segunda-feira, 7 de julho de 2014

Tattoo You


A capa




É líquido e certo dizer que o cânone dos Rolling Stones reside no período entre 1968 e 1972 e que tudo o que a banda realizou a partir de então pode ser deixado de lado (prá não dizer outra coisa). A verdade é que existe uma certa má vontade com eles a partir do (excelente!) Goat Head Soup.

Diz-se que os anos 70 não foram bons para os Stones. Mas, se pensarmos assim, na verdade, os anos 70 não foram bons prá ninguém - e as coisas também não são bem assim. Para a banda, a década representou uma tentativa desesperada de manter a integridade sonora sem perder o bonde da história da música.

Isso explica por que eles foram de Herodes a Pilatos a cada disco, entrando e saindo de estilos musicais, desde o glitter de "It's Only Rock'n Roll" até a disco do Studio 54 com "Miss You".

Ninguém poderia culpá-los pelo fato de que o rock estava saindo de moda naqueles tempos - ao mesmo tempo em que os punks os consideravam aqueles balzaquianos capitaneados por Jagger e Richards sumariamente jurássicos.

Verdade seja dita: mesmo que o rock estivesse fora de pauta, a produção dos Glimmer melhorava a cada disco. Aos trancos e barrancos, podemos dizer que a fase pós Jimmy Miller, que vai de 1973 até 1981 não é ruim. Porém, á medida em que eles vendiam milhões de discos, impacientavam a crítica. Debra Rae Cohen, por exemplo, escreveu que, depois de Emotional Rescue, "já havia perdido a paciência" com os Stones.

Um parêntese: sobre isso, Keith explicaria a ausência de "foco" na produção dos 70 ao excesso de músicos de estúdio envolvidos no processo o que fez, de acordo com ele, a tomar um outro rumo, chegando, em alguns momentos, "a nos afastar dos nossos melhores instintos".

De acordo com Cohen, todavia, o que os surpreendeu foi, justamente o último disco dessa fase, Tattoo You. Lançado às pressas, para chegar às lojas junto com a nova turnê, em 1981, o disco surpreendeu a todo mundo, inclusive aos Stones.

Na verdade, Tattoo You não passa de um monstrengo. Enquanto a banda parecia bater sempre na rede pelo lado de fora quando queria realmente agradar a Deus e todo mundo, nos álbuns anteriores, foi justamente quando não havia pretensão nenhuma que eles conseguiram meter a bola na forqulilha.

O que ninguém sabia na época é o novo disco era uma raspa que foi retocada, requentada e jogada na parede (ou na parada) e que grudou. Sem tempo para fazer uma produção comme il faut, os Rolling Stones deram carta branca ao produtor Chris Kimsey de exumar latas e latas de uma década de arquivos de faixas inutilizadas, demos e esqueletos de canções, a fim de fazer uma peneira.

Kimsey, que conheceu os Stones em Some Girls (e que se tornaria co-produtor de nove álbuns dos Stones ao todo) e conhecia as canções da banda de trás para a frente, selecionou material e convenceu a Mick e Keith que era possível fazer um disco em cima daquilo. Do Goat, eles completaram "Tops" e "Waiting on a Friend". Ou seja, levariam longos oito anos para que ela ganhasse aquele inefável solo de Sonny Rollins.

"Slave" e "Worried 'Bout You", por seu turno, são sobras do Black And Blue. A segunda, aliás, ainda sem o típico falsete de Mick, estava no repertório do histórico show no El Mocambo, em Toronto, no Canadá, em 1977. Se os vocais foram concebidos na elaboração de Tattoo You, a guitarra, tocada por Wayne Perkins, permaneceu do take original (assim como a de Mick Taylor em "Waiting On A Friend").

Já "Little T&A", "Hang Fire" e"Black Limousine" são do tempo do Emotional Rescue. Por fim, Chris Kimsey selecionou sobras pós Rescue, como "Heaven" e "Neighbours" ("resgatada" pelos Stones ao vivo mais de vinte anos depois). Todas as faixas receberiam novos vocais por Jagger, que foi o único stone recrutado para dar o feixe nas canções exumadas e remasterizadas para Tattoo You.

Das extensas sessões do Some Girls, salvou-se "Start Me Up". Esta que, por sua vez, é considerada (pela crítica) como o grande último sucesso dos Stones, tem uma história rocambolesca: concebida como um reggae, nasceu em Roterdã, durante as sessões de Black And Blue.

"Start Me Up" seria a canção "jamaicana" do disco, mas não foi a parte alguma, sendo execrada em favor do cover de "Cherry, Oh, Baby". Keith lhe daria uma nova chance em 1978, durante as sessões de Some Girls.

Regravada - de acordo com Kimsey - no mesmo dia finalização do master de "Miss You", Richards insistiu até que a base ficasse pronta. Nesse tempo, lembra o produtor, a música já tinha o arranjo que nós conhecemos.

- Talvez com aquela experiência do estilo 'disco' em "Miss You", ele [Keith] tenha decidido trabalhar a música de outro jeito - diz Kimsey. - Não levou muito tempo para que todos nós entrássemos no clima. Quando conseguimos um take de "Start Me Up", em que todos disseram: "essa foi boa", Keith veio até a sala de e disse: "é, está razoável, parece algo que ouvi no rádio, ainda está parecendo um reggae. Pode apagar". Ele ainda estava brincando com a música, e não tinha gostado do take.

Kimsey se recorda, ainda em depoimento para Life, a autobiografia de Richards, que Keith desejava apagar todos os masters do disco antes do lançamento. Para ele, era a única forma segundo a qual ninguém teria acesso àquele material.

Pois, para o bem de todos e felicidade geral da nação, Chris cumpriu o desejo do guitarrista, porém ao contrário. Qual não foi a surpresa de Keith ao ver a refugada "Start Me Up" na lista das canções listadas para o novo disco dos Stones.

- E aquele take acabou se tornando a melhor música de Tatoo You, três anos mais tarde - concluiu Chris Kimsey.





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quarta-feira, 2 de julho de 2014

Night Life


A capa



Conheci Ray Price por causa do Willie Nelson. O compositor de "Crazy", clássico na voz da maior cantora de country de todos os tempos, Patsy Cline, fez o que ninguém na época imaginaria: empreender um verdadeiro crossover entre o sisudo Nahville Sound para uma versão desgarrada do gênero que, já no final dos anos 70, se transmutaria no Outlaw, um misto de hillibily hippie, que abriria o country para outros públicos e, de quebra, rejuvenesceria o próprio estilo, nos arredores do que chamamos hoje de "Americana".

Quando ele jovem, Nelson era um compositor prolífico para cantores de Nashville. Em 1963, em parceria com Price, já famoso há quase dez anos, principalmente por conta de um grande sucesso, "Crazy Arms", eles lançaram um álbum que se tornaria um masterpiece: Night Life.

No influente 1001 Albuns You Must Her Before You Die, Will Fullford Jones classificou o disco de "o In Wee Small Houres do country". Não sei se todos os meus leitores aqui entenderão a analogia.

Frank Sinatra fez um disco de fossa, composto apenas de baladas. A comparação, portanto, não é de algibeira; todavia, cabe salientar que a fossa é uma temática recorrente no universo country (e no southern soul também, mas isso é uma outra história). Portanto, não haveria novidade em tal nota lúgubre aqui.

A questão é que a originalidade de Night Life reside no fato de que, num determinado contexto, long-plays de country não eram tão comuns àquela época. E, mais do que isso, dentro das possibilidades, estamos falando de uma lenda, que é o falecio Ray Price, já um intérprete proeminente e que, sim, gozava de popularidade suficiente para lançar um elepê.

Assim, mais do que lançar um disco, Price criou um álbum conceitual - aí sim podemos entender a faliz analogia de Fullford, onde a tônica é a boemia. Price apresenta o tema antes da primeira faixa, à guisa de prelúdio. Em seguida, desfila um maravilhoso terço de canções que falam de separações, amores destruídos, mulheres dissolutas, amores não-correspondidos, arrependimento, homens traídos - que varam noites a foi procurando seus arrufos em honky-tonks (no basfond, no butecão, tomando u´pisque caubói e jogando sinuca até as sete para as dez da manhã).

Fazendo um parêntese: é curioso verificar que, mesmo sabendo como é latente essa lírica destinada à dor de corno seja algo que atraia um público gigantesco - no country norte-americano e além dele. Para tanto, não precisamos ir tão longe: basta lembrarmos de clássicos de Hank Williams, como "Take These Chains From My Heart', "Crazy Heart" ou "Wedding Bells".

O country ianque, como o nosso "cognato" serrtanejo, sempre destilou a temática da "dor de corno". No entanto, enquanto esse gênero aqui é espartanamente execrado, lá, nos Estados Unidos, músicos como Ray Price, e outros, do mesmo extrato, como Merle Haggard, George Jones e o próprio Nelson, são verdadeiros heróis entre seus pares.

Isso explica, aliás, como o country teve tamanho apreço e apelo suficiente para influenciar o jovem rock'n roll - e foram com efeito os seus protagonistas os responsáveis (de Gram Parsons até Kurt Cobain) por citar gente como os Louvin Brothers como influências seminais em seus respectivos trabalhos.

Tal fato também explica, pois, o motivo pelo qual Night Life foi parar na lista dos 1001 Albuns - um grande passo no sentido de consolidação e popularização do country além das suas fronteiras.



PS: quem já curtiu uma fossa vai gostar de Night Life. PS: 2 Ouçam "Pride", prá mim, a melhor do disco.



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