domingo, 10 de outubro de 2010

O Banquete dos Stones


Capa

Um homem deu uma grande ceia e enviou seu servo para dizer aos convidados que tudo estava preparado. Todos se escusaram. O servo disse que ninguém quis vir. Com raiva, ele replicou: "sai pelas praças e introduz aqui os pobres, os aleijados, os cegos e os coxos. Disse o servo: "senhor, está feito como ordenaste, mas ainda há lugar". Ele replicou: "sai pelos caminhos e obriga todos a entrar, para que se encha a minha casa. Pois vos digo, nenhum daqueles homens que foram convidados provará a minha ceia".

A parábola do Evangelho de Lucas 14 é a largada para o primeiro álbum nota dez dos Rolling Stones e o começo de uma série de discos de qualidade excelentes, que compreendem juntos o Século de Péricles da banda de Mick e Keith. Livres das acusações de porte de drogas que lhe custaram quase todo o ano de 1967 e longe dos palcos, os cinco decidiram consolidar de vez sua música, depois de trabalhos irregulares, como a coletânea Flowers, ou o metapastiche psicodélico Their Satanic Majesties Request, uma incursão agressivamente bisonha no Flower Power.

No estafe, Richards e Jagger mudou quase tudo, do fotógrafo ao produtor, Andrew Loog Oldham que, como diretor musical, era um excelente publicitário. Para o seu lugar, eles recrutaram Jimmi Miller, que trabalhava com o Traffic de Steve Winwood e Chris Wood. A parceria também seria fundamental no trabalho dos Stones a partir dali.


O álbum seria também um retorno às raízes da banda, que havia se perdido à medida em que o quinteto resolveu abraçar a muisicalidade pop e a estética mod à medida em que passaram a compor. A proposta era fazer algo "sério", ao contrário do pastiche do Between The Buttons e a volta ao bom e velho blues que os forjou como banda — ou, como disse alguém ummisto de Delta Blues e Swingin' London decadente.

Beggars Banquet
começou a ser gravado em março de 1968 e a perspectiva era finalizá-lo até antes do começo de outono. Em maio, o single Jumpin' Jack Flash saiu com estardalhaço — e o disco prometia.

Um elemento distintivo, e que seria incorporado ao som dos stones desde então, a partir de Jumpin' Jack Flash era a utilização de afinações alternativas em suas canções, por parte de Richards, que passou a estudar estilos variados de guitarra durante o recesso forçado de 1967. Ocorolário já podia ser ouvido noseu mais novo compacto, onde Keith passaria a utilizar afinação em OIpen E, o que daria um caráter muito mais expressivo e vigoroso aos seus riffs a partir de então.


E a citação bíblica que deu origem ao título do disco não é gratuita: Beggars Banquet é cheio de citações aos evangelhos, porém de uma forma ligeiramente secular e cínica. Como em Sympathy for the Devil que, numa escatologia baudeleiriana, descreve como o mal serviu mais de testemunha do que de agente em diversos momentos da história - a músioca reflete também o ano político de 68, ao comentar a morte do senador democrata Robert Kennedy (Martin Luther King também seria assassinado naquele mesmo ano).



Aliás, o filme One Plus One (Godard) mostra perfeitamente o processo de elaboração do arranjo de Sympathy for the Devil. Mais do que isso, mostra como à medida em que a banda em geral se entrosava cada vez mais em torno da produção, o apático Brian Jones preferia ficar alheio a tudo isso e deixaria os Stones menos de um ano depois do lançamento do disco.

O disco contém pérolas como No Expectations, um blues-country inspirado em Robert Johnson, que ganharia um cover dos Stones no álbum seguinte, Leve In Vain, no Let It Bleed. A tragicômica Dear Doctor, sobre um casamento arranjado com um final (in) feliz (que fica mais peculiar com um arranjo simples de jug band), a dionisíaca e muddywateriana Parachute Woman; a subestimadíssima (e dylaniana) Jigsaw Puzzle serve de entreato para o lado B do disco, que começa com o hino Street Fightin' Man - inspirada na volência crescente contra movimentos estudantis na França, que culminariam na guerra de paralelepípedos na Sorbonne.

Prodigal Son, único cover do disco, é um original do obscuro blues-singfer e reverendo Robert Atkins. Os stones deram um sutil toque country, amalgamando os estilos (algo que um certo Gram Parsons, que seria grande amigo de Richards, já tencionava fazer nos Byrds nessa mesma época). O destaque é para o trabalho acústico de Keith, que consegue (sbe-se lá como) fazer o volão gemer e distorcer — e o estilo despojado de Jagger cantá-la (como ele faz de mesma forma em Factory Girl), franqueando ao master take um despojamento de uma gravação demo.

Canções como Dear Doctor, Prodigal Son, Factory Girl e No Expectations também demostram esse lado roots do álbum — em fazer algo que dificilmente os Stones feriam novamente, que é moldar todo o disco com uma roupagem acústica. E esse ponto-contraponto elétrico-acústico seria o mote nos álbuns dessa fase do quinteto, do Beggars até o incensado Exile On Main Street

Rich Grech (Family) e Dave Mason (Traffic) participam de Factory Girl - e provavelmente seria os primeiros de um verdadeiro desfile de participações especiais que passariam amiúde pelas faixas dos discos seguintes, até o Black And Blue, de 76.

Salt of the Earth, a despeito da citação ao Sermão da Montanha (São Mateus), é uma espécie de conclamação aos trabalhadores de todo mundo, mas na verdade, ela tem um fundo falso, de anti-canção de protesto.


Segundo Jagger, era uma forma irônica de ir do lado de um espírito de manada de acreditar emalgum tipo de redenção: "eu estou dizendo que essas pessoas não têm nenhum poder e nunca irão ter", diz. Stray Cat Blues, uma das poucas canções pesadas do Beggars, fala sutilmente de pedofilia: "I can see that you're fifteen years old/No I don't want your I.D.". Também seria um dos highlights da turnê de 1969.

Beggars Banquet ficou pronto no prazo. A querela é que eles queriam que a Decca aprovasse uma capa onde aparece uma foto de um mictório imundo. A gravadora vetou, é lógico. Mas a disputa iria durar meses, até que os Stones capitulassem em favor de uma capa imitando um convite RSVP. O fato da capa final sair toda branca e do disco ter saído na mesma época do White Album, dos Beatles, fez com que muitos (como sempre) achassem que os Stones estivessem imitando o quarteto de Liverpool.






Link nos comentários.

2 comentários:

Anônimo disse...

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Groucho KCarão disse...

ERRATA: "A parábola do Evangelho de Lucas 14 é a largada para o primeiro álbum nota dez dos Rolling Stones"
Antes de Beggars Banquet, os Stones já tinham, pelo menos, dois discos nota dez, quais sejam, o Between the Buttons e o Their Satanic Majesties Request. Os três discos em questão são, cada um a seu modo, coisas que - infelizmente - os Stones jamais viriam a repetir. Não que isso seja necessariamente ruim, pois, pelo menos até o Goat's Head Soup a variação no estilo da banda foi SUPER benéfica!
Grande texto, apesar desse errinho! =P
Abraço.