domingo, 28 de março de 2010

A Jukebox de John Lennon


A Capa

Certa vez, eu vi um trecho de documentário no Youtube onde aparecia o criador do Lovin' Spoonful, John Sebastian, falando sobre a música Do You Believe In Magic e da relação dele com a música dos Beatles. Achei muito interessante, mas nunca parei para pensar do que se travava. Tempos depois, o site indisponibilizou o trecho do vídeo.

Esses dias, navegando na Internet, eu descobri de onde saíra aquele excerto de documentário: é uma produção de 2004 para o The South Bank Show, um programa de cultura produzido pela ITV de Londres. Aqui está a íntegra, que foi ao ar, na época:



A história é bastante curiosa: em 1965, o beatle John Lennon comprou uma jukebox portátil (uma espécie de Ipod do tempo das cavernas), com capacidade para quarenta compactos. Sempre que ele viajava ou saía em turnê, ele a carregava consigo. Um dia, ele se desfez dela e o aparelho — uma Swiss KB Discomatic — viajou mundo, até parar num leilão. Um colecionador, John Midwinter, produtor musical de Bristol, adquiriu a relíquia.

No fim da vida, ele desejou que a jukebox virasse tema de algum documentário. Dois produtores da ITV se encarregaram do projeto, Steve Jansen e Malcolm Gerrie. A idéia era pegar os quarenta singles que Lennon sempre escutava, a fim de analisar tanto o que o guitarrista dos Beatles apreciava naquele momento quanto para observar como o seu eclético gosto musical, que ia de Soul a R&B e rock dos anos 50 — e como esse gosto se refletia de forma seminal em sua criação artística.

A produção correu mundo para encontrar quem estava envolvido — dirertamente ou não, como Sting, por exemplo — com boa parte daquelas canções. Acharam de Jerry Leiber a Mike Stoller até Fontella Bass, Little Richard, Donovan, John Sebastian, Gary U.S. Bonds, Bobby Parker e Bruce Channel.

Desta forma, cada um respectivamente recebia a jukebox, no melhor estilo capelinha de condomínio, e aquilo gerava um fluxo de consciência que os permitia refletir sobre os bastidores daquelas gravações, seu contexto histórico/musical. As histórias são interessantes.

Por exemplo, Warch Your Step, de Bobby Parker, influenciou o criador de Help! no riff de I Feel Fine e no de Day Tripper. A harmônica reinitente de James Ray em If You Gotta Make a Fool of Somebody ou a de Bruce Channel em Hey Baby influenciou os Beatles em temas como Little Child ou Love Me Do.

A predileção de John por Turquoise, de Donovan (que está na juke), o fez se interessar por uma técnica mais acurada de fingerpicking no violão folk, e isso é visível no seu trabalho acústico no White Album, nas faixas Dear Prucence, Happiness Is a Warm Gun e Julia.

Assim como a maioria dos jovens ingleses do começo dos anos 60, mais especialmente os mods, Lennon se interessava por soul. Por conta disso, muito do acervo da Swiss KB Discomatic do ex-beatle é dedicado a discos da Stax e da Motown. De southern soul, ele tinha predileção por Booker T And The MCs, também por Wilson Pickett e Otis Redding. Os Beatles chegavam a fazer jams ao estilo dos MCs e isso é evidente na obscura 12-Bar Original (aparece no Anthology 2, de 1996), de 1965, que é uma paródia um tanto convincente de Green Onions, clássico de Booker T.

Da Motown, é possível observar que John era fascinado por Smokey Robinson e os Miracles (os Miracles foram o primeiro conjunto da Motown a lançar um elepê pela gravadora, e é representa a primeira geração do soul) e Marvin Gaye (que era músico de estúdio deles antes de se lançar solo em êxito, em 1962), além de Barret Strong — o criador de Money, o primeiro grande sucesso do selo de Chicago, no fim dos anos 50.

Money (que está na jukebox), como se sabe, era o cover preferido de 9 entre 10 bandas de Liverpool, e os Beatles estavam na lista; tanto que a gravaram, no With The Beatles, de 1963, que é, com efeito, o álbum da banda que tem mais influência desse material que Lennon ouvia.

A questão crucial é que, como muitos como Gary U.S. Bonds e Bobby Parker ficavam assombrados com o fato de que a maioria desse material de Rythym'n Blues americano, como Pickett, Timmy Tucker, Timmy Shaw (que constam no acervo de John) tocavam estritamente em rádios negras e não tinham visibilidade o suficiente para chegar aos ouvidos dos jovens britânicos. Ou seja, era curioso como, a despeito disso, essa nova música tanto chegava quanto fazia a cabeça da moçada inglesa.

E mais precisamente a de Liverpool, que tinha acesso aos discos porque esse material era contrabandeado e vendido nos cais da cidade desde os anos 50. John dizia que discos de Larry Williams (John era louco pela música dele, como se sabe), Little Richard, Gene Vincent (que aparece com o single Be-Bop-A-Lula), Elvis, Buddy Holly (que aparece na jukebox com Richard e Williams).

Mesmo contra a direção musical dos meios de comunicação em geral, foi justamente esse tráfego cultural Estados Unidos-Liverpool que permitiu que aparecesse a cena musical naquela cidade: enquanto o rock morria na América, ele renascia na Inglaterra, através daquele scompactos, que eram avidamente disputados.

Lennon também ouvia seus contemporâneos: deles, além de Donovan, aparecem Animals (Bring It On Home to Me), Isley Brothers (de onde sairia Twist And Shout), Contours, Paul Revere And The Riders, Bob Dylan (Positively 4th Street) e dois singles do Lovin' Spoonful: Do You Believe In Magic e Daydream. Outra citação interessante é o Big Three, que transformou Some Other Guy (Leiber-Stoller) em coqueluche nos pubs de Liverpool. Os Beatles cansaram de tocá-la no Cavern, e existem gravações dela — porém Leiber confessa não ter ouvido a versão dos fab-four.

Esse é o trecho que eu havia assistido do documentário: Sebastian comenta também era influenciado por soul porque, segundo o líder dos Spoonfuls revela que a introdução de Do You Believe In Magic é uma brincadeira em cima do começo de Heat Wave, da Martha Reeves And Vandellas! A comparação, que aparece na edição do vídeo, é perfeita de tão engraçadíssima.

Sebasatian, que também fala sobre Dylan, confessa que nasceu no coração do Village quando ocorreu a efervescência cultural do renascimento do folk, com os jovens que redescobriam os antigos menestréis do passado e reproduziam aquelas canções nos bares do bairro nova-iorquino e em Washington Square. Ali Dylan musicalmente nasceu, com Joan Baez, Jim Kwensky, Mamas And The Papas e tantos outros, que formaram uma geração de cantores/compositores que também influenciaram naturalmente os Beatles e se tornaram autores de suas próprias músicas.

O documentário se perdeu e reapareceu na Internet. Em 2004, a Virgin Music lançou um CD duplo com as famosas 40 canções que John Lennon carregava consigo em sua Swiss KB Discomatic. A lista das canções, que é memorável, é essa:

1. "In the Midnight Hour", Wilson Pickett
2. "Rescue Me", Fontella Bass
3. "The Tracks of My Tears", Smokey Robinson and the Miracles
4. "My Girl", Otis Redding
5. "1-2-3", Len Barry
6. "Hi-Heel Sneakers", Tommy Tucker
7. "The Walk", Jimmy McCracklin
8. "Gonna Send You Back to Georgia", Timmy Shaw
9. "First I Look at the Purse", The Contours
10. "New Orleans", Gary U.S. Bonds
11. "Watch Your Step", Bobby Parker
12. "Daddy Rollin' Stone", Derek Martin
13. "Short Fat Fannie", Larry Williams
14. "Long Tall Sally", Little Richard
15. "Money (That's What I Want)", Barrett Strong
16. "Hey! Baby", Bruce Channel
17. "Positively 4th Street", Bob Dylan
18. "Daydream", The Lovin' Spoonful
19. "Turquoise", Donovan
20. "Slippin' and Slidin'", Buddy Holly

Disco 2

1. "Be-Bop-A-Lula", Gene Vincent
2. "No Particular Place to Go", Chuck Berry
3. "Steppin' Out", Paul Revere & the Raiders
4. "Do You Believe in Magic", The Lovin' Spoonful
5. "Some Other Guy", The Big Three
6. "Twist and Shout", The Isley Brothers
7. "She Said, Yeah", Larry Williams
8. "Brown Eyed Handsome Man", Buddy Holly
9. "Slippin' and Slidin'", Little Richard
10. "Quarter to Three", Gary U.S. Bonds
11. "Ooh! My Soul", Little Richard
12. "Woman Love", Gene Vincent
13. "Shop Around", The Miracles
14. "Bring It on Home to Me", The Animals
15. "If You Gotta Make a Fool of Somebody", James Ray
16. "What's So Good About Goodbye", The Miracles
17. "Bad Boy", Larry Williams
18. "Agent Double-O Soul", Edwin Starr
19. "I've Been Good to You", The Miracles
20. "Oh I Apologize", Barrett Strong
21. "Who's Lovin' You", The Miracles


A duras penas, eu consegui compilar esse disco, que estava inacessível. Inclui nos arquivos Boot-leg, do Booker T (1964), que passa no filme mas não tem no disco, além de algumas canções que John certamente escutava em compacto: Anna, com Arthur Alexander (1962), You Can Depend On Me (1961), com os Miracles, que são os que mais aparecem na coleção do John, e To Know Him Is To Love Him, dos Teddy Bears (1959), música pela qual Lennon era aficcionado, e a gravou ela várias vezes, duas com os Beatles (Decca Tapes e Live at The BBC) e uma, solo (no Menlove Avenue).



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Nota de Esclarecimento

Aviso aos meus leitores tanto desse blog quanto do 1001 Discos (www.1001albuns.blogspot.com) que a página foi arbitrariamente deletada na quinta passada. Primeiro, eles deletaram vários posts e me avisaram, via correio-eletrônico, que eu tinha a liberdade de republicá-los, se eu me achasse no direito de fazê-lo. Num segundo momento, mesmo a despeito de não termos mais republicado os posts deletados, continuamos atualizando a página. Em represália, eles deletaram tanto o nosso blog quanto toda a database de textos que havia no arquivo, ou seja, mais de 300 textos foram jogados pelo ralo — mesmo antes que pudéssemos resgatar os textos para migrar o conteúdo para outro site, a fim de hospedar o blog. Segundo o Blogger, no primeiro aviso, foi porque eles haviam recebido denúncias de entidades representantes de direitos autorais da indústria fonográfica. Até aí, tudo bem; a questão é que o material que postávamos já se encontrara à disposição para download pela Internet afora: basta pesquisar no Google. Além disso, o site nobrasil.org já possui todos os 1001 álbuns para baixar. Então, quem está a fim de continuar ouvindo, pode procurar em sites de busca, porque isso eles não vão conseguir liquidar. A gente é apenas uma gota no oceano. Ou seja, assim como existem milhões de outros blogueiros que usam os serviços deles para publicar material para download, já existem pelo menos dois sites que fazem o mesmo trabalho que nós fazíamos — apenas por puro prazer. Ninguém lucrava nada com aquele ofício, que era nosso hobby. Lucrávamos, somente, com o excelente retorno de nossos leitores — que eram muitos, para não dizer centenas, e essa despretensiosa visibilidade nos transformou em réus de juízo. Enfim, o nosso blog foi extinto mais por sua visibilidade do que pelo seu objetivo.

Eu, por meu turno, vou continuar postando aqui, porquanto existe muito trabalho a fazer e muitos discos para ouivir.


--- Marcelo

quinta-feira, 18 de março de 2010

African Herbsman


A coletânea da Trojan, de 1971


Lee Perry, um dos precursores do dub e um dos maiores produtores de reggae na Jamaica dos anos 60, começou como vendedor de discos do patriarca do ska, Coxonne Dodd. Em 1971, depois de vários serviços prestados por diversos selos, ele fundou seu próprio estúdio, o Black Ark, onde pôde ter mais liberdade em suas produções.

Foi nessa essa época que ele trabalhou com os Waillers. Oriundos do tempo dos sound systems, a banda de Marley, Tosh & Bunny havia mudado o seu som, influenciado pelo rocksteady e pela religião Rastafari. Data dessa época os seus primeiros trabalhos dentro do gênero, que culminariam no sucesso internacional de Catch a Fire, já distribuídos pela Island Records, em 1973.

As sessões de Perry

Os Waillers, que eram artistas de Dodd, por divergências artísticas, o deixaram em favor de Perry, que já trabalhava com os Upsetters, um dos maiores grupos (e considerado por muitos, contra tudo e contra todos, o maior) de reggae até então. Em menos de um ano, sob a produção de Lee, Marley e grande elenco gravaram uma série de canções que é o big bang da música dos Waillers que iria marcar a década seguinte.

Embora muito longe das grandes produções da parceria Tuff Gong/Island, sob o comando de Chris Blackwell, esse material prima pelo fato de ser menos pretensioso e registrado bem no esquema das gravadoras jamaicanas da época, como a Trojan: um som de qualidade pobre e rudimentar, porém sinceras — sem as maquiagens típicas de Blackwell, por exemplo.


Leslie Kong

Antes das sessões com Perry, os Waillers tinham trabalhado com outro produtor da ilha, Leslie Kong: dessa época, nasceram canções como Soul Shakedown Party e Stop The Train. Da fase com Lee 'Scratch', eles gravaram muito do materiual que seria reaproveitado nos álbuns seguntes, como Sun Is Shining, Kaya, Trenchtown Rock, Small Axe, Lively Up Yourself, 400 Years e Satisfy My Soul (então chamada de Rock The Boat).


A briga

Meses após o contrato com Lee, os Waillers romperam com ele. A alegação era a de que o produtor teria registrado todas as músicas em seu nome, numa editora, à revelia da banda. Um acinte. No fim, Perry ganhou a briga e, até hoje, detém os direitos desse material. Foi por isso que, já na Tuff Gong, passou a registrar muitas das suas músicas com nomes diversos e parceiros idem, em editoras obscuras, a fim de evitar os tubarões de direitos autorais. Claro que isso deu uma tremenda dor de cabeça para a sua família depois da sua morte, em 1981.


Picaretagem musical

A partir de então, tento o material da fase Leslie Kong e Lee Perry do espólio musical dos Waillers é relançado em centenas de coletâneas diversas — daquelas que a gentre sempre encontra nos balaios de lojas de discos por aí. O funesto nisso é que a maioria desses discos, prensados apenas com interesse mercadológico, não possuem qualquer informação sobre a origens dos fonogramas. Pior: bilhões e bilhões desses CDs são lançados de tempos em tempos, sem qualquer apuro em matéria de digitalização.


African Herbsman

A primeira coletânea dos Waillers resultante das gravações com Lee Perry é Arfican Herbsman, de 1971. Ela saiu logo após o lançamento de Catch a Fire — naturalmente aproveitando a publicidade em torno do primeiro elepê 'internacional' da banda de Marley.

O disco é uma coletânea porque, como era comum na incipiente indústria fonográfica na Jamaica, os selos, em geral, investiam principalmente em singles. A razão é simples: pouca gente tinha condições de comprar um long-play. A outra é que o público-alvo era jovem e, com efeito, com menor poder aquisitivo. Junto com Herbsman, a Beverly lançou um The Best Of The Waillers que, na verdade, não é uma coletânea, e sim, as dez músicas que eles registraram sob a batuta de Kong.

O disco

A despeito de soar precário, Arfican Herbsman é um disco injustiçado: deve integrar a discografia "oficial" dos Waillers, pela sua qualidade musical. Por exemplo, a versão de 400 Years é tão boa quanto melhor do que a do Catch a Fire.

Lively Up Yourself, despida dos pancakes pós-produção da Island, e com um vocal com phasing de Marley, é deliciosa; Duppy Conqueror, que das muitas canções regravadas, permaneceu na primeira versão, e é tão clássica quanto Jamming ou Stir It Up.

O destaque é All In One, como o nome diz, é um divertido medley que eles bolaram, que passa por Nice Time, da Pyhillis Dylon, One Love (depois gravada no Exodus, de 77), What a Feeling, Simmer Down, Love And Affection e It Hurts to Be Alone (estas, mais do tempo dos Wailling Waillers).




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quinta-feira, 4 de março de 2010

Creme Batido & Outras Delícias


Dolores Erickson na capa clássica...

Sempre fui fã da música da Tijuana Brass. A época em que eu mais ouvia os discos, quase que de forma involuntária, era porque eu fiz um estágio de seis meses na rádio Educadora de Porto Alegre como operador de áudio, e como não podia deixar de ser — e como, em alguns casos, é, até hoje, muitos de seus temas eram deliberadamente utilizados como trilha ou cortina musical de programas.

Por exemplo: a rádio Itaí, nos anos 70, usava Mae, do álbum Going Places, como a trilha do programa Clube dos Namorados. As mais comuns, em geral, eram Lonely Bull, Lollipops And Roses, e, óbvio, A Taste Of Honey. Essa, que abre o maior clássico da Tijuana Brass (o mais conhecido, embora não considere o melhor), Whipped Cream And Other Delights (1965), e a mais conhecida de todas. Até quem não conhece easy listening ou ouve rádio já ouviu/conheceu.

Curioso é que eu sempre vou ligar Herb Alpert à banda de mariachi pop mais manjada do planeta, mas ele tem uma carreira como compositor considerável antes de se tornar um solista conhecido — e não como cantor, mas como compositor. Isto é, produzindo discos de música instrumental. E todos sabem que música instrumental não tem lá muito atração. Mas os operadores de áudio certamente acabaram ajudando a promovê-la. Hugo Montenegro que o diga.

Alpert é compositor, junto com Lou Adler, de Wonderful World, sucesso com Sam Cooke, em 1960 e certamente uma de suas mais notáveis interpretações. Um dia, Herb foi assistir a uma tourada em Tijuana, México, e se apaixonou por um regional de mariachi que tocou lá. De repente, veio o estalo: por que não fazer uma versão moderna desses combos mexicanos? Ele decidiu então adaptar o trompete como solista em um combo daquele tipo. Com Sol Lake, que seria responsável por boa parte das músicas da Tijuana Brass, ele compôs Lonely Bull. Um leve twist com som de fanfarra e de público, como se saudasse a entrada de um toureiro na arena.


E na de Piano Wirchcraft, de Cy Coleman

Arcou com todos os custos de produção e divulgou o compacto em diversas rádios pessoalmente. A brincadeira logrou Êxito: chegou ao sexto lugar nas paradas. Isso que ele sequer tinha ascendência hispânica — Herb é judeu e americano. Com o tempo, dois anos dpeois, ele passou a receber tanto convite para se apresentar em casa de espetáculo que teve que recrutar uma trupe de músicos. Foi quando surgiu a Tijuana Brass.

O auge chegariam em 65, quando a sua gravadora, A&M (Alpert e Moss) lançou dois discos, Going Places (que tem Mae e Mexican Shuffle) e Whipped Cream. O disco é genial. Temático, cada canção fala de um tipo de comida e é um desfile de ritmos e estilos musicais com arranjos em mariachi. A Taste Of Honey se tornaria a versão mais conhecida (junto com a dos Beatles, talvez).

Depois Lemon Tree, Bittersweet Samba (outro preferida para cortinas de rádio), e duas que são as minhas preferidas, respectivamente a segunda e a terceira do lado A, Green Peppers, do Sol Lake, e Tangerine, do Johnny Mercer. Aquela, breve e pop, com uma paradinha divertida no meio dela; essa, um bolero perfeito. E Whipped Cream, cujo clipe (tem no You Tube) mostra Alpert dançando com uma centena de atores vestidos de Carlitos.

Mas mais clássico que o disco é a capa, onde a modelo Dolores Erickson aparece coberta de creme e segurando uma rosa vermelha.


O Soul Ssylum também parodiou a capa

Na época, Moss e Alpert achavam que era algo despudorado demais. Ainda mais que ela estava grávida e os seios de Dolores estavam ligeiramente proeminentes — fora o olhar pertubadoramente sensual dela, lanbendo os dedos. A foto se tornaria um ícone, sendo parodiada milhões de vezes. Claro que nem tudo aquilo era creme, senão teria derretido debaixo das luzes, durante a sessão de fotos. E ela vestia um discreto sutiã...





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terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

The Birth Of Trojan: Duke Reid Rocksteady


A capa

The Birth Of Trojan: Duke Reid Rocksteady é uma coletânea de 2002, focada exclusivamente na viagem músical empreendida por esse produtor de música jamaicana dos anos 60. O rocksteady foi um ritmo que existiu nesse país entre dois períodos bem distintos: o ska do tempo dos rude boys e as produções sofisticadas do reggae, a partir dos anos 70. O estilo surgiu, lá por 1964, como uma alternativa ao ska, que era muito mais uma dança de salão.

Ao contrário, o Rocksteady era mais lento, possuia um naipe de matais maior e músicos que trabalhavam mais o lado instrumental das canções do que simplesmente o ouriço do ballroom dancing da época dos sound systems.

O irônico é que muito do que foi elaborado durante o período do rocksteady influenciaria de forma seminal o reggae. Contudo, ao contrário deste, ele não conseguiu a mesma projeção fora da Jamaica. Até mesmo porque muito das produções como as da Trojan — embora este selo tenha sido o primeiro passo para a internacionalização desse tipo de som, depois da Island Records, a partir da Inglaterra, por exemplo, o rocksteady era um ritmo caseiro, sem a pretensão de sair desses domínios.

O que seria uma grande injustiça com um punhado de artistas e produtores musicais que, de forma quase artesanal, colhia fogos de abrolhos para criar uma cena músical, pelo menos do ponto de vista fonográfico. Nesse senmtido, a maioria dos cantores e músicos eram, a rigor, investidos em produções de singles, e muito desse material se esgotaria depois que o reggae ganhou o mundo, primeiro com Desmond Dekker e, depois, com os Waillers.

O ofício de Duke Reid, por exemplo, era catapultar um elenco de artistas que eram relativamente populares na Jamaica. Muitos, como Tommy McCook, tenha influência direta de Coltrane. Outros, como os músicos de Dobby Donson e Freddie McKay (naturalmente sob a batuta de Reid), estabeleceram uma linguagem sonora emoldirada por linhas complexas de contrabaixo — algo que floresceu no rocksteady e foi parar, por exemplo, no estilo de Aston "Family Man" Barrett.

Duke começou na época dos sound systems, carros de som que eram verdadeiras emissoras de rádio peripatéticas. Nos anos 60 é que ele se estabeleceria como produtor, tendo como referência direta o soul norte-americano. Por conta disso, muito do que seus artistas interpretava, eram, em geral, covers obscuros da Motown. Perfeccionista, ele sempre trabalhou com lavor de joalheiro nos arranjos das canções — algo quer contrastava muitas vezes com a qualidade sonora das gravações.

Hoje, claro que existe um certo charme fetichista em ouvir aqueles temas originalmente mixados como compactos. E, nessa coletânea, isso é evidente. sir Don, com Tommy Mc Cook & The Supersonics, é genial no sentido de ser possível imaginar que existia uma virtude musical ligeiramente subestimada num país de terceiro mundo.

Uma das estrelas da Trojan, Phyllis Dillon, é um exemplo de artista subestimada. Influenciada por Dionne Warwick, é uma pérola perdida em temas como Leaving In The Hands Of Love. Seus duetos com Oliver St. Patrick são memoráveis. O próprio Oliver,por sua vez, assim como Alton Ellis é um excelente crooner para canções românticas, como I Want To Be Loved, que é uma baladona soul de se escutar de joelhos. Ellis chegou a fazer sucesso fora da Jamaica, e teve uma carreira longa, ao contrário da maioria daqueles intérpretes hoje obscuros. Duke tinha a sua própria banda, os All Stars, e seus arranjos mostram o melhor do bom humor típico do rocksteady, despojado e inteligente.

Outro lado curioso do rocksteady instrumental são brincadeiras com temas conhecidos, como Roland Alphonso & The Supersonics tocando Never To Be Mine, que é nada mais nada menos que O Sole Mio. Cornet Rock Steady é A Di La. Starry Night, com McCook no sax tenor, é um improviso em cima daquele famoso tema do primeiro movimento da Sinfonia Patética, do Tchaikovsky. O resultado é excelente.

O rocksteady é algo tão fanscinante que não poderia durar muito. Há quem diga que o nome não ajudou em sua perpetuação; há quem diga que o fator preponderante foi o sucesso de Dekker e de Jimmy Cliff como ícones de algo que era substantivamente tributário desse gênero, mas que, ao contrário dele, tinha um conteúdo menos romântico e escapista em favor de letras militantes que iam de encontro com a filosofia Rastafari. Resumindo mal, a diferença entre os dois residia na linguagem. ao mesmo tempo, tanto a Trojan, como subsidiária da Island, passou a promover bandas que tinham ligação com o Rastafari — mais precisamente gente como Cliff, os Upsetters e, por fim, Bob Marley e os Waillers.

Com uma distribuidora na Europa e com uma pós-produção como a de Chris Blackwell, buscando uma cara mais cognata à do rock, a música jamaicana enfim iria atingir outros mercados, como o norte-americano. E foi o que aconteceu. Em 72, quando The Harder They Come virou sucesso, o rocksteady já era passado. De forma esporádica, gravadoras que adiquiriam os direitos da Trojan ou de outros selos, lançavam coletâneas — muitas vezes ripadas diretamente dos elepês, pois muitos dos masters haviam sido apagados ou perdidos.

No caso desta, Duke Reid Rocksteady não foge á regra. O som das faixas é digitalizada do vinil, o que acarreta numa certa perda de qualidade. Mas no fim, restitui à posteridade um gênero musical que o mundo esqueceu.


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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Time Fades Away


O clássico

A história de Time Fades Away, lançado por Neil Young no auge do seu sucesso após o êxito comercial de Harvest, é bastante peculiar. Começa pelo fato de que, a fama inesperada o obrigou a novamente cair na estrada. No entanto, ele estava mais disposto a estabelecer um set list de canções ainda inéditas que o cantor canadense tinha a intenção de editá-la em disco, mesmo já havendo um registro ao vivo da turnê de 1971 (de onde saiu a gravação den The Needle and the Damage Done.

Desse vez, Neil ia encarar a platéia com novas canções, e com outra banda que não o Crazy Horse, o Stray Gators. O público não entendeu o repertório e muito menos a mudança na sonoridade da banda. A pressão fez com que o baterista Kenneth Buttrey deixasse os Gators em favor de Johnny Barbata, ex-CSNY.

Além desses problemas nada fortuitos, Young teve que aguentar a birra de Jack Nietzche, que seguidamente se exasperava ante a platéia confusa que se punha aprotestar por conta do repertório. Fora as bebedeiras do steel guitar, Ben Keith, que às vezes nem se lembrava qual instrumento ele havia tocado no ensaio. O próprio Young enfrentyou problemas com a bebida, fato que fez com que a sua voz, ao final da turnê, ficasse afetada por uma inflamação na garganta.

Neil havia desenvolvido depressão por causa de Danny Whitten, que ele viu definhar com o uso indiscriminado de heroína, o que le levou à moete prematura. O compositor de Tell Me Why também entraria numa fase sombria de sua vida, cujas letras refletiam muito de suas angústias naquele momento histórico de sua carreiura musical. E o Time Fades Away, junto com On The Beach e Tonight Is The Night iriam fazer parte de uma trilogia, a Ditch Trilogy, marcado pelas letras tristes e extremamente autobiográficas.

Neil precisou pedir ajuda de David Crosby na guitarra, mas isso só gerou atritos entre os dois e Jack, que reclamava que o instrumento do ex-Byrd cobria o som do dele. Em 19 dias, a turnê malfadada acabava de forma melancólica.

Time Fades Away, lançado em 73, saiu logo de catálogo. Young sempre expressou sua especial predileção por esse elepê, mas achava que as canções e o que ele julgou como a péssima qualidade das interpretações dos músicos, a despeito de ser, como ele assevera, um documentário vivo do que foram aqueles anos para ele, ser algo indigno de ser recatalogado.

O resultado é que o disco, que é um dos melhores álbuns ao vivo da história do rock, desde a primeira prensagem, ficou fora de catálogo. Muitas prensagens em formato bootleg se sucederam, mas oficialmente Time Fades Away nunca foi lançado em formato digital; muitas das versões existentes em Mp3 são meras ripagens de material analógico.

Coletâneas do cantor também passam longe das faixas do disco, que é quase obscurecido pela sua pretensa (falta de) grandeza — já que, ao contrário de Harvest, ele não foi bem recebido por crítica e público na época, fato que deve ter contribuído para a decisão de Young em refugá-lo de forma tão irracional e injusta.

Mas o disco, ao contrário de julgamentos dessa natureza, é um registro indelével de Young em sua fase mais criativia e expressiva, com momentos geniais, como em L.A, The Bridge, Yonder Stands the Sinner, a lírica Love In Mind e a angustiante Journey Trough The Past.




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sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

No Tempo do Bumba-Iê-Iê Boi


A capa, feita no Cinema Império, no Rio


— Em 1971, quando eu trabalhava na CBS, eu fui expulso da CBS. Eu trabalhgava como produtor, e umprodutor me expulsou porque eu fiz um disco chamado Sessão das 10. Era eu, Sérgio Sampaio, a Míriam Batucada e o Edy Star, agora Edy, que tá fazendo muito sucesso hoje com esse negódio de andrógino. Esse disco era muito engraçado, não tinha nada de mais, e a própria CBS não gostou. Eu aproveitei uma viagem que o diretor fez para os Estados Unidos e fiz o elepê, custou 23 milhões a produção do disco. Porque a linha da CBS era aquela linha tipo Zé Povinho, eles diziam: "olha, meu filho, isso aqui é uma fábrica de vender ilusões, tem que vender". E aí eu saí da fábrica de vender ilusões, entrei no Iê-Iê-iê realista e fiz o disco. Teve uma música que eu até tive que botar uma harpa egípcia, eu falei que eu queria esse instrumento, e falei com um cara que transava com essas coisas e ele me disse: "não serve uma harpa paraguaia?". Eu disse que queria egípcia, e mandaram vir de São Paulo para gravar uma música só o último acorde na gravação, a música tinha três minutos e 300 compassos, e aí ele botou a harpa no caminhão e trouxe. E depois eu fui para a Philips. Mas o disco não vendeu nada — desapareceu misteriosamente do mercado, ninguém sabe o que aconteceu.

Esse depoimento, que aparece antes da faixa Sessão das 10, do CD Se o Rádio Não Toca (Eldorado, 1994) é um resumo quase irretocável
do que foi uma das experiências mais interessantes da carreira musical de Raul Seixas e conta a história de um dos maiores álbuns de música brasileira gravados nos anos 70 e por que não dizer, de todos os tempos na história da MPB moderna. E isso sem contar que a trajetória de Raulzito pelo rock brasileiro ainda estava começando.

Existem muitas versões da forma como Sessão das 10 foi concebido e as mais apócrifas são as mais interessantes. A verdade é que Seixas tinha um bom conhecimento do mercado musical tanto do Brasil e do mundo e, á medida em que ele era obrigado a lançar e produzir artistas que estavam enquadrados tanto dentro do esquemão das gravadoras naquele Brasil do som dos anos 60 e começo dos 70 — um pop brega-meloso-udigrudi-romântico com raízes recentes na Jovem Guarda com letras domesticadas pela Censura Federal, Raul tinha consciência do que estava acontecendo fora daqui.

Um exemplo tocante era ver que ele gravava artistas como Jery Adriani e Wanderléa e, ligado no rock inglês e americano, ele teve mais ou menos o mesmo choque cultural que Tim Maia teve ao chegar no país, em 1964, e descobrir que ninguém aqui sabia o que era soul music, Smokey Robinson, Marvin Gaye, Sam Cooke. Enquanto nas paradas no Brasil se ouvia Meu Limão, Meu Limoeiro, na América já havia acontecido Capitain Beefheart, Arthur Lee, Janis Joplin, Hendrix, Zappa e toda a turma que resolveu um dia chutar o balde do rock.

Quem iria fazer a Revolução Brasileira? Era o que mais se pensava naqueles tempos paranóicos de AI-5, perseguições políticas, reitores banidos, ensino de cabresto, jornalistas exilados, intelectuais censurados, guerrilhas, miséria e violência social longe da pauta das redações.

Na música, não poderia ser diferente — por uma questão de sobrevivência. Ninguém queria fechar a fábrica de ilusões que era a única forma de expressão vigente. Contestação era uma palavra banida da história.

Em suma, por isso e muito mais, não havia espaço para a estética iconoclasta do rock estrangeiro no Brasil. Aliás, sequer havia espaço para o rock no Brasil — o máximo que o mainstream aceitava e entendia era versão spaghetti: quem fazia rock de verdade acabava caindo na clandestinidade.

Por isso que muito do que foi produzido no gênero longe do esquemão de rádios, tevês e gravadoras se tornou subterrâneo, fora os selos que topavam embarcar em algo do tipo. Exemplo são os Baobás, que foram os únicos a gravar Moody Blues e Love numa época em que covers de iê-iê-ê não podiam sair do paradigma Beatles. Quem ouvia Moody Blues no Brasil de 1969/70?

O mais singular é que, com relação à Raul Seixas, Sessão das 10 é uma espécie de elo perdido entre o tempo do proto-rock dos Panteras e a fase áurea de Raulzito, a partir de Krig-Ha, Bandolo! Além de ser tão subestimado quanto conhecido, já que a CBS, depois que se livrou do "problema" Raul, decidiu impedir qualquer reedição (existe uma, independente, de 1984).

Com relação ao selo, nãopoderia ser diferente: nenhuma gravadora iria aceitar de bom grado uma opera-rock á brasileira (Leno e Odair José também naufgragariam ao fazer algo no estilo).

A despeito do relativo êxito e da repercussãode Panis Et Circencis, nem mercado, nem indústria musical, nem crítica e público brasileiros entenderiam a audácia de Edy, Sérgio, Míriam e Raul: um disco conceitual, muito bem concebido, conduzido e produzido. E naturalmente que, se foi um álbum feito às escondidas, pelas palavras de Raul, ele custou tempo e dinheiro, pelo menos para a pré-produção.

Sessão das 10 é, na linha de Capitain Beefheart e Zappa (e dos tropicalistas), um promor de deboche e crítica social. Num Brasil em que o Rio de Janeiro era o nosso pequeno mundo e um aparelho televisão o máximno da aspiração pequeno-burguesa do Brasil dos anos de chumbo, tanto o entretenimento domesticado, o conformismo, a exaltação à exuberante natureza do Brasil no país da Ordem e Progresso se tornariam o alvoprincipal dos membros da misteriosa Sociedade da Grã-Ordem Kavernista.

Para emoldurar todo o humor cáustico das letras simples e inteligentes, avacalhando com o estabilishment da terra da palmeira, eles inventaram um desfile de todos os estilos musicais típicos do Brasil; dessa forma, Eta Vida, com uma introdução circence, dá a largada, uma marchinha onde a tônica é o dualismo à integrar-se ou não àquele inconsciente coletivo do Brasil, Ame-o ou Deixe-o. Aceitar o conformismo do cotidiano, futebol, diversão na tevê — depois de listar, Sérgio e Raul questionam aquele eldorado e pensam se devem aceitar o estado das coisas ou não (algo que Raulzito retomaria de outra forma, em Ouro de Tolo, por exemplo).

Várias faixas são endadeadas através de vinhetas (ao estilo de Zappa — aliás, um dos pontos altos do disco são, justamente, as vinhetas, engraçadíssimas), que emprestam ao disco a cara de conceitual. A segunda faixa, Sessão das 10, é uma seresta ao melhor estilo Sílvio Caldas, uma instituição secular na MPB da Velha Guarda. Mas na linha paródica, a letra fala de um amor malfadado non-sense — singelo deboche com o gênero dor-de-cotovelo.

Eu Vou Botar Prá Ferver é um frevo cujo refrão é um divertido paradoxo ("eu vou botar prá ferver/no carnaval que passou"). Eu Acho Graça é um cateretê (esse exemplo de versatilidade de dupla Sérgio-Raul mostra que, antes de abraçarem o rock e a contracultura como um todo, eles não subestimavam toda a linguagem musical que gravitava em torno da música brasileira do passado e do presente)com uma letra que mostra as orelhas de burro para quem passa.

Chorinho Inconsequente é outra música com citações à Cidade Maravilhosa (numa descrição de usos e costumes, numa colcha de retalhos da vida carioca), num samba de breque cantado pela paulistana Miriam Batucada, obra-prima tanto letra quanto a interpretação da cantora paulistana. Quero Ir é um baião existencialista no sentido de evasão, de partida, algo recorente no cancioneiro do Norte: a voz de Sérgio Sampaio, a despeito de ser capixaba, parece de um pernambucano de nascença, e cai como uma luva nas músicas com temática nordestina.

Soul Tabarôa, um forró ("soul miusis, hehehe"), é o único cover de Sessão das 10. Composto por Antonio Carlos e Jocáfi e cantado por Míriam, demostra a versatilidade de uma das cantoras mais subestimadas da história da MPB (e um dos seus trabalhos mais promissores naquele momento em que sua carreira ainda engatinhava acabou sendo soterrado junto com o disco). Todo Mundo Está Feliz é uma toada (existenlista no melhor 'estilo acho que não sei', como Eu Acho Graça) cantada por Sérgio (que brinca de repórter de rádio na vinheta: "qual é o tipo de música que você prefere, melodiosa ou barulhenta?"), cujo refrão em coro é uma brincadeira com canções hippie como Let The Sunshine In, do 5Th Dimenson, que passa um júbilo e otimismo aparente, já que a segunda parte.

Aos Trancos e Barancos é clássico desde a primeira audição: ao som so surdo, Raul diz — "Taí, eu sou um cara que subi na vida, morava no morro e agora moro no Leblon". É um sambão jóia (provavelmente o único de Raulzito em toda a sua discografia) onde, no mote do todo mundo está feliz aqui na Terra, ele exalta a felicidade de ter tudo o que quer, num colorido paraíso tropical.

As deradeiras faixas de Sessão das 10, por sua vez, lembram mais do Raul Seixas que estor vir (embora ianda pré-Paulo Coelho): Eu Não Quero Dizer Nada (de Sérgio), cantado por Edy, é um iê-iê-iê afro soul (com a participação especial da tal harpa egípcia de que Raul fala no depoimento) e Dr. Paxeco, de Raul, é uma espécie de Mr. Jones à brasileira: um arquétipo do white collar man, um sujeito que acha que sabe tudo mas está por fora. E o Finale, com a fanfarra inicial se fundindo com os apupos do público, é o Gotterdamerung que joga todo o mosico musical descarga abaixo.

Como Raul disse à imprensa, na época, o objetivo do antes execrado e hoje incensado álbum "dizer absolutamente nada, não acrescentar nada e ser apenas o espelho da nossa crise músical". Por que são contra a máquina de consumo, "principal causa do caos que está formado", fizeram um disco bastante fácil de ser ouvido e consumido". E, no fim, quem fez a Revolução Brasileira foi a patota kavernista.



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