newport e uma exitosa turnê canadense. Sua vida sentimental recomeçara também, com o fim de seu relacionamento atribulado com Jimmy Monroe. Porém, havia um outro relacionamento difícil de terminar: a bebida e as drogas continuavam a fazer parte de seu cotidiano.


No fim de 57, Billie rescinde o contrato com Granz e volta à Columbia quinze anos depois (ela gravou o melhor da sua primeira fase no selo, entre 1933 e 1942, até partir para a Decca). A idéia dos executivos era realizar uma mega-produção “no nível da grande estrela que Holiday sempre foi”.

Para tanto, conceberam um disco especial: o repertório iria consistir do melhor da música americana dos tempos do Tim Pam Alley — em sua totalidade, consistindo de números nunca granados por Lady Day — acompanhada apenas e tão somente por um arranjo de cordas, sob a regência de Ray Ellis.

O problema é que, a despeito do fato de que Billie já tinha relativa experiência com arranjos desse naipe, ela sempre foi uma crooner de jazz, isto é, ela iria se sentir menos à vontade londe do seu habitat natural, que era o improviso. Como naquele tempo não havia overdubs, Holiday teria que gravar tudo ao vivo com a orquestra. Por conta disso, tudo deveria ser milimetricamente calculado.

Ou seja: na prática, tudo era muito bonito, tudo era muito bem concebido, tudo era feito na melhor das intenções. Só que, naquela altura do campeonato, quem conhecesse Billie saberia que ela não iria ter o mínimo saco para aquele tipo de metiér — e talvez fizesse de tudo para demonstrar isso...

E foi mais ou menos o que aconteceu. Ao contrário dos velhos serões de jazz, não havia afinidade com os músicos; seu timing era diferente do de Ellis, rigorosamente profissional em seu lavor de joalheiro em lapidar cada arranjo, elaborar cada timbre, moldar cada canção.



Em contraposição ao espartano Ray, Billie esquecia as letras (todos eram inéditas do seu repertório usual), não fazia lá muita questão de decorá-las e, sendo quase uma sexagenária em seus quarenta anos — consumidos em noitadas e bebedeiras — ela já estava na capa da gaita.

O resultado final — Lady In Satin — pode ser considerado como um álbum sui generis na carreira de Holiday. Talvez pelo fato se se tratar de uma incursão de uma cantora de jazz num gênero tão diverso como o easy listening tenha, em parte, a engessado e, ao mesmo tempo, a colocado numa situação diversa.

Billie poderia soar melancólica em alguns momentos em disco, como em Don’t Explain ou God Blass the Child, por exemplo.

Contudo, é difícil explicar a aura soturna que permeia Satin do começo ao fim. Para quem conhecia seu material da Columbia nos anos 30/40, o que vemos agora mais parece o ocaso de uma estrela. Billie exala uma tristeza que os arranjos superdimensionam, desde a sua voz arrastada e carregada de vibratos até o coro feminino que, como observa bem Roberto Mugiatti no epílogo da versão brasileira do Lady Sing the Blues, mais parece “o comitê de recepção ao paraíso”.



Ou seja, Lady In Satin podia ser arrastado para a fácil rotulação de uma produção cheia de clichês — e, de fato, o disco foi descascado pela crítica, que o achou comercialóide demais para uma diva do jazz — se não fosse por Billie. O Penguin Guide to Jazz chegou a dizer que o disco era um “olhar curioso sobre uma mulher vencida”.

As críticas, porém, ficaram divididas: uma facção achava que ela estava na sarjeta. Outra achava que ela havia se redescoberto; sua oz carregada de vibratos exalava uma outra mulher, uma outra cantora, que pairava por cima de todos os pântanos.
Quem primeiro reparou nisso foi o próprio Ray Ellis.



Era como se, ao profetizar o fim, aquilo lhe franqueasse uma aura pessoal de dignidade e, ao mesmo tempo uma absurda vitalidade na forma terna em que ela emposta e coloca a voz, catalisando de maneira inefável os seus sentimentos mais profundos e inescrutáveis de uma forma tão doce e tão dolorosa ao mesmo tempo. “For heaven’s sake, let’s fall in love...”, canta ela.

Anos mais tarde, Ellis revelou que ficou desapontado com a perfornance de Lady Day. No entanto, não deixou de observar que mudou de idéia quando foi mixar os tapes com o produtor, Irwing Townsend:
— O momento mais emocionante foi reouvir a gravação de “I’m a Fool to Want You” — diz ele. — Havia lágrimas em seus olhos.

— Depois que terminamos o álbum eu entrei na sala de controle e escutei todo o material— conta. — Devo confessar que fiquei desapontado com aperformance dela, mas na verdade eu estava ouvindo de forma racional, e não de maneira emocional. Não me apercebi disso semanas depois, quando escutei a mixagem final e então percebi o tamanho de sua atuação como cantora, revela Ellis.

A edição de 2010 da Legacy, que inclui bonus tracks, corrobora tanto a opinião de Ray quanto mostra a dificuldade de lidar com Billie durante as sessões. Em “I’m a Fool To Want You”, ela parece mais bovina a cada take. Em “End of Love Affair” é possível imaginá-la tentando se achar na partitura, errando a letra, ora se impacientando, ora rindo de si mesmo.



Ellis pede para que ela ouça a orquestra e um take aparece na seqüência todo em instrumental, para que ela ouça — tudo era feito ao vivo, fato que, com efeito, aumentava o desgaste entre ela e os músicos. Em determinado take, ela não consegue esconder a raiva. Erra, e depois diz: “que diacho, o que vocês estão fazendo comigo, eu não sou uma prima-dona!”.

A despeito disso, terminadas as sessões de Lady In Satin, entre mortos e feridos, todos se salvaram. Ray e Billie até voltariam a gravar juntos, dessa vez pela Verve, num álbum que seria chamado de Last Recordings.

Aliás, nem todos se salvaram. Billie continuaria como uma pedra a rolar, até vaticinar o seu fim no enterro de seu amigo e amante, Lester Young (com apenas 49 anos), no começo de 1959: “A próxima sou eu”, disse a um amigo, logo depois.


PS: O Lady In Satin foi relançado este ano também aqui no Brasil pela Columbia/Legacy em super áudio, pela coleção 1001 Albuns da CBS




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2 comentários:

Anônimo disse...

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Anônimo disse...

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